Webinar com Domingos Fernandes, organizado pelo Instituto Ânima

Como avaliar a aprendizagem dos estudantes em ambiente on-line? Uma reflexão para além da avaliação

Elisângela T. Gomes Dias

O professor Domingos Manuel Barros Fernandes, em participação na webinar organizada pelo Instituto Ânima e realizada em oito de maio de 2020, entende que não há diferenças significativas entre a avaliação praticada no dia-dia, no ensino presencial, com a avaliação on-line realizada nas aulas remotas, durante o período de isolamento social. O que está emergindo nesse momento acerca do papel da avaliação, em que fizemos um giro de 180º para termos condições de dar continuidade ao processo pedagógico, é o que vem sendo discutido e sinalizado pelas pesquisas científicas nas últimas décadas. “Temos que distinguir claramente a avaliação da classificação. Avaliar é um processo eminentemente pedagógico e vinculado à aprendizagem, enquanto a classificação é um algoritmo”, frisou o professor. Reivindicamos uma outra visão do ensino e práticas avaliativas integrativas e que alimentem a ação didática; uma avaliação a serviço da aprendizagem, enfatizou o professor. Avalia-se para planejar, orientar e retroalimentar o trabalho pedagógico. Além disso, de certa maneira, os estudantes constroem suas concepções sobre o que é importante ou não aprender a partir da forma como o professor avalia, dadas as consequências geradas por essa ação.

Em Portugal, está havendo um esforço muito grande para que ninguém fique para trás, especialmente em função do suporte dos professores, que têm um papel insubstituível. A tecnologia, segundo relato de Domingos Fernandes, não é a questão central. Está sendo bem acessível aos estudantes portugueses. O desafio são as mudanças metodológicas, pois não podemos simplesmente transpor o formato das aulas presenciais para as aulas a distância. Temos que explorar nossa imaginação, nossa criatividade. Então, é necessário pensar sobre o que e como as crianças e os jovens devem aprender nessas circunstâncias. A nossa opção pedagógica é a principal questão. Queremos que os estudantes participem mais ativamente? Que recursos estão à nossa disposição e são adequados? O que podemos propor? Há estratégias fantásticas de que o professor pode lançar mão.

Na visão de Fernandes, “essa pode ser uma oportunidade única para termos uma visão mais cosmopolita do ensino. Mesmo confinados, podemos abrir a janela e as portas da nossa imaginação”. Aprendizagem entre pares e a mediação com signos e instrumentos antes não explorados podem ser um diferencial. Lembremos que Vigotski, por exemplo, desde o século passado, defendia tais práticas. A aprendizagem deve impulsionar o desenvolvimento, explorando as funções psicológicas superiores a partir do que é essencial e não periférico.

O mundo exige o trabalho colaborativo, por que então o individualismo é tão valorizado pela escola? Nessa lógica, a preocupação de muitos docentes neste momento passa a ser com a possibilidade de “cola”, o que só reforça a velha cultura de estudar para a prova, gerando muitas vezes angústia. Ora, o mais importante é planejar que tipo de atividades estão sendo propostas. Certamente aquelas que não oportunizam o processo de reflexão e a integração de conhecimentos, mas valorizam aspectos meramente memorísticos, propiciam essa conduta.

Ressaltamos ainda o feedback contínuo e diferenciado durante o ensino remoto ou a distância e a necessidade da autoavaliação. Para tanto, é preciso que o professor tenha critérios bem definidos, transparentes e organizados de forma participativa. Por meio do que Domingos Fernandes chama de “rubricas” (descritores de desempenho) da avaliação, três aspectos devem ser observados: 1) os estudantes devem saber o que irão aprender e como se dará esse processo; 2) em que situações se encontram em relação a essas aprendizagens; 3) que esforços terão que fazer para atingir o que está sendo proposto. Essas rubricas são facilmente conduzidas por meio de diversas ferramentas e são fundamentais para a autoavaliação, compreendida como um processo cognitivo, conforme explicou o professor. Não se trata de o estudante dizer “eu acho que mereço essa ou aquela nota”, mas de fazer uma reflexão a partir do que foi pactuado, entre o desejado e o realizado.

A partir dessa discussão e considerando a educação brasileira, há vários aspectos que podemos destacar. Entre eles, destaca-se que a falta de investimento na educação pública, o que incide não apenas em infraestrutura, mas na valorização do magistério e na formação docente, torna-se latente na atual crise sanitária que levou o país a decretar estado de calamidade pública. Com efeito, milhares de estudantes brasileiros estão totalmente desassistidos ou com condições precárias. Algumas poucas escolas e docentes estão se reinventando e alcançando seus estudantes, inclusive em regiões periféricas. Mas, em geral, temos observado tentativas amadoras e pouco efetivas. Podemos citar o que está sendo organizado até o momento pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, com tele aulas gravadas, por vezes de forma caseira, e disponibilizada em canal de TV sem nenhuma interatividade entre professores e estudantes, tampouco atreladas ao currículo da escola e ao devido acompanhamento pedagógico. E a defesa para esse contexto de ensino remoto desarticulado não se justifica com o argumento “importante é a iniciativa de se fazer alguma coisa”. Educação não pode ser negligenciada, mesmo diante de uma situação tão adversa como essa.

Por outro lado, as escolas particulares se mobilizaram, buscaram alternativas e estão prosseguindo com as atividades. O problema é que muitas delas, preocupadas com a “prestação de serviço” e com o foco no cumprimento do conteúdo, desconsideram vários aspectos e submetem crianças e jovens a uma carga horária excessiva e que poderá trazer consequências danosas para saúde física e mental. Há vários relatos de sobrecarga e aumento da ansiedade, tanto de docentes quanto de discentes, além da negligência no atendimento das necessidades educacionais especiais. A maior parte dos estudantes com deficiências está totalmente marginalizada. Aulas remotas estão sendo ofertadas até mesmo para crianças da educação infantil, do maternal e da pré-escola, o que gera uma série de questionamentos. Essa temática ganhou inclusive destaque no chat e será objeto de outra webinar, sendo mesmo objeto de uma outra análise.

Alertamos que as atividades remotas não podem substituir integralmente as presenciais, mesmo que o período de isolamento social seja prorrogado. É preciso pensar, como reiterou Domingo Fernandes: o que é mais importante que crianças, adolescentes, jovens e adultos aprendam? O que é verdadeiramente fundamental ensinar? Quais as tarefas que os levam a pensar e são relevantes para o desenvolvimento dos processos mais elaborados do pensamento? Todas as páginas dos livros precisam ser preenchidas? Se a resposta à última questão for sim, esse atual formato, em especial, contribuirá muito mais para o aumento da ansiedade do que para a aprendizagem efetiva dos estudantes. Isso significa que o ensino ainda não conseguiu romper com a educação tradicional.

A implementação de ações díspares, sem a mediação direta de professores e com famílias sem condições de acessibilidade e de suporte ao processo educativo de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos não conseguirá oportunizar ensino de qualidade. É urgente a necessidade de maior investimento na educação e valorização do magistério. O que seria da humanidade sem o avanço da ciência?

Enquanto isso, o Ministério da Educação suprime verbas de pesquisa e anuncia que a avaliação do Sistema de Educação Básica passará a ser anual e censitária, na falsa lógica de que medir é gerar qualidade, o que aumentará absurdamente o gasto com testes em larga escala. Uma contradição que vem sendo denunciada por vários educadores e associações de estudos e pesquisas educacionais.

Por fim, reiteramos que, em tempos de crise como a que estamos passando, a maior preocupação da escola seja pelo desenvolvimento integral de seus educandos, o que exige a organização do trabalho pedagógico sem desconsiderar o contexto vigente, as singularidades dos estudantes, as diferenças sociais e culturais. Que possamos reaprender a ensinar, pois certamente os estudantes de hoje não são os mesmos do século passado, assim como será a humanidade pós-pandemia.

Referência:

Como avaliar a aprendizagem dos estudantes em ambiente on-line? Webinar no Canal do Youtube do Instituto Ânima. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=y0wm9HSYX5o>. Acesso em 8 maio de 2020.

 

Contribuições do GEPA sobre o processo avaliativo durante a pandemia

Contribuições do GEPA – Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico –  sobre o processo avaliativo durante a pandemia

A avaliação é o componente do trabalho pedagógico presente em todas as situações de aprendizagem. Ela fornece elementos para iniciá-lo, para garantir sua continuidade ou sua reorganização, em atendimento aos objetivos traçados, em função de novos objetivos surgidos durante o processo. Avaliação e objetivos estão sempre entrelaçados.

Todas as decisões do trabalho pedagógico são tomadas com o auxílio da avaliação. Daí sua essencialidade. Não estamos falando da que classifica, por meio de notas e de rótulos impostos aos estudantes e que se interessa apenas pela aprovação e reprovação. Ocupamo-nos da que se compromete com as aprendizagens de todos os estudantes, isto é, da avaliação formativa. Esta é a avaliação para as aprendizagens e não somente das aprendizagens. A palavra “para” indica o movimento característico da avaliação, em busca de avanços. Já a palavra “aprendizagens”, no plural, sinaliza que todas as situações a que os estudantes se expõem, em todos os ambientes escolares, constituem aprendizagem e não somente as decorrentes dos conteúdos curriculares. Se aprendemos em diferentes situações, o mesmo acontece com a avaliação.

O Brasil é um país imenso e com muitas desigualdades sociais. Quando o coronavírus se espalhou entre nós, o ano letivo, que mal havia se iniciado, foi interrompido. A partir de então, um grupo de estudantes passou a desenvolver atividades online e outro não, por motivos vários, dentre eles a falta de condições de escolas de se organizarem para esse formato pedagógico e a inexistência de ferramentas tecnológicas pelas famílias. Como se pode perceber, as desigualdades educacionais serão ampliadas em função desse problema sanitário que estamos enfrentando.

Um outro fator de desigualdade poderá ser acrescido se usarmos online o velho e rançoso processo avaliativo, com foco em provas e notas. Se ainda não conseguimos praticar a avaliação em benefício das aprendizagens de todos os estudantes quando com eles interagimos pessoalmente, essa dificuldade poderá ser maior quando trabalhamos remotamente. Será impossível desenvolvermos a avaliação formativa em aulas remotas?

Se não nos é possível olhar o estudante, admirar suas manifestações corporais, tão necessárias para estabelecermos relacionamento seguro e necessário, enfim, se não nos é possível observá-lo, como de costume, podemos criar atividades que nos forneçam informações úteis. Por exemplo: diários de aula, reflexões, cartas, desenhos, histórias, análises, projetos, propostas em geral, sempre de acordo com sua idade, o tema da atividade e interesse. Essas aulas poderão ser documentadas pelos estudantes, de várias formas. Será uma oportunidade valiosa para o desenvolvimento da escrita e o aprofundamento de aprendizagens impulsionadas pelo período da quarentena. Mas, calma! O professor não terá de ler e analisar as produções dos estudantes para dar nota. Esta figura punitiva da avaliação não deverá ser usada. Se a nota for realmente necessária, como infelizmente é, deixemos para resolver isso quando houver o retorno às aulas. Quem sabe a experiência com a pandemia não nos inspira para construirmos o processo avaliativo condizente com a formação dos estudantes para a participação, responsabilidade e autoria?

E provas serão necessárias? Também não. Os estudantes poderão “provar” que estão aprendendo por outros meios, como os acima sugeridos. Se estamos vivendo uma situação excepcional e tentando dar continuidade ao trabalho escolar, por que não reinventarmos o processo avaliativo? Por que não inserirmos os estudantes e seus pais/responsáveis na construção da avaliação que faça sentido para todos?       

 

Educação e pandemia

Educação e Pandemia: a avaliação em foco

Enílvia Rocha Morato Soares

Em entrevista ao periódico El País (apresentada ao final deste texto), Andreas Schleicher, diretor de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e principal responsável pelo relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), aponta consequências do prolongado afastamento de crianças e adolescentes do ambiente escolar em função da crise do coronavírus, bem como para mudanças que deverão ser introduzidas nas escolas após o final do isolamento, visando dirimir os efeitos negativos decorrentes dessa ruptura.

Medidas adotadas na China e dificuldades enfrentadas na Espanha para o enfrentamento do problema, citadas pelo pesquisador para exemplificar suas ideias, potencializam preocupações diante do contexto brasileiro de avassaladoras desigualdades sociais e investimento em políticas que, se não as ignoram totalmente, desconsideram o fato de que esforços pessoais não são suficientes para superá-las. Na esteira dessa realidade caminha a educação. Distante de ser uma prioridade do atual governo e conduzida por ideais meritocráticos, desigualdades de aprendizagem tendem a se fortalecer com e a partir da quarentena, elitizando oportunidades de ascensão educacional e social.

Dentre as alternativas apresentadas por Andreas Schleicher para minimizar os efeitos da crise, destaco aqui a avaliação, uma vez que, segundo o próprio entrevistado, “educação e avaliação andam de mãos dadas”.

O termo “avaliação” é mencionado somente ao final da entrevista, o que não impediu que a temática pautasse grande parte das respostas do interlocutor. A função formativa da avaliação também não foi nominalmente citada como a mais adequada para que o ensino não se dissocie da conquista permanente de aprendizagens, deixando dúvidas quanto ao posicionamento do pesquisador a esse respeito, especialmente se considerada a oscilação de suas considerações.

Uma delas diz respeito à importância da manutenção da avaliação em tempos de isolamento.  Ao afirmar que a avaliação é “uma forma de conseguir que os alunos não se desconectem”, Andreas Schleicher sugere o uso dessa prática como meio de coerção para a manutenção dos estudos. Mesmo quando ressalta a necessidade de uma avaliação que possibilite aos professores “acompanhar a evolução do aluno”, uma vez que, “se não fizerem isso, […] se tornarão cegos”, não faz referência aos movimentos que devem suceder às percepções desveladas visando promover avanços, característicos de um processo avaliativo formativo.

A defesa da função formativa da avaliação pode, no entanto, ser percebida quando o entrevistado repudia a reprovação, afirmando ser ela “a pior solução” em tempos de pandemia e atribuindo aos sistemas educacionais a tarefa de “encontrar a forma de redobrar seus esforços e analisar como os alunos com menos recursos em casa podem continuar aprendendo”. A avaliação formativa é parte indissociável dessa dinâmica, seja por parte dos sistemas educacionais que precisarão avaliar os diferentes contextos visando adotar medidas que permitam atender a todos, indistintamente; seja por meio das escolas e de seus educadores que deverão atentar-se para as particularidades de cada estudante, visando assisti-los em suas necessidades. Trata-se, portanto, de um processo que descarta a classificação de estudantes, válido, a meu ver, não só para tempos de afastamento social, mas sempre que prevalecer o desejo de democratizar saberes.

O trabalho colaborativo entre os docentes, viabilizado e retroalimentado, entre outras coisas, por avaliações sistemáticas do trabalho pedagógico realizadas na e pela escola, é também destacado por Andreas Schleicher para o enfrentamento da crise. O pesquisador assegura que, em momentos como o que estamos vivendo, o professor “não tem como resolver os problemas sozinho, só em equipe”.  É preciso, segundo ele, “fomentar a cultura colaborativa e não estar esperando instruções dos Governos, e sim assumir a responsabilidade da situação e contatar colegas para lançar medidas inovadoras”.

Embora a solidariedade e o espírito cooperativo entre professores seja uma necessidade que se acentua em momentos de distanciamento social, colocar nas mãos dos professores a responsabilidade de, unilateralmente, “lançar medidas inovadoras”, significa minimizar, ou mesmo isentar o Estado da responsabilidade de buscar meios para assegurar a todos o direito inalienável de aprender. Sem desconsiderar a distinção do papel do professor para o alcance desse propósito, a complexidade do processo educativo envolve ações que extrapolam o âmbito das escolas, demandando do poder público, a adoção de medidas que viabilizem e fomentem iniciativas locais.

As contradições presentes na fala do entrevistado, oriundas, possivelmente, do trabalho que realiza junto à OCDE, que induz a uma sinonímia entre exames externos e avaliação, não diminui o valor de análises que sugerem formas de condução do trabalho escolar durante e após a pandemia. Diferentes abordagens nessa direção são necessárias e devem ser meticulosamente analisadas, uma vez que esse período certamente deixará marcas e o caminho a ser trilhado determinará os novos rumos da educação.

Independentemente das decisões definidoras desse percurso, tornar a escola uma instituição com potencial de “maior igualador social”, conforme defendido por Andreas Schleicher, depende, em grande parte, de processos avaliativos que possibilitem a construção e a condução de um trabalho pedagógico colaborativo e promotor de aprendizagens emancipadoras. Vencer os desafios impostos por uma realidade social fortemente marcada pelo individualismo e pela competitividade, que influencia o trabalho escolar, condenando “desavantajados” a assim permanecerem, se apresenta, portanto, como obstáculo a ser superado. A imprescindibilidade da educação escolar nesse processo reforça a necessidade de buscar meios de minimizar os efeitos da pandemia. Avaliar formativamente está, certamente, entre eles.

Entrevista:

El país – 23/04/2020

Pandemia de coronavírus

“Professores terão que mudar seu jeito de ensinar depois da quarentena”

Andreas Schleicher, principal responsável do relatório PISA da OCDE, considera que o custo social do fechamento das escolas pela pandemia é dramático Andreas Schleicher (Hamburgo, 55 anos), diretor de Educação da OCDE e principal responsável pelo relatório PISA ―que mede o nível de conhecimento dos alunos de 15 anos de 75 países em ciências, matemática e leitura― acredita que a pior consequência do fechamento das salas de aula pelo coronavírus é o desaparecimento durante meses do maior igualador social: a escola. Na sua opinião, é o único lugar onde todas as crianças recebem o mesmo tratamento, independentemente da situação pessoal que cada um tenha em casa. “Ali veem outra forma de pensar, de agir e até de andar… Aprendem o conceito de responsabilidade social.” Por isso, seu maior medo é de uma fratura da “fábrica social” em que os colégios se transformaram. Pergunta. Um dos últimos estudos da OCDE indica que um em cada 10 estudantes não têm uma mesa de estudos em casa.

Qual é a melhor solução para os alunos mais desavantajados? É passar de ano com o resto de seus colegas? Resposta. É uma pergunta complicada. Acho que fazer os jovens repetirem o ano é provavelmente a pior solução, porque, além de perder um ano, vai estigmatizá-los. Os sistemas educacionais devem encontrar a forma de redobrar seus esforços e analisar como os alunos com menos recursos em casa podem continuar aprendendo. Há uma grande espera depositada nos professores, e são eles os que têm de agir como mentores, inclusive dos trabalhadores sociais, e se manterem em contato permanente com seus alunos. P. Pode ser problemático que em setembro [início do ano novo letivo na Europa, após a atual quarentena] as salas de aula se encontrem com uma proporção elevada de alunos que não assimilaram bem os conhecimentos do curso anterior?

R. Em setembro o ambiente de aprendizagem e o ambiente das salas de aula serão mais diversos que em qualquer outro ano. Haverá alunos que voltarão entusiasmados, com muitas aprendizagens on-line que os terão enriquecido, graças ao apoio de suas famílias. Outros chegarão desmotivados, e esse é o desafio: aumentar o reforço escolar para essas crianças. P. A reabertura das escolas ocorre a diferentes velocidades na Europa. Os especialistas insistem em que a cada mês a desigualdade cresce exponencialmente.

R. O custo social do fechamento das escolas é dramático. Diferentes pesquisas mostram que não é a cada mês, e sim a cada dia. Inevitavelmente, a lacuna de desigualdade vai aumentar, e precisamos encontrar fórmulas para mitigá-la: os alunos terão que dedicar mais horas ao estudo, será preciso envolver as famílias… Não há uma resposta clara. As famílias com mais recursos poderão compensar com aulas extracurriculares pagas do seu bolso. O que as famílias querem para seus filhos é o que o Governo terá que assegurar para todos. P. Levando-se em conta a crise econômica que está começando, é realista pensar que os Governos vão priorizar o orçamento educacional para assegurar esse reforço?

R. O futuro dos nossos países depende da educação; as escolas de hoje serão a economia de amanhã. Desde que começou a pandemia, o caso da China me impressionou. Uma das suas prioridades foi a educação. O Governo lançou uma plataforma gratuita de aprendizagem na nuvem com 7.000 servidores e 90 terabytes de banda larga, que permite que 50 milhões de alunos se conectem simultaneamente. Apostar na educação é uma decisão que toda nação deveria tomar.

P. É uma questão de dinheiro ou de vontade política?

R. Efetivamente, essa medida custou muito dinheiro, e grande parte dele foi doado por companhias tecnológicas. Há dois pontos de partida que são importantes. Desde o primeiro dia, todos os professores na China se envolveram com o uso dessa plataforma. Não se limitaram a dizer aos alunos que a usassem, como, além disso, telefonaram diariamente para eles a fim de entender claramente suas necessidades. Prestou-se muita atenção aos alunos sem possibilidade de acessar a Internet, que receberam livros didáticos e materiais, dentro de um plano organizado pelas escolas. P. Por que em países como a Espanha e a França não se tentou lançar esse tipo de plataformas, se as já existentes não têm capacidade suficiente? R. O Governo espanhol tem feito um grande esforço para usar ferramentas digitais e tem agido bem na busca por aliados da indústria tecnológica. Acredito que o mais difícil para eles tenha sido envolver os docentes, é aí onde provavelmente os esforços devem ser concentrados, em conseguir que os professores sejam parte ativa nesta mudança. O ensino on-line será crucial no futuro do ensino, os professores deveriam se esforçar mais.

P. Qual é sua recomendação para que o trabalho nestes dias seja eficiente?

R. Como professor, neste momento você não tem como resolver os problemas sozinho, só em equipe. Nisso a Espanha tem muito trabalho a fazer. Segundo os resultados do relatório Talis, os docentes espanhóis estão entre os que menos colaboram entre si, trabalham de forma isolada em sua sala de aula. Só 24% declaram participar de uma rede de colaboração para desenhar planos de docência ou compartilhar material pedagógico, frente aos 40% de média dos países da OCDE. É importante respeitar a autonomia dos docentes, mas neste momento é preciso fomentar a cultura colaborativa e não estar esperando instruções dos Governos, e sim assumir a responsabilidade da situação e contatar colegas para lançar medidas inovadoras. Os líderes de cada escola têm que se conectar aos professores, criar comunidades e comitês entre diferentes colégios. Um dos resultados do PISA é que 50% dos professores em escala mundial não se sentem cômodos com o ensino digital.

P. Os dados do Talis dizem que apenas 59% dos diretores desenvolvem ações para conseguir a colaboração entre docentes. Quem deve mandar essa mensagem? R. A crise amplifica a necessidade de estarmos conectados. Essa mudança deve partir da própria comunidade educativa. Os bons líderes não estão nos gabinetes decretando ordens, estão envolvidos na solução, de forma ativa. O Governo afinal está muito longe de ter um efeito sobre o que acontece nas salas de aula. Os professores na Espanha continuam muitos dependentes do que a Administração dita.

P. Os docentes deverão modificar sua forma de ensinar em setembro?

R. Absolutamente. O grande preço que vamos pagar pela crise não é só a perda de aprendizagem, e sim os jovens afetados pela insatisfação, pela decepção e que perderam sua confiança no sistema educativo. [As escolas] terão que escutar mais, detectar a necessidade de cada um e desenhar novas formas de aprendizagem para se encaixar em diferentes contextos pessoais. Não se pode voltar como se nada tivesse acontecido.

P. Como se deve avaliar durante o confinamento? R. Devemos realizar a máxima avaliação possível. Educação e avaliação andam de mãos dadas. Quando você está na escola, sabe como cada estudante está evoluindo, mas, quando não os vê dia a dia, é preciso usar ferramentas on-line para ver se ele está aprendendo. Sou muito otimista e acredito que podemos ser muito criativos com novos formatos de avaliação. P. Deve-se manter a avaliação nestes meses de confinamento, ou focar o apoio emocional?

R. Talvez seja preciso mudar a natureza da avaliação, mas insisto em que é importante mantê-la para poder acompanhar a evolução do aluno. Se não fizerem isso, os professores se tornarão cegos, e também é uma forma de conseguir que os alunos não se desconectem.

P. Você criticou que não haja uma maior colaboração público-privada para confrontar a crise educativa pela covid-19.

R. A inovação educacional exige a colaboração entre o público e o privado, e na Espanha há uma cultura de confrontação entre o público e o privado. Parece que a educação é só coisa do Governo, e é preciso que a sociedade se envolva e contribua com ideias criativas. As empresas também têm que tomar partido e propor soluções, por exemplo, para as práticas dos alunos de Formação Profissional. O futuro do país depende de como se administre esta crise educativa.

 

Avaliação e pandemia: a avaliação em foco

Educação e Pandemia: a avaliação em foco

Enílvia Rocha Morato Soares

Em entrevista ao periódico El País (apresentada ao final deste texto), Andreas Schleicher, diretor de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e principal responsável pelo relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), aponta consequências do prolongado afastamento de crianças e adolescentes do ambiente escolar em função da crise do coronavírus, bem como para mudanças que deverão ser introduzidas nas escolas após o final do isolamento, visando dirimir os efeitos negativos decorrentes dessa ruptura.

Medidas adotadas na China e dificuldades enfrentadas na Espanha para o enfrentamento do problema, citadas pelo pesquisador para exemplificar suas ideias, potencializam preocupações diante do contexto brasileiro de avassaladoras desigualdades sociais e investimento em políticas que, se não as ignoram totalmente, desconsideram o fato de que esforços pessoais não são suficientes para superá-las. Na esteira dessa realidade caminha a educação. Distante de ser uma prioridade do atual governo e conduzida por ideais meritocráticos, desigualdades de aprendizagem tendem a se fortalecer com e a partir da quarentena, elitizando oportunidades de ascensão educacional e social. Continue lendo “Avaliação e pandemia: a avaliação em foco”

 

Notas: para quê? Uma discussão que não pode ser adiada

 

Notas: para quê? Uma discussão que não pode ser adiada

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Novo ano letivo iniciando. Hora de dar continuidade ao planejamento do trabalho pedagógico. Refiro-me à continuidade porque as informações coletadas no ano anterior não são engavetadas. São aproveitadas. A avaliação é um componente crucial desse processo porque é o ponto de partida da organização do trabalho pedagógico, acompanhando todo o seu percurso, o concluindo e oferecendo elementos para a sua retomada. Costumamos discutir vários aspectos relacionados ao trabalho escolar e à avaliação, mas em um deles não tocamos: o uso de notas. Qual a razão de insistirmos na sua adoção? Por que perduram há tanto tempo?

Por isso, é oportuno comentar brevemente um estudo realizado nos Estados Unidos sob a coordenação de Susan Brookhart e Thomas R. Guskey (2019), sobre o uso de notas. Eles reuniram um grupo de renomados professores para sintetizar pesquisas sobre notas, realizadas nos últimos 100 anos. Como se pode perceber, pesquisar o uso de notas em 100 anos demonstra quão importantes têm sido no trabalho escolar. Continue lendo “Notas: para quê? Uma discussão que não pode ser adiada”

 

Semana pedagógica: discutindo a avaliação formativa

 

Semana pedagógica: discutindo a avaliação formativa

Maria Theresa de O. Corrêa

Compreender a avaliação, de maneira mais ampla, para além da correção de trabalhos, exercícios e provas, é um desafio que se impõe a cada momento não somente para os (as) professores (as) mas para a toda a escola, considerando a sua temporalidade e complexidade. Cada período letivo é único e no ambiente escolar, afirma Cerqueira (2006), inscrevem-se regras, histórias, fantasias, formalidades que afetam e contribuem para a produção de sentido na educação.

Assim, a “semana pedagógica” é uma oportunidade ímpar para se começar o ano discutindo o processo avaliativo, a partir das necessidades da própria escola, da sua complexidade.  Nessa ocasião, esforços diversos e em conjunto são empreendidos pela secretaria escolar, equipe gestora, agentes da limpeza, da portaria que, entre outros, matizam cores, sons e intenções para o ano escolar que se inicia. Essa dinâmica desenha, de forma ampla, o trabalho pedagógico que será desenvolvido durante o período letivo e que implicará as ações realizadas em sala de aula pelos (as) professores (as) com os (as) estudantes. Continue lendo “Semana pedagógica: discutindo a avaliação formativa”

 

Avaliar para planejar… planejar para avaliar

 

Avaliar para planejar… planejar para avaliar

Enílvia Rocha Morato Soares

 

Teremos na próxima semana, a partir do dia 03 de fevereiro, o início de mais um ano letivo nas escolas públicas do Distrito Federal. Como sempre acontece na primeira semana após o período de férias dos estudantes e professores, chamada oficialmente de “Semana Pedagógica”, profissionais da educação e integrantes da comunidade escolar se reúnem para (re)planejar o trabalho que pretendem desenvolver ao longo do ano. Trata-se, portanto, de um momento em que a avaliação se mostra imprescindível.

Diferente da visão pontual e retrospectiva que, em geral, incide sobre as avaliações situando-as ao final de processos, reflexões sobre o modo como se pretende caminhar não dispensa o olhar atento sobre o percurso já trilhado, constituindo norte para a manutenção do foi produtivo, eliminação do que não foi e projeção de novas investidas que, por sua vez, deverão ser reincidentemente avaliadas. Continue lendo “Avaliar para planejar… planejar para avaliar”

 

Encontro do GEPA

Encontro do GEPA

No dia 1º de novembro de 2019 as integrantes do GEPA se reuniram para analisar a 3ª versão do Parecer do CNE que traça Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica (atualizada em 18/09/2019). Naquela data o documento ainda estava em situação de consulta. A resolução e o parecer, aprovados no dia 07/11/2019, ainda não foram divulgados.

Como a avaliação é uma categoria estratégica do trabalho pedagógico, detivemo-nos nas diretrizes sobre avaliação que, além de receberem atenção mínima do texto, não se coadunam com as fragilidades enfrentadas pela formação inicial de professores. Vejamos. Continue lendo “Encontro do GEPA”

 

SINTESE analisa PL da alfabetização em Sergipe

SINTESE analisa PL da alfabetização em Sergipe

por Luiz Carlos de Freitas

Em sincronismo com o PL 208/2019 que institui o sistema de avaliação censitário e anual nas escolas de Sergipe, o governo enviou outro projeto, o PL 212/2019, que trata da alfabetização nas escolas e sua relação com a avaliação. Baixe aqui o texto do PL 212/2019. O DITO POPULAR “COM BANANAS E BOLOS SE ENGANAM […]

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Luiz Carlos de Freitas | 01/10/2019 às 9:52 PM | Tags: Resistência | Categorias: Assuntos gerais, Meritocracia, Privatização, Responsabilização/accountability | URL: https://wp.me/p2YYSH-72r

 

ANÁLISE DA PROPOSTA DE ALTERAÇÃO NO REGIMENTO ESCOLAR DA REDE PÚBLICA DE ENSINO DO DF

 

ANÁLISE DA PROPOSTA DE ALTERAÇÃO NO REGIMENTO ESCOLAR DA REDE PÚBLICA DE ENSINO DO DF

Grupo de pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA

06/05/2019

A Secretaria de Estado de Educação do DF (SEEDF) vem construindo concepção e práticas de avaliação formativa desde 2000. Quatro versões das diretrizes de avaliação foram elaboradas nesse período, sendo que as três últimas tiveram a participação de professores. A quinta versão foi concluída ao final de 2018, mas não foi implementada. Um esforço gigantesco foi empreendido, durante os últimos anos, por meio da formação continuada dos educadores, para ampliação da compreensão dessa função avaliativa.

Contudo, ao final de abril deste ano, as escolas foram surpreendidas por uma proposta de alteração do regimento escolar a elas enviada para oferecimento de sugestões, que entra em conflito com os preceitos da avaliação formativa inseridos nos documentos oficiais da rede pública do DF.   Continue lendo “ANÁLISE DA PROPOSTA DE ALTERAÇÃO NO REGIMENTO ESCOLAR DA REDE PÚBLICA DE ENSINO DO DF”