PROTAGONISMO ESTUDANTIL

Primavera estudantil

Todos pela educação

18 de dezembro de 2015

Tentativa de reorganização escolar produziu efeito inesperado e deu um nó na gestão pública

Pricilla Kesley/Todos Pela Educação

Bruna Rodrigues, Mariana Mandelli e Pricilla Kesley Mal planejada, mal debatida e mal comunicada, a reorganização da rede escolar proposta pelo governo estadual de São Paulo acabou por atingir um objetivo que certamente não estava previsto por técnicos da secretaria, mas que especialistas em Educação vêm aconselhando há um bom tempo: o incentivo ao protagonismo juvenil. Ao ocupar 205 escolas estaduais (segundo o Sindicato do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), os estudantes secundaristas pareciam estar se livrando de mordaças. A garotada mostrou que quer e pode fazer parte da gestão escolar da rede. Meninos e meninas revelaram que entendem perfeitamente o conceito de instituição pública, deram aulas de administração e de mobilização e ainda forneceram dicas explícitas a quem planeja o ensino, sobre qual é o tipo de Educação que fará aumentar o interesse de todos pela escola.  

Na semana passada, a equipe de reportagem do Todos Pela Educação visitou algumas das escolas ocupadas e comprovou: os estudantes paulistas fizeram política, no sentido mais nobre do termo.

Uma das escolas visitadas foi a E.E. Valdomiro Silveira, do Jardim Silvana, na divisa entre as cidades de Santo André e Mauá. Na unidade, prevista para ter o prédio cedido ao Centro Paula Souza, os alunos transformaram a sala de professores em sede de debates e assembleias.

“As escolas já são cheias. Se fechar unidades e transferir alunos, vão ter de criar carteiras de dois andares para caber todo mundo”, criticou José Henrique Felix, o Puck, de 20 anos, participante da ocupação. “Tem mãe que coloca os filhos para estudar próximos. Se muda para escola distante, como vai fazer?”, questionou.

Com ele, estavam os irmãos Caique Heleno Luz, de 16 anos, e Cainã Heleno Luz, de 18. O trio revelou o pensamento dos manifestantes sobre a Educação: “Para uma sociedade evoluir, é preciso uma escola”. Para eles, a dimensão das ocupações mostra às pessoas que o povo tem o poder de interferir na gestão pública.

O impacto da mobilização confirmou a premissa dos jovens. No dia 4 de dezembro, o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) veio a público em um rápido pronunciamento, no qual declarou que o plano de reorganização seria adiado para 2017. Horas depois do recuo, o secretário estadual de Educação de São Paulo, Herman Woorvald, pediu demissão. “Tem muita gente na periferia que acha que político manda em tudo. Os políticos trabalham para a gente, não precisa ter medo”, aconselhou Puck.  Todos ocupados “Aqui, o movimento é horizontal”, anunciou Caique, em alusão ao protagonismo dos ocupantes, que não contou com liderança de movimentos já organizados. Na E.E. Valdomiro, foram os estudantes que zelaram pelo patrimônio escolar e mantiveram uma rede de informação e solidariedade com as escolas das proximidades. “A gente sempre está ajudando outras escolas, entrando em contato, se falta comida a gente leva”, afirmou Puck, que também foi um dos voluntários para dormir na escola durante a ocupação.

Na unidade, meninos e meninas carregavam utensílios aparentemente alheios ao ambiente escolar: panelas, vassoura e produtos de limpeza doados. Eles faziam comida e maninham a escola limpa.  Na E.E. Manuel Ciridião Buarque, na Vila Ipujoca, em São Paulo capital, o cenário era semelhante, cabendo até um questionamento aos papeis de gênero: meninos cozinhavam e meninas raspavam e pintava as paredes.

Participação coletiva também dava o tom das atividades na E.E. Conselheiro Crispiniano, em Guarulhos. Organizados em comitês por área, os jovens desempenhavam tarefas de segurança, limpeza e alimentação e realizavam assembleias.  Ivysson Luz de Souza, 17 anos, aluno da unidade, explicou que, diferente da rotina engessada do dia a dia, os manifestantes transformaram a escola em um lugar onde os alunos e a comunidade querem estar. “Na ocupação está todo mundo vivendo em harmonia. Quando você está em um local em que todo mundo quer a mesma coisa e faz por onde, você se sente bem. Nunca acordei às 5h25 da manhã tão feliz quanto eu tenho acordado agora”.

Além das ocupações, os estudantes também promoveram uma série de manifestações e passeatas. Othilia Balades, 18 anos, que participava da ocupação na E.E. Fernão Dias, uma das escolas pioneiras no movimento e forte inspiração para as demais, criticou as represálias violentas por parte da Polícia Militar. “Alguns atos realmente pareciam uma batalha. Policiais com cassetete, escudos… Eles perseguiram a gente. Eles foram perversos. Eram manifestações pacíficas”.

Com média de 40 alunos por sala, com a reorganização, a escola contaria apenas com o ciclo do Ensino Médio e deveria receber estudantes de outras escolas. “Eu resolvi participar da ocupação porque estou indignada. Não tem que fechar escolas, tem que gastar mais com elas”, criticou.  O estudo que pautou o plano de reorganização defende que o fechamento de 93 unidades tornaria a gestão da rede mais eficiente. Além disso, o documento, de 19 páginas, postula que escolas com apenas um ciclo de ensino elevam o desempenho dos estudantes, com base em resultados de desempenho obtidos nas avaliações de larga escala. O estudo foi criticado por diversos especialistas (leia aqui). As principais universidades públicas do estado repudiaram o plano de reestruturação e a falta de diálogo entre o governo e as escolas.

Tanto as manifestações como as ocupações dos jovens estudantes receberam amplo apoio de especialistas e educadores. Para Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, transferir alunos sem discussão prévia foi anti-educativo. Anna Helena Altenfelder, por sua vez, acredita que  as ocupações são uma oportunidade para que os educadores passem a trabalhar junto com os jovens. Confira a entrevista aquiUma nova escola pública As ocupações abriram um espaço para que, pela primeira vez, alunos de periferia repensem a relação entre escola e projetos de vida. Puck, criado pela avó, largou os estudos na E.E. Marajoara II para trabalhar como estoquista em um mercado de Santo André. Apesar disso, o jovem tem planos para concluir a Educação Básica em breve e afirma que entrou na luta pela manutenção das escolas abertas não apenas por ele mesmo, mas por outras gerações. “Eu tenho uma irmã de 15 anos e digo que ela não pode parar de estudar”.

O jovem problematizou a natureza do papel da escola em comunidades da periferia. “A escola é importante para nós não continuarmos sendo simples operários quando crescermos. Tenho um amigo que trabalha em uma borracharia em más condições, sem equipamento de segurança. Se ele tivesse conhecimento de leis trabalhistas, por exemplo, poderia reivindicar seus direitos”, explicou. Ele defende o ensino de disciplinas como sociologia e filosofia, além da ampliação de atividades culturais.

Maior participação democrática na escola esteve entre as principais reivindicações nas ocupações. Ivysson, que deseja ser historiador, reclama da apatia e do autoritarismo que cerceia a atuação dos estudantes. “Acordamos cedo para ir a uma escola opressora. É aquela monotonia de sempre, aquele conservadorismo. Não pode fazer uma festa, nem um passeio. O cara se cansa, não quer vir para cá”, criticou. “Agora temos oficina de teatro, dança e uma série de outras atividades, e isso só está acontecendo por causa da ocupação”, concluiu.

Othilia, cujos planos futuros oscilam entre história e cinema, também acredita que o modelo da escola pública deve ser repensado. “Na ocupação, há alta adesão de alunos, mesmo de alguns que repetiram de ano e não queriam nada com a vida. A verdade é que essa postura é culpa de como a escola é feita. Os professores ficam cansados com a rotina que levam e nós também. O aluno fica desmotivado. Queremos mudar a escola pública”.

“Tudo o que sugerimos para a direção da escola como atividade extra, não vai para frente”, lamentou Bianca Rodrigues, 17 anos, uma das mentoras da ocupação na E.E Manuel Ciridião e que tem planos para estudar artes plásticas. Ao seu lado, a amiga Maria Cordeiro, 16 anos, criticou não a direção da escola, mas a indiferença com a situação da Educação Pública. “Eu me sinto burra por não ter acordado antes para a situação da Educação. Me sinto alienada”.

As ocupações foram um golpe contra essa indiferença, acredita Puck. Para ele, o movimento contra o fechamento de colégios públicos fará com que as comunidades tenham um relacionamento mais entrosado com as escolas. Impressão que ele reparte com Ivysson. “Antes, batia o sinal e o povo já estava esperando abrir o portão para ir embora. Agora ninguém quer saber de portão, para que portão? Para que muro, se essa escola foi projetada para ser tão libertária. Para que ter essa direção e esse Estado opressor? Vamos deixar a escola do jeito que a gente quer, do jeito bom.”

Em 2014, a paquistanesa Malala Yousafzai foi a mais jovem laureada pelo Prêmio Nobel da Paz por sua luta e defesa pelo direito à Educação. Malala sofreu um atentado da organização fundamentalista Talebã por insistir em ir à escola. Em discurso nas Nações Unidas, em 2013, ela destacou o direito de todos os jovens e crianças à Educação e conclamou: “que todas as crianças possam ganhar coragem e se levantar por seus direitos”. Dois anos depois, no Brasil, jovens paulistas se levantam contra o fechamento de escolas públicas e a transferência de milhares de alunos e professores. Nessa primavera paulista, quem floresceu foram os jovens.

 

 

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