Avaliação, escola e ensino remoto

Erisevelton Silva Lima

          A Pandemia causada pela Covid-19 marcou, de forma indelével, pessoas, organizações e países inteiros em razão dos efeitos devastadores causados pela necessidade do isolamento social. A escola, não por acaso, ainda sofre os impactos desse momento diante da necessidade da interação social que demarca a condição para existência do ato educativo. Sendo assim, a avaliação e todos os sentidos que a cercam foram colocados em dúvida por causa dos desafios que rodeiam a ideia de ensino remoto, mesmo que de forma emergencial.   As antigas perguntas como: o que avaliar, como avaliar e para que avaliar ressurgem com uma roupagem de desconfiança ainda maior que nos tempos ditos normais. Nossa recomendação é que entendamos que o momento exige acolhida, calma e tentativas de contato constantes para que não percamos os vínculos, minimamente, a fim de garantirmos alguma referência e ou nível de interação. O mundo não tem respostas. Crianças, familiares e profissionais estão impactados e assombrados com os rumos cada vez mais incertos das instituições e dos organismos nacionais e internacionais. Além disso, o desemprego, a fome e a morte avizinham-se de todos nós. Não esqueçamos o sentido que a escola sempre impingiu: educar para o futuro. E, neste caso, ele se tornou duvidoso.

          No afã de garantir a dita normalidade, algumas escolas estão esquecendo de explorar o momento, os conteúdos atitudinais e procedimentais que dizem respeito a todos nós. Eles precisam ser explorados, seja por meio da química, física, biologia, matemáticas e de tantas outras áreas que permitem tornar o momento pandêmico objeto de estudo para cada uma delas.

          O currículo acontece quando o estudante empresta a sua vida para o que está aprendendo, diz Tomaz Tadeu da Silva. Não podemos fugir do tema e do assunto que mais nos tem preocupado e despertado interesse, ou seja, a pandemia.

A centralidade da avaliação permanece, a necessidade de avaliar também, a questão talvez resida na compreensão de que noutra forma de ensinar e aprender devamos refazer ou reinventar a forma de avaliar. Se já tínhamos dúvidas e inseguranças quanto ao tema da avaliação, agora não é diferente, todavia, o terreno para a prática da avaliação formativa nunca foi tão fértil e desejado. Cumpre lembrar que a avaliação formativa é a avaliação que se coloca antes, durante e depois do processo de ensino e aprendizagem. Ela encoraja, discute e auxilia os sujeitos da avaliação a desenvolverem sua autonomia e participarem do trajeto formativo. A necessidade de interação não é negada, mas, neste contexto, deve ser alvo de maior sensibilidade e bom senso a fim de que não prejudiquemos quem já está com sérios prejuízos, inclusive existenciais.

As escolas e os docentes estão inseguros e desconfiados, no que tange ao ato de avaliar. Nos relatos abaixo, colhidos nas inúmeras lives realizadas sobre o tema avaliação, percebemos muitas dessas questões:

  1. Sinceramente, não sei o que fazer, ao receber as tarefas percebo que não foi meu aluno que fez, me sinto mal com isso; vou avaliar sabendo que não foi ele que fez? (Professora dos anos iniciais)
  2. A mãe disse que desiste, não quer ajudar mais a criança, eu até entendo, ela não é professora, mas o que eu posso fazer da minha casa para ajudar uma família dessas? Sem a produção de algo eu vou ter que reprovar essa aluna. (Professor dos anos finais)
  3. Estou preocupado, nem dez alunos estão na plataforma, peço para que abram as câmeras para vê-los, para avaliar a participação ao menos, nem isso tenho conseguido. (Professor do Ensino Médio)

O relato (a) se traduz pelo sentimento de insegurança pelo qual a docente afirma, a partir de evidências da sua experiência, que outrem realiza as tarefas pela criança. Temos recomendado para esses casos que seja feito um contato com a família e com o estudante para viabilizar um contrato didático pautado na ética. No ensino remoto outras formas de avaliar são possíveis. Talvez em situações análogas possa se tentar um contato via chamada de vídeo, ou marcar um momento com a criança ao telefone para que o docente obtenha informações e possa dar orientações. De qualquer forma, estamos imersos em situações várias, cujas aprendizagens são novas para todos nós.

          No relato (b), deparamo-nos com essa situação inusitada, todavia, real; muitos pais ficaram desempregados, muitas famílias perderam suas fontes de renda, sem esquecer a quantidade de pessoas que não possui a escolaridade necessária para compreender ou apoiar esses estudantes. Nem sempre recorrer aos órgãos de proteção da criança resolve; a desolação e a falta de perspectivas tomaram conta de muitos e a escola tenta, em meio a tudo isso, inaugurar uma “nova normalidade” sem muito êxito, até então. Quanto ao último caso, as hipóteses são inúmeras, muitos sabem que, ao abrir as câmeras, os pacotes de dados se esvaem com mais pressa, os adolescentes e jovens do ensino médio se valem de outras saídas como aulas no Youtube e outras que os auxiliam com vistas aos vestibulares. Estes estudantes, da última etapa da educação básica, não são adultos, grande maioria, e também estão expostos a tudo que foi dito aos demais quanto à análise do primeiro relato. Sabemos que, por serem mais maduros e mais autônomos, facilitam muitas vezes as interações necessárias com seus mestres e mestras, mas, não quer dizer que tem sido fácil: a escola está em meio a uma tormenta sem igual.

          Enquanto a escola procura saídas, especialmente quanto à forma de ensinar e avaliar, sugerimos a procura de respostas nas evidências de aprendizagens que chegam pelas plataformas, telefonemas e aplicativos. Em um primeiro momento, recorreu-se ao que seria fatalmente equivocado, ou seja, tentar avaliar como antes, quando na verdade nada está sendo parecido com a forma como vivíamos. A avaliação, em tempos de pandemia, requer, ainda mais, que reforcemos os princípios de uma avaliação para as aprendizagens ancorados no diálogo e no pacto da ética que envolva famílias, estudantes e quem mais fizer parte do processo. Muitas escolas optaram por usar telefone, WhatsApp, Telegram,  facebook, instagram, tarefas impressas e e-mail. Todas essas formas são válidas, afinal, na impossibilidade de encontros com os estudantes, procuramos nos apoiar naquilo que ele produz, mesmo que esteja abaixo do esperado, é um momento que nos exige calma e bom senso.

          A autoavaliação, bem esclarecida e negociada, pode ser uma forte aliada nos processos avaliativos neste momento tão peculiar. Embora no ensino presencial ela não seja tão comum, eis uma oportunidade para que seja indutora da avaliação formativa, o que auxiliará no desenvolvimento da autonomia das crianças, jovens e adultos.

AVALIAÇÃO, ESCOLA E ENSINO REMOTO

Erisevelton Silva Lima

          A Pandemia causada pela Covid-19 marcou, de forma indelével, pessoas, organizações e países inteiros em razão dos efeitos devastadores causados pela necessidade do isolamento social. A escola, não por acaso, ainda sofre os impactos desse momento diante da necessidade da interação social que demarca a condição para existência do ato educativo. Sendo assim, a avaliação e todos os sentidos que a cercam foram colocados em dúvida por causa dos desafios que rodeiam a ideia de ensino remoto, mesmo que de forma emergencial.   As antigas perguntas como: o que avaliar, como avaliar e para que avaliar ressurgem com uma roupagem de desconfiança ainda maior que nos tempos ditos normais. Nossa recomendação é que entendamos que o momento exige acolhida, calma e tentativas de contato constantes para que não percamos os vínculos, minimamente, a fim de garantirmos alguma referência e ou nível de interação. O mundo não tem respostas. Crianças, familiares e profissionais estão impactados e assombrados com os rumos cada vez mais incertos das instituições e dos organismos nacionais e internacionais. Além disso, o desemprego, a fome e a morte avizinham-se de todos nós. Não esqueçamos o sentido que a escola sempre impingiu: educar para o futuro. E, neste caso, ele se tornou duvidoso.

          No afã de garantir a dita normalidade, algumas escolas estão esquecendo de explorar o momento, os conteúdos atitudinais e procedimentais que dizem respeito a todos nós. Eles precisam ser explorados, seja por meio da química, física, biologia, matemáticas e de tantas outras áreas que permitem tornar o momento pandêmico objeto de estudo para cada uma delas.

          O currículo acontece quando o estudante empresta a sua vida para o que está aprendendo, diz Tomaz Tadeu da Silva. Não podemos fugir do tema e do assunto que mais nos tem preocupado e despertado interesse, ou seja, a pandemia.

A centralidade da avaliação permanece, a necessidade de avaliar também, a questão talvez resida na compreensão de que noutra forma de ensinar e aprender devamos refazer ou reinventar a forma de avaliar. Se já tínhamos dúvidas e inseguranças quanto ao tema da avaliação, agora não é diferente, todavia, o terreno para a prática da avaliação formativa nunca foi tão fértil e desejado. Cumpre lembrar que a avaliação formativa é a avaliação que se coloca antes, durante e depois do processo de ensino e aprendizagem. Ela encoraja, discute e auxilia os sujeitos da avaliação a desenvolverem sua autonomia e participarem do trajeto formativo. A necessidade de interação não é negada, mas, neste contexto, deve ser alvo de maior sensibilidade e bom senso a fim de que não prejudiquemos quem já está com sérios prejuízos, inclusive existenciais.

As escolas e os docentes estão inseguros e desconfiados, no que tange ao ato de avaliar. Nos relatos abaixo, colhidos nas inúmeras lives realizadas sobre o tema avaliação, percebemos muitas dessas questões:

  1. Sinceramente, não sei o que fazer, ao receber as tarefas percebo que não foi meu aluno que fez, me sinto mal com isso; vou avaliar sabendo que não foi ele que fez? (Professora dos anos iniciais)
  2. A mãe disse que desiste, não quer ajudar mais a criança, eu até entendo, ela não é professora, mas o que eu posso fazer da minha casa para ajudar uma família dessas? Sem a produção de algo eu vou ter que reprovar essa aluna. (Professor dos anos finais)
  3. Estou preocupado, nem dez alunos estão na plataforma, peço para que abram as câmeras para vê-los, para avaliar a participação ao menos, nem isso tenho conseguido. (Professor do Ensino Médio)

O relato (a) se traduz pelo sentimento de insegurança pelo qual a docente afirma, a partir de evidências da sua experiência, que outrem realiza as tarefas pela criança. Temos recomendado para esses casos que seja feito um contato com a família e com o estudante para viabilizar um contrato didático pautado na ética. No ensino remoto outras formas de avaliar são possíveis. Talvez em situações análogas possa se tentar um contato via chamada de vídeo, ou marcar um momento com a criança ao telefone para que o docente obtenha informações e possa dar orientações. De qualquer forma, estamos imersos em situações várias, cujas aprendizagens são novas para todos nós.

          No relato (b), deparamo-nos com essa situação inusitada, todavia, real; muitos pais ficaram desempregados, muitas famílias perderam suas fontes de renda, sem esquecer a quantidade de pessoas que não possui a escolaridade necessária para compreender ou apoiar esses estudantes. Nem sempre recorrer aos órgãos de proteção da criança resolve; a desolação e a falta de perspectivas tomaram conta de muitos e a escola tenta, em meio a tudo isso, inaugurar uma “nova normalidade” sem muito êxito, até então. Quanto ao último caso, as hipóteses são inúmeras, muitos sabem que, ao abrir as câmeras, os pacotes de dados se esvaem com mais pressa, os adolescentes e jovens do ensino médio se valem de outras saídas como aulas no Youtube e outras que os auxiliam com vistas aos vestibulares. Estes estudantes, da última etapa da educação básica, não são adultos, grande maioria, e também estão expostos a tudo que foi dito aos demais quanto à análise do primeiro relato. Sabemos que, por serem mais maduros e mais autônomos, facilitam muitas vezes as interações necessárias com seus mestres e mestras, mas, não quer dizer que tem sido fácil: a escola está em meio a uma tormenta sem igual.

          Enquanto a escola procura saídas, especialmente quanto à forma de ensinar e avaliar, sugerimos a procura de respostas nas evidências de aprendizagens que chegam pelas plataformas, telefonemas e aplicativos. Em um primeiro momento, recorreu-se ao que seria fatalmente equivocado, ou seja, tentar avaliar como antes, quando na verdade nada está sendo parecido com a forma como vivíamos. A avaliação, em tempos de pandemia, requer, ainda mais, que reforcemos os princípios de uma avaliação para as aprendizagens ancorados no diálogo e no pacto da ética que envolva famílias, estudantes e quem mais fizer parte do processo. Muitas escolas optaram por usar telefone, WhatsApp, Telegram,  facebook, instagram, tarefas impressas e e-mail. Todas essas formas são válidas, afinal, na impossibilidade de encontros com os estudantes, procuramos nos apoiar naquilo que ele produz, mesmo que esteja abaixo do esperado, é um momento que nos exige calma e bom senso.

          A autoavaliação, bem esclarecida e negociada, pode ser uma forte aliada nos processos avaliativos neste momento tão peculiar. Embora no ensino presencial ela não seja tão comum, eis uma oportunidade para que seja indutora da avaliação formativa, o que auxiliará no desenvolvimento da autonomia das crianças, jovens e adultos.

 

Livro Diálogos críticos, vol. 3

Por Luiz Carlos de Freitas, em 20/12/2020, no blog do Freitas

Foi publicado mais um volume de Diálogos Críticos – volume 3 – com a organização de Antônio Marcos da Conceição Uchoa; Ivânia Paula Freitas de Souza Sena e Maria Elizabeth Souza Gonçalves. O volume foca a EAD, as atividades remotas e o ensino doméstico. Baixe aqui.

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Luiz Carlos de Freitas | 20/12/2020 às 9:43 AM | Tags: Resistência | Categorias: Assuntos gerais, Links para pesquisas | URL: https://wp.me/p2YYSH-7z5

 

SBPC define tema da próxima reunião anual, sediada pela UFJF

JC Notícias, 16/12/2020

“Todas as ciências são humanas e essenciais à sociedade” é o tema da 73ª Reunião Anual da SBPC, que será realizada pela primeira vez na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais

Pela primeira vez em sua história, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) sediará, em 2021, a Reunião Anual (RA) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Trata-se da 73ª edição do evento, considerado o principal fórum da comunidade científica brasileira. Entre os dias 3 e 6 de dezembro deste ano, a UFJF hospedou uma consulta pública on-line para professores e técnico-administrativos em educação (TAEs) elegerem uma das três temáticas gerais possíveis para o evento, pré-selecionadas pela Comissão Executiva Local da Reunião Anual da SBPC junto à comunidade científica da Universidade.

A votação recebeu um total de 582 respostas e a opção eleita foi “Todas as ciências são humanas: enfrentando os desafios da sociedade”, com aproximadamente 47,4% dos votos. O título vencedor foi submetido à coordenação da SBPC que, por sua vez, sugeriu um pequeno ajuste, ficando definido “Todas as ciências são humanas e essenciais à sociedade”. A consulta pública também apresentou como opções os temas gerais “A dúvida, o método e o rigor: a ciência a serviço da sociedade” e “Ciência em rede e envolvimento social: os desafios da inclusão”. Ambas receberam, respectivamente, cerca de 32,3% e 20,3% dos votos.

A pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da UFJF, Mônica Oliveira, coordenadora da Comissão Executiva Local da RA, informa que a intenção da votação foi mobilizar a comunidade científica e acadêmica da Universidade, fomentando, desde já, a identificação e expectativa em relação ao evento. “As opções de tema foram pensadas da forma mais transversal possível, perpassando por todas as contribuições científicas, para envolver todas as áreas do conhecimento em uma abordagem interdisciplinar.”

“Ficamos muito satisfeitos com a escolha eleita, pois ela reflete muito os atuais embates que a ciência vem enfrentando – e também por sua perspectiva simbólica. Por um lado, o tema questiona o absurdo da exclusão da área das Humanidades das linhas de fomento das agências, uma postura recente assumida por esse governo. E, por outro lado, avança na perspectiva ao recolocar a questão sob outra ótica: todas as ciências são igualmente importantes para o enfrentamento dos desafios da humanidade”, declara Mônica Oliveira.

O pesquisador Luciano Mendes, secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) Minas, parabeniza a escolha. “Foi uma decisão muito sábia porque dizer que todas as ciências são humanas refere-se, simultaneamente, ao debate estabelecido hoje sobre a importância das Humanidades no âmbito da comunidade acadêmico-científica brasileira e mundial; e à dimensão crucial e fundante das próprias ciências, que é o bem estar humano – o que nos leva para o debate sobre as questões éticas, históricas e filosóficas referentes à própria construção do conhecimento científico. Então, ao definir este tema, a UFJF e a SBPC abraçam todas as ciências e dão um exemplo de como é possível sermos diversos e, ao mesmo tempo, inclusivos. Nós, da SBPC Minas, não apenas nos sentimos integrados e contemplados com essa escolha, mas vividamente convidados a participar intensamente da Reunião Anual.”

O pró-reitor adjunto de Pós-graduação e Pesquisa da UFJF, Luís Paulo Barra, cita as nuances que o tema incita sobre a própria história e a construção da ciência. “Apesar do rigor de sua metodologia nos remeter à objetividade, a ciência é realizada por e para seres humanos. O valor dela é, portanto, fruto da complexidade dos indivíduos e de suas múltiplas conexões sociais no meio das quais se desenvolvem, decorrendo de uma evolução temporal e com crescentes possibilidades de modificar o futuro da nossa espécie.”

UFJF

 

Mulheres e meninas mergulhando na ciência e no oceano

JC Notícias – 03/12/2020

Artigo de Camila Signori, professora do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, e Tássia Biazon, pesquisadora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano, para o Jornal da USP

Por que o céu é azul? Qual a origem da vida? Onde o sangue é produzido? Por que o oceano é importante? Perguntas movem o conhecimento. Logo, o progresso da humanidade é, em grande parte, pautado por dúvidas e descobertas. E mesmo que homens e mulheres tenham sede de conhecimento, a maioria das perguntas nem sempre foi formulada ou respondida por qualquer pessoa. Basta refletir quais ou quantas mulheres ganharam o imaginário das pessoas como Albert Einstein e Galileu Galilei, grandes cientistas. São inúmeras as mulheres descobridoras ofuscadas, como a paleontóloga Mary Anning ou a geneticista Nettie Stevens. E mesmo Marie Curie, premiada duas vezes com o Prêmio Nobel, ainda continua desconhecida por muitos!

É crescente o discurso sobre a necessidade de inserir mais mulheres e meninas na ciência, em especial a ciência oceânica, mas pouco se esclarece o principal motivo para isso. A diversidade de gênero aliada à maior pluralidade de formação e experiências gera multiplicidade e criatividade na proposição de perguntas e na solução inovadora de problemas, resultando em maior produtividade dentro e fora da Universidade. Essa diversidade contribui para a inteligência coletiva de um grupo de pesquisa e fornece novos contextos para a compreensão da relevância social da própria pesquisa. Em outras palavras, na fórmula do desenvolvimento, inovação e sucesso na ciência, a diversidade de gênero é elemento fundamental.

Contra diferentes estereótipos e a fim de encontrar respostas para qualquer incógnita em torno do Planeta e do Universo, “Maries” têm ocupado diferentes espaços – para além do ambiente familiar. E se em um passado recente mulheres eram impedidas de estudar, votar ou mesmo trabalhar fora de casa, hoje elas podem explorar as estrelas, vislumbrar através de microscópios, compreender linhas de programação, atingir o espaço ou as maiores profundidades do oceano.

“Maries” são movidas por curiosidade, imaginação e inteligência, além de muita persistência, autoconfiança e amor. Mas também dependem do estímulo da igualdade de gênero e do fortalecimento das mulheres nas áreas científicas – necessidades hoje impostas pela sociedade e por organizações internacionais e nacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Global Research Council e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

No Brasil, as mulheres cientistas correspondem a cerca de 40 a 50% (no contexto mundial, elas representam cerca de 30%, podendo variar com o país e a área científica), com destaque para maior atuação em áreas como Biologia e Medicina. Essa aparente equidade de gênero na ciência brasileira mascara a realidade ainda desigual se considerarmos as diferentes áreas do conhecimento, o avanço na carreira e a ocupação das posições de liderança. Por exemplo, nas Ciências Exatas e da Terra e Engenharias, o desequilíbrio é evidenciado ainda na graduação e se mantém no doutorado, onde a participação feminina oscila em média entre 20 e 30%. Na Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma das mais antigas associações de cientistas no País, dos atuais 563 cientistas titulares, apenas 95 são mulheres.

No universo uspiano, as mulheres graduandas e pós-graduandas superam os homens (> 50%), mas quando passam a docentes ou atingem cargos de gestão (chefias, diretorias, coordenações) correspondem a 39% e 27% do total, respectivamente. Esses números decrescem drasticamente quando se trata do cargo mais alto da Universidade, no qual as mulheres representam 0,28% do total, já que apenas uma ocupou a Reitoria na história da USP.

E se engana quem acha que os desafios são apenas em áreas que envolvem números, como os cursos de computação. A Oceanografia exige um mergulho duplo pelas mulheres, pois envolve algumas peculiaridades como a atividade embarcada, na qual historicamente sempre houve a predominância de homens. Para se ter uma ideia, somente a partir da década de 60 a participação feminina em expedições científicas para coleta de dados passou a ser liberada. Nessa mesma década, Marta Vannucci (professora aposentada da USP), uma das precursoras da Oceanografia no País e a primeira mulher a se tornar membro titular da ABC, ocuparia o cargo de diretoria no IO-USP. No futuro, Marta expôs que conciliar a vida de esposa, mãe e cientista era uma realidade difícil.

Atualmente, na área da Oceanografia, o público feminino representa 38% dos cientistas no mundo. Dentre os alunos de graduação no País, observa-se uma mudança gradual, em que um curso predominantemente masculino foi, aos poucos, atraindo mais mulheres, contando hoje com cerca de 60% dos ingressantes em Oceanografia na USP. Em 2020, Kathy Sullivan, uma ex-astronauta da Nasa foi a primeira pessoa a conhecer as duas grandes fronteiras: as profundezas do oceano e a imensidão do espaço, mostrando que as mulheres podem e devem explorar o que quiserem.

A fim de incentivar e alavancar a inserção de meninas e a retenção de mulheres na ciência, há inúmeras iniciativas e projetos que foram implementados nos últimos anos no Brasil, como, por exemplo: Astrominas (IAG-USP), Maré de Ciência (Unifesp), Meninas com Ciência (UFRJ) Parent in Science (UFRGS), Liga de Iniciação de Mulheres na Ciência (IEMA), Liga das Mulheres pelo Oceano, Bate-Papo com Netuno, além de muitos outros com grande adesão, empatia e sucesso. Uma dessas iniciativas, o Mergulho na Ciência USP (IO-USP), é um trabalho de formiguinha que traz meninas do ensino fundamental para vivenciar a experiência de estar em uma universidade e conhecer dezenas de temas das áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (da sigla em inglês, STEM). Este projeto, coordenado pela professora Camila Negrão Signori, teve o reconhecimento do Programa HeforShe da ONU, ao ser inserido no Impact Report de 2019 como uma das ações de sucesso para combater a desigualdade de gênero.

Aliando-se às iniciativas das universidades, ações igualmente importantes surgem na esfera de sociedades, organizações e agências de fomento à pesquisa. Além de mesas-redondas e palestras, em 2020 houve dois eventos focados nas mulheres cientistas brasileiras, o 1o Simpósio Brasileiro Mulheres em STEM, organizado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), e o 1o Encontro da Pós-Graduação da USP: Elas fazem ciência.

Premiações dedicadas exclusivamente às mulheres, como o Prêmio para Mulheres Brasileiras em Química (da Sociedade Brasileira de Química, Fapesp e empresas) e o Prêmio Caroline Bori Ciência e Mulher (da SBPC), além do tímido aumento de mulheres vencedoras do Prêmio Nobel, com apenas 6% do total de premiados, são iniciativas relevantes para destacar, inspirar e reconhecer a atuação das cientistas.

A criação de editais de fomento à pesquisa e de portarias que regem a Universidade, respectivamente, visando ao desenvolvimento de projetos com liderança feminina e à melhoria das condições de trabalho da mulher pesquisadora e professora são outras importantes estratégias que vêm sendo aos poucos implementadas. Além disso, foi estabelecida uma data oficial (11 de fevereiro) que celebre as mulheres e meninas na ciência, nacional e internacionalmente, assim como a criação da ONU Mulheres na esfera global em 2010 e do Escritório USP Mulheres em 2016, com o objetivo de propor e apoiar iniciativas e projetos voltados à igualdade de gênero.

No âmbito cultural, as iniciativas que contemplam a inserção de exemplos femininos na ciência, como a publicação de livros por grandes editoras, a realização de peças de teatro que mostram a trajetória de mulheres cientistas (Cia. Delas de Teatro) e a criação de personagens cientistas no contexto do Donas da Rua (da famosa Turma da Mônica), alcançam uma outra dimensão, ao mexer com o imaginário de crianças e famílias brasileiras e extrapolar totalmente os muros das universidades.

Sobretudo, a inserção bem-sucedida das mulheres e meninas na ciência é alicerçada pelo apoio e respeito de homens (e mulheres!) em qualquer ambiente, como escolar, universitário e familiar. Afinal, a ciência e todo o universo fascinante que a permeia, como os mistérios do oceano, podem e devem ser desvendados por quem desejar, acreditar e se dedicar.

Jornal da USP