Reflexões sobre a eleição dos gestores escolares

Benigna Villas Boas

Publicado em 31/10/2023

No dia 25/10/2023, as escolas públicas do DF elegeram seus gestores ou os reconduziram ao cargo. O período que antecedeu tal evento foi de avaliação das necessidades das escolas e das condições dos candidatos para assumirem compromisso com a sua coordenação pedagógica e administrativa.

Circulou a informação de que em muitas escolas não houve candidatos à eleição e de que alguns dos atuais diretores seriam candidatos à reeleição. A primeira situação merece reflexão. Como os professores e demais profissionais que atuam nas instituições analisam esse fato? O que provocou seu desinteresse por assumirem a gestão da escola?

Sordi ( 2009, p.4) argumenta que a “escola tem sido vista como mera dependente das decisões do topo do sistema ou dos poderes centrais, cabendo-lhe pouca autonomia na definição de seus próprios caminhos”. É este o caso das escolas públicas do DF? Neste momento cabe à Secretaria de Educação investigar as razões do desinteresse dos professores por assumirem a direção de escolas. Cabe lembrar que o fato de elas elegerem seus gestores não é uma concessão por parte da Secretaria de Educação, mas um direito conquistado pelos docentes. Contudo, isso não basta. Ter diretores eleitos pela comunidade escolar é uma das exigências da gestão democrática do sistema de ensino. O trabalho pedagógico de cada escola não se dissocia dos princípios que norteiam uma sociedade democrática. Por isso, é hora de se investigarem os motivos pelos quais determinadas escolas não apresentaram candidatos à eleição.

Como estudiosa do tema avaliação educacional, neste momento em que as equipes gestoras se renovam, sugiro reflexão sobre as seguintes questões, por todos os que atuam no sistema de ensino: como todas as escolas são inclusivas, quais as singularidades do processo avaliativo nelas praticado, levando em conta os diferentes grupos de estudantes, por exemplo, os da educação de jovens e adultos, da educação infantil, dos anos iniciais e finais do ensino fundamental, ensino médio e outros? Todas as escolas públicas do DF assumem responsabilidade com as aprendizagens de todos os estudantes, inclusive os que apresentam necessidades especiais. A avaliação das/para as aprendizagens é altamente comprometida com as aprendizagens de todos os estudantes. Portanto, quais as especificidades da avaliação das aprendizagens dos diversos grupos de estudantes matriculados na rede pública de ensino?

Os projetos político-pedagógicos das escolas não mencionam tais especificidades. Cada instituição trabalha com estudantes de diferentes níveis, etapas, necessidades e idades. Cada grupo merece participar do processo avaliativo que lhe convém. Como o trabalho pedagógico de cada escola se organiza para isso?

As escolas públicas do DF têm o que há de melhor: todos os professores e demais profissionais da educação formados em nível superior e grande parte com mestrado e doutorado. Importa saber: estes últimos são chamados a oferecer contribuição relacionada ao seu nível de formação?

Todas as unidades de ensino têm o seu projeto político-pedagógico reconstruído a cada ano e publicado no site da Secretaria. Talvez isso não aconteça em outras unidades da federação. Será que os dirigentes da administração central os analisam?  Constituem excelentes meios de o trabalho de cada uma delas tornar-se público e poder ser analisado por quem se interessar. São as famílias informadas dessa possibilidade?

Inquieta-me bastante o fato de muitas escolas não terem tido candidato/a à eleição. Além disso, há informação da existência de  grande número de professores de contrato temporário, o que pode fragilizar o trabalho escolar, porque não costumam nelas permanecer por mais de um ano, o que os leva a não criar vínculos com a instituição.   

Recorro novamente a Sordi (Idem, p. 4), para quem “pensar a escola a partir da própria escola é colocar seus atores em situação de protagonismo, assumir sua condição cidadã de posicionamento no processo decisório que afeta a vida da instituição, dar-lhes fala governante sobre seus processos e contextos”. Na presente situação do DF, está sendo concedida fala aos professores no sentido de escolherem os diretores, mas isso não basta para que assumam protagonismo. O trabalho pedagógico das escolas pede socorro. A análise dos PPPs expõe a fragilidade da avaliação nos seus três níveis (avaliação das aprendizagens, avaliação institucional e avaliação  em larga escala). Além disso, observa-se a necessidade de formação continuada principalmente sobre as singularidades do processo avaliativo em escolas inclusivas.  

Referência

SORDI, Mara Regina Lemes de; SOUZA, Eliana da Silva. A avaliação como instância mediadora da qualidade da escola pública. Campinas, SP: Millenium, 2009.

 

Um terço das crianças de até 5 anos ficam mais de duas horas em telas por dia, aponta pesquisa

JC Notícia – 26/10/2023

Dados foram captados em 13 capitais pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Estudo também mostra que 35% dos pais acham que palmadas e gritos são ‘medidas necessárias para educar’

Um terço das crianças brasileiras de até 5 anos ficam mais de duas horas em telas diariamente, segundo pesquisa realizada em 13 capitais pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Além disso, 35% dos pais ou outros cuidadores acreditam que dar palmadas ou gritar são “medidas necessárias para educá-las”.

O estudo faz parte do projeto Primeira Infância Para Adultos Saudáveis (Pipas) que coletou dados inéditos de crianças entre 0 e 59 meses no País em 2022 e foi divulgado nesta quarta-feira, 25, no 10º Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, em Brasília. A intenção é a de entender o desenvolvimento infantil das crianças brasileiras para nortear políticas públicas.

Veja o texto na íntegra: Estadão

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Observação: os resultados da pesquisa mencionada impactam o trabalho pedagógico da escola. As crianças que já possuem essas experiências desejam participar de atividades interessantes e que as envolvam em sua organização. Além disso, talvez manifestem desinteresse por atividades pedagógicas já consagradas. Trata-se de uma situação que merece reflexão por pais e professores.

 

Como a Inteligência Artificial pode ser usada na educação

JC Notícia – 23/10/2023

Estudiosos da área veem integração da tecnologia como inevitável, mas processo deve ser feito de forma responsável

Desde que chegaram ao grande público em 2022, as inteligências artificiais generativas são apresentadas como uma das maiores revoluções tecnológicas do século 21.

Com a disseminação da tecnologia, educadores e gestores públicos passaram a pensar como usá-la na educação, já que é algo que desperta o interesse dos alunos. Levantamento do Google Brasil de julho mostrou que 30% dos estudantes brasileiros já usaram IAs para alguma tarefa escolar.

Neste texto, o Nexo explica como a inteligência artificial pode ser uma aliada na educação.

Veja o texto na íntegra: Nexo

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Evasão no ensino médio em tempo integral é 32% menor

JC Notícia – 16/10/2023

Taxa de aprovação é 7% maior que entre alunos do modelo regular, mostra estudo

Alunos do ensino médio que estudam em escolas em tempo integral, com jornada média de sete horas por dia, tendem a abandonar menos os estudos. A taxa de evasão escolar desse grupo é 32% menor na comparação com as instituições do ensino médio regular – que desde 2022 aumentaram de quatro para cinco horas a jornada diária. Além disso, a taxa de aprovação dos estudantes também é 7% maior no modelo integral, mostra levantamento do Instituto Sonho Grande, com base nos dados mais recentes do Censo Escolar divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep).

Segundo a diretora-executiva do Instituto Sonho Grande, Ana Paula Pereira, o dado reflete a característica mais vocacional das escolas que oferecem o ensino médio integral. Ao ter mais tempo com os alunos, os professores conseguem ajudá-los melhor a entender o que querem para o futuro e o que precisam fazer para conectar os ensinamentos com seus objetivos.

Leia na íntegra: Valor

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Especialistas pedem cautela em mudança no índice de avaliação da educação básica

JC Notícia – 10/10/2023

Criado em 2007, o Ideb leva em conta dados do Censo Escolar sobre a aprovação nas escolas e o desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para que o poder público crie metas de qualidade educacional

Especialistas da área da educação pediram cautela ao Poder Legislativo em uma possível alteração no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A audiência pública interativa ocorreu na Comissão de Educação (CE), a pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF). O presidente da CE é o senador Flávio Arns (PSB-PR).

Criado em 2007, o Ideb leva em conta dados do Censo Escolar sobre a aprovação nas escolas e o desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para que o poder público crie metas de qualidade educacional. A manutenção da simplicidade de cálculo do indicador foi defendida pelos convidados do debate.

Damares Alves explicou que a comissão vem analisando e debatendo o cumprimento da Meta 7 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, política pública em análise pelo colegiado em 2023. Ela disse que o objetivo do ciclo de audiências públicas é embasar seu relatório final para subsidiar a elaboração do novo PNE.

As metas do PNE são direcionadas à garantia do direito à educação com qualidade, assegurando o acesso, a universalidade do ensino obrigatório e a ampliação das oportunidades educacionais. O plano também tem metas para a redução das desigualdades, a promoção da diversidade, a valorização dos profissionais da educação e a ampliação do investimento no setor.

A Meta 7 do PNE trata do fomento da qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem. Os entes federativos devem se articular, em colaboração, para garantir o alcance das médias e o nível suficiente de aprendizado a todos os estudantes.

Desigualdades

Ernesto Martins Faria, diretor do instituto Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), defendeu que o novo Ideb deve indicar quais aprendizagens serão o foco das ações e monitoramentos. Para ele, o Ideb precisa continuar usando o Saeb, que deve ser revisto para se adequar à Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Segundo o diretor, isso vai ajudar a garantir mais alunos nos níveis adequados de aprendizagem. Ernesto também defendeu que as informações do Ideb sejam usadas para mostrar as “desigualdades educacionais que precisam ser combatidas, como as relacionadas à condição socioeconômica dos estudantes, sua cor/raça, localização, gênero, entre outras”.

— O Ideb deve sinalizar a preocupação da sociedade com uma educação inclusiva e que promova a diversidade — defendeu Ernesto Faria.

O professor da Universidade de Brasília (UnB) Joaquim José Soares Neto, membro da Associação Nacional de Avaliação Educacional, concorda igualmente com a manutenção da simplicidade do Ideb. Segundo ele, a maioria das escolas do país já estão familiarizadas com o indicador e sabem que ele tem como objetivo a melhoria constante da qualidade da educação. Ele também afirmou que as metas do novo PNE “precisam ser alcançáveis” para continuarem mobilizando as escolas.

— Qualquer proposta tem que manter a simplicidade da estrutura do Ideb, não pode mudar de forma brusca — opinou o professor.

Também participaram do debate a senadora Tereza Cristina (União-MT); Fábio Pereira Bravin, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); e o professor Reynaldo Fernandes, da Universidade de São Paulo (USP).

Agência Senado

 

Potência do ‘bê-a-bá’: estudo pós-pandemia mostra que criança tem 2,6 vezes mais chances de sucesso escolar se bem alfabetizada

JC Notícias – 09/10/2023

A probabilidade de um aluno alcançar o nível avançado de proficiência em Língua Portuguesa no 5º ano é de 55% se ele foi alfabetizado no tempo adequado e de apenas 21% se não foi

amuel Alves, de 10 anos, fez o 2º ano do ensino fundamental em 2020, bem no ano da maior crise sanitária dos últimos cem anos. Mineiro de Ubá, acabou não conseguindo — como muitos da sua geração — se alfabetizar plenamente durante a pandemia de Covid-19 e chegou ao 5º ano, em 2023, com dificuldades.

— O professor do Samuel me informou que a leitura dele não era fluente, que faltava compreensão e que havia dificuldade de escrita — contou Aline Ferrer de Oliveira, professora de reforço do menino na Escola Municipal Mere Maria D’Aquino.

Dados de uma pesquisa inédita no Brasil mostram que a dificuldade encontrada por Samuel é compartilhada. O estudo descobriu que crianças bem alfabetizadas até o 2º ano do ensino fundamental têm 2,6 mais chances de atingirem um nível avançado de aprendizagem no 5º ano do ensino fundamental.

Em outras palavras, a probabilidade de um aluno alcançar o nível avançado de proficiência em Língua Portuguesa no 5º ano é de 55% se ele foi alfabetizado no tempo adequado e de apenas 21% se não foi. Em Matemática, essa diferença é, respectivamente, de 40% para o primeiro grupo de estudantes e 15% para o segundo.

O trabalho foi desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes) da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do Ceará, com apoio da Fundação Lemann e do Instituto Natura. Ele conseguiu analisar o desempenho dos mesmos alunos quando estavam no 2º ano e depois no 5º ano do fundamental. A base de dados utilizada é a da rede pública do Ceará, e os resultados foram projetados para nível nacional usando o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Leia na íntegra: O Globo

O Globo não autoriza a reprodução do seu conteúdo na íntegra. No entanto, é possível fazer um cadastro rápido que dá direito a um determinado número de acessos.

 

O GEPA e suas contribuições

Enílvia R. Morato Soares

Imbuído do compromisso de buscar, cada vez mais, aprofundar e produzir conhecimentos acerca da avaliação desenvolvida na e pela escola, o Grupo de Pesquisa em Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA – tem investido esforços em pesquisas científicas que possam contribuir com o debate acerca da temática, e em decorrência, promover avanços na prática educativa.

Considerando que a realidade concreta é sempre o nosso ponto de partida e que essa realidade é histórica e socialmente produzida, importa conhecer as concepções que hoje fundamentam a avaliação idealizada e vivida no dia a dia de nossas escolas, bem como o caminho percorrido para que tais entendimentos se façam presentes.

Nessa perspectiva, optamos, a princípio, por analisar a abordagem da avaliação em livros, desde 1960 até a década atual, trabalho que resultou na obra “Avaliação das Aprendizagens em Livros: de 1960 a 2020”, publicada em 2022.  O entendimento da avaliação em cada um desses períodos possibilitou compreender a relevância da construção de um processo avaliativo comprometido com as aprendizagens de todos os estudantes e de toda a escola, bem como identificar desafios que precisam ser enfrentados a fim de que a “sina classificatória” (VASCONCELOS, 2014) fortemente cultivada ao longo dos tempos possa ser superada.

Contribuir nessa direção apontou a necessidade de tomar como foco o tempo presente, buscando analisar o idealizado por cada escola em relação à organização do trabalho pedagógico, em especial, à avaliação que pretende desenvolver. O planejamento de cada escola constitui norte orientador de suas práticas e, por isso, de grande importância para a percepção do contexto avaliativo que comportam.

A análise dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) de parte significativa das escolas do DF constitui, então, a nova pesquisa iniciada pelo Grupo. Uma amostra representativa do total de escolas foi selecionada e o acesso aos seus PPP realizado por meio do site da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF). Análises criteriosas desses documentos têm sido realizadas, acompanhadas de estudos que possam fundamentá-las.

Projeto, do latim projectum, “é o resultado da reflexão de todos os segmentos no momento em que enjeitam para frente, para fora, o que querem da sociedade planetária, e, também, o que a escola, com cada uma das disciplinas e com cada um dos segmentos envolvidos, tomará como responsabilidade para contribuir na efetivação desse plano, na prática”. (MEURER, 2007, p.90)

O PPP é, portanto, um documento que, para além do atendimento a uma exigência formal, representa o compromisso de todos os segmentos envolvidos com o repensar constante da educação oferecida e a implementação de ações e relações capazes de desencadear mudanças e promover melhorias. Constitui um processo multilateral de responsabilização chamada por Bondioli (2004) de “qualidade negociada”’, que permite definir valores, objetivos, prioridades e ideias sobre a escola que temos e a que queremos, explicitando caminhos rumo à sua construção.

            A avaliação integra todo esse percurso. É ela que impulsiona a própria construção e o acompanhamento sistemático do PPP, garantindo a ele o caráter dinâmico que o mantém vivo e em constante movimento de reconstrução.  É ela que dá lugar, a partir de reflexões autoavaliativas do trabalho realizado, à proposição de novas formas de organização do trabalho pedagógico, incluindo a avaliação praticada em sala de aula e em/por toda a escola. Conhecer o papel ocupado pela avaliação nos PPP do DF propiciará, a nosso ver, uma visão totalizante da realidade concreta de nossas escolas, podendo constituir um valioso contributo rumo à instauração de práticas avaliativas guiadas por intenções formativas.

Referências:

BONDIOLI, A. O Projeto pedagógico da Creche e a sua Avaliação: A Qualidade Negociada. Campinas: Autores Associados, 2004.

MEURER, Ana Carine. A articulação do Projeto Político-Pedagógico da escola de Ensino Médio e do Projeto Político-Pedagógico Social: Perspectivas dos alunos. In.: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Quem Sabe faz a Hora de construir o Projeto Político-Pedagógico. Campinas-SP: Papirus, 2007.

VASCONCELLOS, C.S. Avaliação classificatória e excludente e a inversão fetichizada da função social da escola. In: FERNANDES, C.O. (Org.). Avaliação das aprendizagens: sua relação com o papel social da escola. São Paulo: Cortez, 2014.

 

Crise nos programas de licenciatura

JC Notícias – 02/10/2023

Políticas para melhorar a atratividade da carreira docente e reformular currículos são caminhos para reverter cenário de escassez de professores na educação básica brasileira

Uma medida paliativa vem ocorrendo com frequência cada vez maior em escolas públicas e privadas de todo o país. Muitos estudantes estão finalizando o ano letivo de 2023 sem ter tido aulas de física ou sociologia com professores habilitados para ministrar essas disciplinas. Diante da ausência de candidatos para ocupar as docências, as escolas improvisam e colocam profissionais formados em outras áreas para suprir lacunas no ensino fundamental II e no ensino médio. A medida tem se repetido em diferentes estados e municípios brasileiros, como mostram dados de estudo inédito realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep): em Pernambuco, por exemplo, apenas 32,4% das docências em física no ensino médio são ministradas por licenciados na disciplina, enquanto no Tocantins o valor equivalente para a área de sociologia é de 5,4%. Indicativo da falta de interesse dos jovens em seguir carreira no magistério, o número de concluintes de licenciaturas em áreas específicas passou de 123 mil em 2010 para 111 mil em 2021. Esse conjunto de dados indica que o país vivencia um quadro de apagão de professores. Para reverter esse cenário, pesquisadores defendem a urgência da criação de políticas de valorização da carreira docente e a adoção de reformulações curriculares.

“O apagão das licenciaturas é uma realidade que nos preocupa”, afirma Marcia Serra Ferreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora de Formação de Professores da Educação Básica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). As licenciaturas em áreas específicas são cursos superiores que habilitam os concluintes a dar aulas nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio na área do conhecimento em que se formaram. Dados do último Censo da Educação Superior do Inep, autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), divulgados no ano passado, mostram que desde 2014 a quantidade de ingressantes em licenciaturas presenciais está caindo, assim como ocorre em cursos a distância desde 2021. “As áreas mais preocupantes são as de ciências sociais, música, filosofia e artes, que apresentaram as menores quantidades de matrículas em 2021, e as de física, matemática e química, que registraram as maiores taxas de desistência acumulada na última década”, assinala Ferreira.

Dados do Inep disponíveis no Painel de Monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE) indicam que, em 2022, cerca de 59,9% das docências do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e de 67,6% daquelas oferecidas no ensino médio eram ministradas por professores qualificados na área do conhecimento. Ao analisar os números, o pedagogo e professor de educação física Marcos Neira, pró-reitor adjunto de Graduação da Universidade de São Paulo (USP), comenta que a situação é diferente em cada área do conhecimento. “Por um lado, a média nacional mostra que 85% dos docentes de educação física são licenciados na disciplina, enquanto os percentuais equivalentes para sociologia e línguas estrangeiras são de 40% e 46%, respectivamente. Ou seja, os problemas podem ser maiores ou menores conforme a área do conhecimento e também são diferentes em cada estado”, destaca Neira, que atualmente desenvolve pesquisa com financiamento da FAPESP sobre reorientações curriculares na disciplina de educação física.

A falta de formação adequada do professor pode causar impactos no processo de aprendizagem dos alunos, conforme identificou Matheus Monteiro Nascimento, físico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em pesquisa realizada em 2018. De acordo com o pesquisador, na ausência de docentes licenciados em física, quem acaba oferecendo a disciplina nas escolas, geralmente, são profissionais da área de matemática. “Com isso, observamos que a abordagem da disciplina tende a privilegiar o formalismo matemático”, comenta. Ou seja, no lugar de tratar de conhecimentos de mecânica, eletricidade e magnetismo por meio de abordagens fenomenológicas, conceituais e experimentais, os professores acabam trabalhando os assuntos em sala de aula apenas através de operações matemáticas e equações sem relação direta com a realidade do aluno. “O formalismo matemático é, justamente, o elemento da disciplina de física que mais prejudica o interesse de estudantes por essa área do conhecimento”, considera Nascimento.

Preocupados em mensurar se as defasagens poderiam ser sanadas com a contratação de profissionais formados em licenciaturas no Brasil nos últimos anos, pesquisadores do Inep realizaram, em setembro, estudo no qual olharam para as carências de escolas públicas e privadas nos anos finais do ensino fundamental e médio. “Se todos os licenciados de 2010 a 2021 ministrassem aulas na disciplina em que se formaram nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio em 2022, ainda assim o país teria dificuldades para suprir a demanda por docentes de artes em 15 estados, física em cinco, sociologia em três, matemática, língua portuguesa, língua estrangeira e geografia em um”, contabiliza Alvana Bof, uma das autoras da pesquisa. Além disso, o estudo avaliou se a quantidade de licenciados de 2019 a 2021 seria suficiente para suprir todas as docências que, em 2022, estavam sendo oferecidas por professores sem formação adequada. Foi constatado que faltariam docentes de artes em 18 estados, física em 16 estados, língua estrangeira em 15, filosofia e sociologia em 11, matemática em 10, biologia, ciências e geografia em 8, língua portuguesa em 5, história e química em 2 e educação física em um estado. “Os resultados indicam que já vivemos um apagão de professores em diferentes estados e disciplinas”, reitera Bof, licenciada em letras e com doutorado em educação.

Outro autor do trabalho, o sociólogo do Inep Luiz Carlos Zalaf Caseiro esclarece que o cenário de falta de professores não está relacionado com falta de vagas em cursos de licenciaturas. “Em 2021, o país teve 2,8 milhões de vagas disponíveis, das quais somente 300 mil foram preenchidas. Isso significa que 2,5 milhões de vagas ficaram ociosas, sendo grande parte no setor privado e na modalidade de ensino a distância”, relata. Licenciaturas oferecidas no ensino público, na modalidade presencial, também tiveram quantidade significativa de vagas ociosas. “De 2014 a 2019, a taxa de ociosidade de licenciaturas em instituições públicas foi de cerca de 20%, enquanto em 2021 esse percentual subiu para 33%”, informa. Cursos como o de matemática apresentaram situação ainda mais alarmante. “Licenciaturas de matemática em instituições públicas no formato presencial registraram 38% de vagas ociosas em 2021”, destaca Caseiro, comentando que muitas vagas, mesmo quando preenchidas, logo são abandonadas. Além disso, segundo o sociólogo, somente um terço dos estudantes que finalizam as licenciaturas vai atuar na docência; o restante opta por outros caminhos profissionais. O estudo foi desenvolvido a partir do cruzamento de dados relativos a docentes presentes no Censo da Educação Básica e referentes a ingressantes e concluintes em licenciaturas captados pelo Censo da Educação Superior. Ambas as pesquisas são realizadas anualmente pelo Inep para analisar a situação de instituições, alunos e docentes da educação básica e do ensino superior.

Os cursos de licenciatura enfrentam, ainda, o desafio de atualizar seus currículos. Tomando como exemplo a área de física, Marcelo Alves Barros, físico da USP de São Carlos, explica que os licenciados na disciplina, tradicionalmente, recebem formação pautada em uma abordagem com pouca conexão com outras disciplinas e a realidade do estudante da educação básica. Essa forma tradicional de pensar o conteúdo de física e ministrá-lo em sala de aula, conforme Barros, difere de diretrizes estabelecidas por documentos oficiais, entre eles a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio. Homologada em 2018, a BNCC dessa etapa de ensino determina que os currículos escolares devam deixar de ser organizados conforme disciplinas para passarem a funcionar por meio de áreas do conhecimento. Com isso, aulas de física, por exemplo, poderiam ser integradas à grande área de ciências da natureza e suas tecnologias que abarca, também, conteúdos de química e biologia. “Apesar da proposta interdisciplinar ser aspecto positivo da BNCC, a maioria dos professores de física do país não está preparada para atuar com esse viés nas escolas”, avalia Barros.

Na perspectiva do pesquisador, o novo ensino médio – criado pela Lei nº 13.415, em 2017, prevendo a flexibilização da grade curricular por meio da oferta dos chamados itinerários formativos (ver Pesquisa FAPESP nº 316) – traz desafios à formação tradicional de graduados em física. Isso porque os professores licenciados na disciplina não são preparados para ministrar aulas alinhadas com as propostas do novo ensino médio. “O descompasso entre o currículo atual do ensino médio e os conhecimentos do professor prejudica o processo de aprendizagem dos estudantes. Mais tarde, as deficiências no ensino de física na educação básica contribuem para que o jovem não queira cursar licenciatura nessa área do conhecimento”, relaciona. Segundo Barros, o caso do Instituto de Física da USP de São Carlos constitui exceção, na medida em que desde a década de 1990 os alunos da licenciatura recebem formação interdisciplinar, concluindo o curso aptos para lecionar aulas de ciência, física, química e matemática tanto para turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental como para o ensino médio. Seguindo esse modelo, o pesquisador sustenta que currículos das licenciaturas em física devam ser reformados para aproximar a disciplina dos avanços da ciência moderna, tratando de temas atuais de mecânica quântica, relatividade e astrofísica e buscando desenvolver metodologias inovadoras de ensino. “Para que essa abordagem possa ser aplicada em sala de aula, um ponto-chave são as escolas contarem com laboratórios de atividades experimentais, que podem ajudar a conquistar o interesse de alunos”, aponta Barros, integrante de projeto financiado pela FAPESP voltado à busca por estratégias de renovação do ensino de ciência.

A BNCC e a reforma do ensino médio também trouxeram desafios para as licenciaturas em história, assegura Marieta de Moraes Ferreira, historiadora da UFRJ. “As novas diretrizes enxugaram os conteúdos específicos de áreas como sociologia, história e filosofia que devem ser ministrados na educação básica, em prol de uma abordagem interdisciplinar. Porém os professores não foram preparados para atuar com essas mudanças”, enfatiza Ferreira. Ela recorda que as primeiras graduações nessa área do conhecimento foram criadas no Brasil nos anos 1930 com foco na formação de professores. Mais tarde, na década de 1970, com a expansão de programas de pós-graduação, as instituições de ensino passaram a valorizar atividades de pesquisa nessa disciplina, de forma que a preocupação em formar alunos para o magistério ficou em segundo plano. O debate sobre o ensino de história voltou à cena nos anos 2000, quando as instituições passaram a diferenciar quem queria ser licenciado e dar aulas de quem se graduaria como bacharel para atuar como pesquisador. “Não concordo com essa divisão e penso que não dá para ser professor sem saber pesquisar. Para formar melhores docentes, as licenciaturas deveriam articular atividades de ensino com pesquisas focadas em questões suscitadas pelo ambiente escolar”, propõe.

Ao refletir sobre a BNCC, o matemático Jorge Herbert Soares de Lira, da Universidade Federal do Ceará (UFC), concorda que a nova base curricular pode trazer melhorias aos processos de ensino e aprendizagem, mas as mudanças precisam ser trabalhadas com alunos formados nas licenciaturas. Lira, que também é cientista-chefe da Secretaria de Educação (Seduc) daquele estado, considera que, no caso da matemática, é preciso incentivar a integração entre o enfoque aprofundado no conteúdo e estratégias de ensino. Na última edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) para analisar o desempenho de estudantes nas áreas de matemática, ciências e leitura, o Brasil ficou entre os 10 países do mundo com pior desempenho em matemática.

Em 2018, para entender as razões pelas quais o desempenho dos alunos em matemática não progredia ou até recuava a partir de seu ingresso no ensino fundamental II, um grupo de pesquisadores da UFC liderados por Lira realizou um levantamento em parceria com a Seduc. “Diretores e coordenadores se perguntavam por que na virada do fundamental I para o II o desempenho matemático dos alunos não avançava tanto quanto em outras áreas”, conta. “Então, resolvemos investigar a fundo a origem desse problema.” Foram analisados dados históricos de estudantes da rede pública do Ceará do ensino fundamental até o final do ensino médio, mapeando curvas de aprendizagem e detectando os gargalos que começavam de forma massiva na passagem do ensino fundamental I para o II. Em paralelo, desenvolveram análise para avaliar o conhecimento pedagógico de professores, identificando a existência de lacunas envolvendo conceitos básicos que são trabalhados desde os anos iniciais do ensino fundamental, entre eles frações, leitura de gráficos e tabelas, o sistema de numeração decimal e as operações aritméticas. “Os docentes têm lacunas na compreensão profunda dessa matemática básica e em habilidades complexas próprias do ensino de conceitos fundantes ministrados nos primeiros anos da educação básica, que são retomados em toda a trajetória curricular. Assim, não estavam preparados para ensinar os alunos a utilizá-los em abordagens mais complexas, que começam a partir do 6º ano”, comenta Lira.

A partir desse diagnóstico, a Seduc passou a promover avaliações periódicas para identificar os conteúdos nos quais os estudantes não progridem. Conforme os resultados das análises, a secretaria realiza processos formativos aos docentes com vistas a melhorar seu preparo para abordar os tópicos mais estruturais do currículo. “Nesses treinamentos, mostramos aos professores como retomar conhecimentos básicos e alinhá-los com competências complexas, por meio de estratégias pedagógicas nas quais os alunos são expostos a problemas em contextos cotidianos, científicos e sócio-econômicos”, conta o pesquisador, cujo projeto é financiado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). Para Lira, aproximar estudantes do conhecimento matemático durante a educação básica é uma forma de ampliar seu interesse por lecionar a disciplina no futuro.

Para evitar os problemas identificados por Lira no Ceará e resolver outros mapeados em São Paulo, Neira propõe atualizar os 28 programas de licenciatura da USP. O pró-reitor conta que a instituição desenvolve ações para apoiar coordenadores de cursos na reformulação de currículos. “Queremos oferecer graduações com viés integrativo, abandonando a ideia de que a formação do bacharel deva ocorrer de forma separada daquela oferecida ao licenciado”, resume. A USP estuda uma parceria com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para oferecer estágios remunerados em escolas públicas a alunos de licenciaturas.

Os pesquisadores defendem que as licenciaturas precisam se renovar para oferecer formações sólidas tanto no conteúdo da área do conhecimento como em questões de caráter prático e didático, preparando os alunos para saber como ensinar. “Em todas as áreas do conhecimento, alunos de licenciaturas devem ter formação nas disciplinas específicas da educação, como políticas educacionais, teorias curriculares, planejamento e avaliação, gestão escolar e organização do trabalho pedagógico”, resume a pedagoga Márcia Aparecida Jacomini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo a pesquisadora, hoje, muitos cursos de licenciatura ainda enfatizam o ensino da disciplina em si, deixando de lado aspectos práticos e metodológicos fundamentais para o sucesso do processo de aprendizagem.

Projetos

  1. A educação física no contexto do novo ensino médio: Traduções e potencialidades (nº 22/06919-5); Modalidade Programa Ensino Público; Pesquisador responsável Marcos Garcia Neira (USP); Investimento R$ 241.790,97.
  2. Estudo de implementação de inovações curriculares, estratégias pedagógicas e tecnologias emergentes para qualidade-equidade na educação básica (nº 22/06977-5); Pesquisador responsável Mauricio Pietrocola Pinto de Oliveira (USP); Modalidade Projeto Temático; Investimento R$ 1.111.669,40.
  3. Mudanças curriculares e melhoria do ensino público (nº 21/11390-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Márcia Aparecida Jacomini (Unifesp); Investimento R$ 555.785,29.

Artigos científicos

BOF, A. M. et al. Carência de professores na educação básica: Risco de apagão? Cadernos de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais. v. 9. Brasília: Inep. 2023, No prelo.

NASCIMENTO, M. M. O professor de física na escola pública estadual brasileira: Desigualdades reveladas pelo Censo escolar de 2018. Revista Brasileira de Ensino de Física. 42: SciELO Brasil. 2020.

Livro

FERREIRA, M. M. A história como ofício. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2013.

Relatório

Censo da Educação Superior 2021. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Brasília: Ministério da Educação, 2022.

Pesquisa Fapesp

 

Caldart-sobre-as-tarefas-educativas-da-escola

Publicado em 01/10/2023 por Luiz Carlos de Freitas, no blog do Freitas

A editora Expressão Popular acaba de lançar o esperado livro de Roseli Salete Caldart: Sobre as tarefas educativas da escola e a atualidade.

Acesse aqui.

“Este livro reúne rigor teórico e reflexão prática para nos ajudar a pensar quais são as tarefas educativas básicas da escola frente aos desafios postos à formação das crianças e jovens na atualidade. Formação humana integral, multilateral e voltada ao seu desenvolvimento emancipatório mais pleno.

Ao mesmo tempo que oferece uma estratégia que abrange forma e conteúdo escolar, ele não obriga a implementação completa de toda a formulação. Sua constante advertência de que o plano de estudos da escola deve abrir-se criticamente para a própria realidade da vida permite tomar dessa estratégia abrangente aquilo que a comunidade escolar julgue possível realizar em um determinado momento.

O livro também é escrito em conexão com a nossa atualidade, em um momento em que se agrava a crise do capital colocando, com suas guerras e pandemias, o futuro da humanidade em risco. A face neoliberal prepara a opção fascista. Como explicita a autora ao longo do livro, as escolas são um dos locais que esses movimentos procuram aprisionar e controlar por meio da formulação de finalidades educativas que colocam a organização, o conteúdo e até mesmo a própria formação do magistério a serviço de tarefas alinhadas com a perpetuação da lógica nefasta do capital. É uma obra imprescindível para docentes e dirigentes das escolas públicas. Também, uma leitura indispensável nas diferentes licenciaturas e cursos de pós-graduação em educação. Um livro que reafirma o horizonte a partir do qual faz todo sentido continuar trabalhando com educação.”