Rose Meire da Silva e Oliveira
Atualmente, o que tem mais valor para a sociedade: o dinheiro pago como reparação de um mal causado a um estudante em formação ou a certeza da garantia do respeito ético e moral para com ele? Essa foi a pergunta que me fiz ao ler a chamada da reportagem “Justiça determina que GDF pague indenização de R$ 15 mil para aluno obrigado a ficar descalço por vice-diretor de escola pública”, publicada em 15/07/202, pelo G1-DF.
Claro que os danos morais devem ser reparados, mas a indenização, independentemente do valor a ser pago, não dissipará as marcas emocionais e psicológicas deixadas no estudante pela humilhação sofrida. O fato de um profissional da educação, à época gestor de uma escola pública, julgar e punir a atitude de um estudante por brincar com os chinelos na mão durante o intervalo das aulas e fazê-lo retornar à sala de aula descalço é, no mínimo, uma ação constrangedora e abusiva. Até mesmo porque ele não considerou que, durante momentos de descontração e de liberdade, muitas crianças brincam em suas casas dessa forma. Outro aspecto que poderia justificar a atitude do estudante seria o de evitar que sua sandália arrebentasse durante a brincadeira e, por isso, tenha optado por ficar descalço.
O fato de o vice-diretor querer impor disciplina desse modo, pela punição, mostra o lado obscuro da avaliação informal que conduz a constrangimentos e humilhações públicas, contrariando os princípios éticos e basilares do ato educativo e, pedagogicamente, a concepção da avaliação formativa prevista nos documentos da Secretaria da Educação do Distrito Federal.
Villas Boas (2004), ao se referir à prática avaliativa realizada em sala de aula e no âmbito escolar, acentua a importância de “analisar a repercussão da avaliação adotada na trajetória escolar e de vida dos alunos” (p. 89), apontando a necessidade de se avaliar com ética e com competência, tendo como premissa o respeito ao estudante como pessoa e às suas produções. Fundamentalmente, a autora considera que a avaliação comprometida com as aprendizagens dos estudantes beneficia não somente a eles mas a sociedade, pois “Alunos educados contribuem para a constituição de sociedade mais humana e justa” (p. 90).
A prática avaliativa informal, realizada por meio de palavras pejorativas, rótulos, ironias, risos, bulling, atitudes coercitivas e situações constrangedoras em espaços públicos e escolares, como ocorreu com o estudante e viralizado nas redes sociais por meio de vídeo gravado, não corresponde ao contexto de aprendizagem no qual o diálogo, a escuta sensível, a acolhida ou mesmo a comunicação não violenta – CNV (ROSENBERG, 2006) precisam ser praticados. Na CNV, o primeiro aspecto a ser considerado é observar sem avaliar para posterior expressão dos sentimentos (Idem).
Nesse sentido, caberia ao gestor primeiramente observar o ocorrido, para depois conversar com o estudante reservadamente para saber os motivos que o levaram a não utilizar o calçado. Essa atitude, além de ser coerente com a função de um gestor educacional e com a avaliação formativa, promoveria a empatia, ou seja, a escuta sem julgamento, necessária em situações conflituosas.
“O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (FREIRE, 1996, p. 66). Esta afirmação ratifica que a prática educativa inclusiva prima por uma avaliação humanizada, respeitando a forma de ser do estudante e a sua autonomia, quando as aprendizagens são construídas com e por ele ao longo de todo o seu processo de formação, em busca de soluções benéficas para todos.
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Tradução: Mário Vilela. São Paulo: Ágora, 2006.
VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. Portfólio, avaliação e trabalho pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2004.