Diálogos sobre avaliação para as aprendizagens

Vânia Leila Nogueira

Mestre em Educação

Integrante do Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico

GEPA

Em pleno novembro de 2021 muitas escolas buscam argumentos e orientações sobre como sensibilizar professores para o Conselho de Classe do quarto bimestre. Durante a pandemia, o GEPA – Grupo de Pesquisa em Avaliação e Organização do Trabalho pedagógico, por meio de todos os seus integrantes estiveram e estão engajados no sentido de conversar com os professores, bem como refletir sobre a avaliação para as aprendizagens.

Em recente conversa com professores em novembro de 2021, das muitas realidades nos dois anos de pandemia ficam algumas preocupações que pairam no cotidiano escolar. Entre elas:

  • A preocupação sobre a autoria das atividades
  • O número de atividades não realizadas
  • O engajamento das famílias
  • Interação docente / discente
  • O que e como relatar?
  • Orientações claras sobre a escrituração escolar

 É fundamental compreender o momento como a possibilidade de historicizar um processo educativo referenciado nas evidências de aprendizagem.  É possível identificar elementos do ensino remoto para registrar o que ainda não foi consolidado como aprendizagem, e assim garantir informações e dados para planejar e buscar um currículo de transição que promova o direito de aprendizagem. Vale ressaltar a avaliação educacional como prática de investigação para pensarmos intervenções qualificadas para atender os inúmeros cenários vivenciados pelas crianças e suas famílias no contexto pandêmico.

Tudo o que foi registrado e vivenciado constitui a possibilidade de um fazer coletivo para redesenhar e ressignificar práticas exitosas, que possam colaborar na busca do que ainda não foi construído na aprendizagem dos estudantes.

O diálogo sobre a avaliação das aprendizagens precisa estar latente nas conversas sobre o desenvolvimento acadêmico dos estudantes, pois a instância do Conselho de Classe carece de um olhar pedagógico claro de todos os envolvidos, uma escuta sensível sobre cada estudante, bem como a consciência das fragilidades vivenciadas na pandemia. A responsabilidade ética sobre as demandas de 2022 recai sobre todos nós como sociedade que acredita na qualidade social das aprendizagens.

 

JC Notícias – 26/11/2021

Reflexões sobre a linguagem científica na comunidade escolar

“Linguagem é poder, uma vez que todo pensamento e ação se dão por meio dela, quer seja na educação, no campo social, no econômico, no cultural e, principalmente, nas políticas públicas de educação”, enfatiza Sahda Marta Ide, professora aposentada da Faculdade de Educação (FE) da USP

A necessidade de comunicação para expressar sentimentos e pensamentos surgiu quando o ser humano reconheceu o outro como um ser sensível e, para isto, foi necessário desenvolver a linguagem, tornando a mesma a chave da comunicação humana e o maior instrumento do pensamento. São diferentes e variam de língua para língua, de cultura, de sexo, de profissão, entre outras.

Cada indivíduo vê o referente de uma determinada maneira. É uma estrutura organizada por meio de um sistema de signos linguísticos que podem ser combinados entre si, sendo concretizada pela fala e escrita. A primeira é ato individual e é utilizada de forma coloquial e formal. Coloquial, abrange a comunicação linguística em toda sua totalidade, vindo sempre acompanhada de voz, às vezes de mímicas, fisionomias, entre outras. A formal, em situações cultas, com cuidado no vocabulário e obediência às regras gramaticais.

Na linguagem há uma norma instalada, ou seja, há um sistema linguístico, um sistema cultural e um sistema social, que são interdependentes e têm uma relação dialética conservação mudança. O linguístico muda o cultural e social e vice-versa e ambos modificam o linguístico. Logo, há fatores culturais, contextuais, profissionais e regionais que interferem o tempo todo na linguagem, quer oral, quer escrita.

A linguagem verbal tem função utilitária e científica. A primeira é uma linguagem como instrumento de mensagem e pode ser muito diversificada, como os textos jornalísticos, religiosos, comerciais, empresariais, informáticos, virtuais (como a linguagem das redes sociais) entre outros. A científica se caracteriza pelo rigoroso emprego das denotações, ou seja, uso exato do termo, ordem direta das palavras nas orações, nos períodos, portanto uma linguagem escrita, precisa, objetiva, concisa. Para compreendê-la é necessário um conhecimento científico, não só ao que se refere ao vocabulário, mas também ao conhecimento dos conceitos científicos, estando consciente que o seu uso pode alterar as atitudes e métodos. Para compreendê-la, necessita-se da ajuda dos especialistas, pois o seu significado se restringe somente como se define na ciência.

A linguagem científica, entretanto, é pouco explorada pelos professores de educação básica e especial, pois os obriga a ter conhecimentos científicos não contemplados na sua formação profissional, desconsiderando que ela acompanha todo o processo de ensino-aprendizagem e interfere em ambos os processos. Para compreendê-la, é importante que tenham conhecimentos elementares e gerais da ciência Linguística, uma vez que nela se analisam as mudanças de sentido que ocorrem na língua (sistema) devido a fatores como o tempo, espaço geográfico, bem como na relação dos signos linguísticos e de seus diferentes significados, quando utilizados em diferentes contextos, não só ao que se refere ao vocabulário, mas também — e principalmente — na compreensão da linguagem científica, uma vez que ela tem estrutura própria, regras, exceções, que provocam dificuldades na compreensão de sua terminologia.

O signo linguístico se compõe de duas faces básicas: significante e significado. O primeiro é suporte de conceito e o segundo é o conceito, tendo uma relação de dependência, ou seja, um significante só o é em relação a um significado e vice-versa, quando inserido num contexto linguístico. Caso mude o contexto linguístico, o significado deste significante pode mudar. São os casos dos signos linguísticos: transtorno, dificuldade, distúrbios, problemas (significantes), entre outros, os quais apresentam diferença de conceito (significado) no seu uso na linguagem do cotidiano e na linguagem científica. Por exemplo:

  • João tem muitos “transtornos”, “problemas”, “distúrbios” na sua vida familiar.
    • João tem muitos “transtornos”, “distúrbios”, “problemas” na sua vida escolar.

No primeiro exemplo, os signos linguísticos são usados na linguagem do cotidiano. Já no segundo, pertencem à linguagem científica, uma vez que podem estar relacionados a problemas de aprendizagem, quer seja devido a problemas orgânico-sociais, quer seja pelo mau ensino-aprendizagem.

Nos contextos do cotidiano, esses signos acima não causam problemas e podem ter muitos significados quando inseridos nos contextos jornalísticos, religiosos, comerciais, empresariais, dentre outros. Não provocam nenhuma interpretação inadequada que cause prejuízos de comunicações graves, pois estão mais relacionados aos significados da linguagem do cotidiano. São abrangentes, e a sociedade os utiliza com diversas variações de significados. São partilhados por uma grande parte do grupo social.

Entretanto, ao serem utilizados no contexto escolar pertencem à linguagem científica e causam danos, na maioria das vezes irreversíveis, ao estudante, uma vez que não estão relacionados somente aos problemas neurológicos, mas também como consequência deles, ou, ainda, somente relacionados a fatores ambientais, sociais, econômicos, familiares, problemas do ensino, que levam, muitas vezes, os professores a considerarem essas crianças como problemáticas, mal-educadas e imaturas.

Pode-se concluir que ensinar “mal” é uma problemática que contorna a ênfase do desconhecimento do professor sobre a diferença entre o significado da linguagem científica e do cotidiano dos signos linguísticos: transtornos, distúrbios, dificuldades, problemas, atrasos, entre outros. É necessário que o docente seja bem capacitado, que saiba ler e interpretar os textos científicos adequadamente, bem como escrever corretamente os problemas de aprendizagem com explicações mais contextualizadas e sem “diagnosticar”.

Para o professor conseguir entender bem os diagnósticos efetuados pelas equipes multidisciplinares, é necessário que ele tenha noções elementares de linguística, o que o fará distinguir entre os signos linguísticos — como transtorno, distúrbios, dificuldades, problemas, atrasos, entre outros — quando pertencem à linguagem científica e quando pertencem à linguagem do cotidiano e, assim, entender e questionar suas dúvidas, recebendo ajuda e esclarecimentos necessários para o ensino adequado às dificuldades apresentadas pelos estudantes.

O docente é agente ativo e facilitador da aprendizagem. Suas ideias e conhecimentos devem ser levados em conta, mesmo aqueles adquiridos ao longo de sua vida, mesmo antes de se formar. Entretanto, na maioria das vezes, não há ênfase no espírito crítico e de pesquisa na sua formação. Não há lugar a questionamentos mais profundos de suas atitudes profissionais, em sua preparação acadêmica, que, muitas vezes, é deficitária. A sociedade e o Estado brasileiros lhes diminuem os estímulos e as possibilidades de executar sua tarefa de forma digna. A situação financeira dos professores é caótica (salários baixos), o que os impede de exercer sua profissão de forma pensante e crítica em relação ao ensino-aprendizagem de seus alunos. Estão desamparados e, muitas vezes, em desarmonia com as famílias dos alunos.

Professor e família devem ser parceiros e estar juntos, buscando subsídios para que o estudante se sinta acolhido. Porém, na maioria das vezes, as famílias dessas crianças e adolescentes pertencem a classes socioeconômicas desfavorecidas. Há fatores graves que obrigam as famílias a viver em condições precárias, que as impossibilitam de ter uma participação efetiva e afetiva na educação de seus filhos. Esta situação provoca prejuízos intelectuais, especialmente quando ocorrem na primeira infância, ocasionados pela miséria material, doença mental ou física em um ou nos dois pais, baixo nível educacional dos pais, exposição a maus tratos de natureza física e moral, institucionalização em orfanatos mal administrados, entre outros, provocando péssimo autoconceito, desmotivação, fracasso e evasão.

É crescente o número de alunos com dificuldade de aprendizagem escolar, muitos deles se desinteressam, aliados pela desmotivação, e desenvolvem baixa autoestima, evadem-se ou são reprovados e abandonam a escola por demonstrarem dificuldades em adquirir o conhecimento de determinadas matérias, principalmente as relacionadas à leitura e escrita.

Este contexto dramático da educação no Brasil é histórico. Sempre foi marcado por fatores econômicos, políticos, sociais e culturais que refletem uma perspectiva de segregação e de privilégios desde o período da colonização brasileira, o que torna o ensino seletivo, excludente, acarretando problemas graves e que ainda persistem na sociedade atual.

Jornal Nacional anunciou, na edição de 15 de julho de 2020: “O abandono escolar é uma realidade bem conhecida de milhões de brasileiros e a pesquisa do IBGE registrou, pela primeira vez em números, que dos 50 milhões de pessoas com idades entre 14 e 29 anos, dez milhões, ou seja, 20% delas, não tinham terminado alguma das etapas da educação brasileira […] a grande maioria é de negros e pardos. O principal motivo: necessidade de trabalhar, falta de interesse. Entre as mulheres, a gravidez e as tarefas domésticas”.

Dia 14 de novembro é o Dia Nacional de Alfabetização e, segundo matéria publicada no Jornal USP, “as escolas brasileiras ainda formam analfabetos funcionais. […] Com pouco a comemorar, diante dos 29% da população que ainda possuem dificuldades para interpretar e aplicar textos e realizar operações matemáticas simples no cotidiano. O dado é do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado em 2018, que classifica como analfabetos funcionais os brasileiros que encontram barreiras em suas vidas como cidadãos, incluindo o mercado de trabalho”.

Pode-se incluir, também, que os analfabetos funcionais o são por terem sido mal alfabetizados, ou seja, não compreendem o que leem e não conseguem falar e escrever com clareza e significado seus pensamentos e ações. Portanto, não têm comunicação social.

O simples conhecimento linguístico de diferenciar o significante do significado nos contextos escolares entre a linguagem científica do cotidiano, quando se referem a transtornos, distúrbios, dificuldades, problemas, atrasos, entre outros, evitará graves problemas no ensino-aprendizagem das crianças e adolescentes brasileiros. Caso contrário, ocasionará erros não só na interpretação, que leva a posturas profissionais inadequadas no ensino, inclusive “patologizando” sem necessidade. Na maioria das vezes, estas dificuldades são reversíveis, quando há um ensino adequado e diferenciado necessário a cada caso. O planejamento conjunto entre professores e investigadores de estratégias educacionais são ferramentas fundamentais, que podem ser usadas na sala de aula para promover a aprendizagem. Devem ser enfatizadas por aqueles que se preocupam com a necessidade de ligar teoria e prática na formação dos professores, quer no ensino fundamental, quer no universitário.

Quem concretiza a prática pedagógica é o professor. Seu papel é decisivo no processo educativo, pois o ensino, em última instância, depende dele, uma vez que é o mediador entre o aluno e a busca do conhecimento, porém não se limita somente à matéria que vai ensinar, mas também às necessidades dos alunos e à situação em que se desenvolve a aprendizagem. Um professor bem esclarecido linguisticamente saberá diferenciar a linguagem científica da cotidiana e não utilizar a linguagem científica inadequadamente, e também terá condições de informar e orientar a família do educando, quando este apresentar algum “problema” na aprendizagem.

Linguagem é poder, uma vez que todo pensamento e ação se dão por meio dela, quer seja na educação, no campo social, no econômico, no cultural e, principalmente, nas políticas públicas de educação que, atualmente, estão sendo regidas por um ministro da Educação que diz que “pessoas com deficiências atrapalham”. Esta discriminação ocorre, principalmente, nas crianças de classes sociais desfavorecidas, de extrema pobreza, que apresentam “dificuldades de aprendizagem”, pela falta de estimulação e abandono social e familiar.

Para terminar, um aviso para o atual ministro da Educação brasileira: todos somos potencialmente deficientes. A qualquer momento podemos ter alguma deficiência física (surdez, cegueira) ou mental, ocasionada por um acidente, um AVC e/ou por doenças degenerativas.

Este aviso também serve para o ministro da Saúde, médico, que fez o juramento de Hipócrates: “Respeitarei a autonomia e a dignidade do meu doente e guardarei o máximo respeito pela vida humana”.

Jornal da USP

 

Avaliação formativa, retorno ao ensino presencial e finalização do ano letivo

Erisevelton Silva Lima – professor da SEEDF, gestor escolar, doutor em educação, pela Universidade de Brasília- UnB, integrante do Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA

O quarto bimestre nas escolas públicas do DF está marcado por inúmeras questões atípicas e outras rotineiras que nos convidam a repensar o modus operandi da instituição educacional. No dia três de novembro de 2021, por força de decreto, o Governo do Distrito Federal determinou a volta presencial de toda comunidade escolar. As ressalvas não serão objeto deste breve artigo, todavia, o tema da avaliação retoma sua centralidade. Não custa lembrar que a avaliação esteve presente antes do início das aulas, durante o percurso educativo e, agora, na conclusão do ano letivo.

Embora signatária da avaliação formativa em seus documentos e orientações a Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal, por meio de suas quase 700 (setecentas) escolas, ainda vive dilemas e incertezas sobre o que, de fato, representa essa concepção/função avaliativa. Não custa lembrar que o entrelaçamento dos três níveis (aprendizagem, institucional e de redes/larga escala) clama por nossos olhares, especialmente porque, durante tudo, isso tivemos a aplicação da Prova Brasil nas turmas/séries/anos específicas. Como orientamos as escolas, em diversas reuniões, lives e outros espaços, o primeiro momento foi para realizarmos de fato, a avaliação diagnóstica dos estudantes e nossa autoavaliação por meio da avaliação do trabalho pedagógico da escola (também conhecida como avaliação institucional). Em seguida, as intervenções didático-pedagógicas e de trato socioemocional desafiaram-nos em razão das dificuldades comuns e outras bastante específicas, como por exemplo, estudantes cujas famílias foram obrigadas mudar de residência por causa do desemprego ou orfandades causadas por mortes de familiares em razão da Covid 19. Com isso, a busca ativa e a garantia da frequência escolar se tornaram desafios complexos para as equipes gestoras dessas instituições. Por fim, escolas que atendem os anos finais do ensino fundamental e ensino médio são convocadas a conviver com as lógicas contraditórias, ou seja, embora orientadas pela avaliação formativa, precisam utilizar-se da notação e, com isso, se faz presente e determinante a avaliação somativa. Se vocês acham que isso é pouco, aproxima-se as sessões do “tribunal do júri” representadas pelas reuniões do conselho de classe do último bimestre.

 Enfim, com intuito de lançarmos alguma luz sobre esse túnel letivo, arriscamos dizer que precisamos, como nunca, cuidar e preparar melhor o corpo docente para as reuniões do Conselho de Classe. Abaixo um roteiro sugerido para que não cometamos maiores injustiças que aquelas já concretizadas por meio do contexto descrito:

  1. Levantamento dos estudantes com dificuldades de aprendizagens nos diversos componentes curriculares e dos contextos pelos quais passaram (remoto, semipresencial e presencial);
  2. Listar as intervenções realizadas e aquelas em curso na tentativa da garantia das aprendizagens por área e ou componente curricular;
  3. Analisar, qualitativamente, os desempenhos dos estudantes considerando a fase escolar em que se encontram, os registros dessas, as possibilidades e as trajetórias (tanto no ensino remoto quanto no presencial); tudo isso em função da reorganização curricular necessária para o período em que nos encontramos;
  4. Convocação de familiares, quando for o caso, e de todos os estudantes para que firmemos pactos pela aprendizagem em face de ainda termos dias letivos possíveis para intervenções;
  5. E, por último, e não menos importante discutirmos o modo como faremos o Conselho de Classe para que o bom senso prevaleça respondendo sobre o que os estudantes aprenderam, o que ainda não aprenderam, o que foi feito para que eles aprendessem e o que fica pendente para o próximo ano garantindo, conforme o caso, a progressão continuada.

Muitos sabem, mas não custa lembrar, todos os que atuam na escola fazem parte do conselho de classe: docentes, secretário/a escolar, orientadores, equipes pedagógicas, gestores, coordenadores e os próprios interessados. A forma como cada instituição organizará esse evento pode fazer a diferença. A avaliação formativa configura-se pela maneira como se realizaram as intervenções, as retomadas e a inserção de todos os atores comprometidos com as aprendizagens, na organização escolar. Portanto, não é momento para decidirmos somente por aprovação ou reprovação, ou seja, é o momento de iniciarmos o planejamento para o ano letivo de 2022 que esperamos seja denominado de pós-pandemia.

 

JC Notícias, 19/11/2021

Alunos, não desistam do Enem!

“Lembrem-se de que egressos de escolas públicas ainda têm metade das vagas”, escreve Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política da USP, presidente da SBPC e ex-ministro da Educação, em artigo para a Folha de S. Paulo

Há muitas razões para vermos o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano com apreensão, e falarei delas no final deste artigo. Mas meu maior receio é que estudantes de escolas públicas fiquem desanimados e não prestem o exame por terem tido um ensino remoto emergencial, nestes quase dois anos, com vários defeitos.

Meu apelo aos alunos das instituições públicas: não desistam. Continua em vigor a Lei de Cotas, que reserva metade das vagas no ensino superior federal a quem fez o curso médio inteiro em escolas públicas. Isso significa que, mesmo que vocês tenham aprendido menos do que gostariam e mereceriam, metade dos lugares em qualquer curso —inclusive medicina, engenharia, direito— serão de vocês. Sua nota talvez não seja tão boa quanto a dos egressos de escolas particulares, que tiveram um bom ensino remoto emergencial, mas a lei é clara: 50% das vagas nas universidades e institutos federais são destinadas a quem cursou escolas públicas.

Um esclarecimento, aqui: há gente, ingênua ou de má-fé, que reclama das cotas “raciais” e diz que deveriam ser “sociais”. Mas elas já são: 50% das vagas vão para escolas públicas. Dentro dessa metade é que há vagas raciais ou étnicas, no mesmo porcentual da população de negros ou de indígenas que vivam no estado onde está a universidade em que você quer entrar. Isso implica que haverá mais lugares para negros na Bahia e menos no Rio Grande do Sul, mais para indígenas na Amazônia que no Sudeste, mas, antes de mais nada, que nenhum negro ou indígena terá direito a cotas se tiver cursado o ensino médio em redes particulares.

Há uma razão para metade das vagas irem para alunos de escolas públicas. Sabemos que na divisão entre escolas caras, particulares, e públicas subfinanciadas se reproduz a desigualdade social clamorosa e injusta que há em nosso país. Cotas são um meio eficaz de compensar essa desigualdade. Várias pesquisas mostram que alunos que entram por cotas em poucos anos se igualam em desempenho aos que vieram de escolas caras, ou até os superam em qualidade. Isso porque enfrentaram na vida dificuldades maiores do que os colegas mais abonados. Mostraram resiliência, dedicação, empenho. E assim conseguimos que muitos jovens com talento, que antes não era identificado nem promovido, estejam contribuindo para o nosso desenvolvimento econômico e social.

Vou explicar melhor. Com base no Enem, o aluno pode se inscrever no Sisu, o Sistema de Seleção Unificada, para o ensino superior federal. Com a nota do Enem, pode escolher qual faculdade federal ele quer. É no Sisu que as cotas funcionam. A nota dele não muda, mas, se veio da escola pública, tem metade das vagas. Qualquer que seja o prejuízo causado pela falta de orientação dos governos para o ensino remoto emergencial público, o aluno ingressará na metade de vagas para quem fez o curso médio público. Por isso é que ninguém deve desistir. As vagas continuam existindo.

E por que eu disse que este ano é particularmente ruim? Os jornais contaram muito da história. No último domingo (14), servidores do Inep, órgão do Ministério da Educação responsável pelo exame, disseram que o governo censurou questões da prova das quais não gostava.

Para além da ideologização do Enem assim efetuada, isso traz riscos de segurança. Quem garante que os censores não passaram as provas a conhecidos ou amigos? O Enem é elaborado com enorme rigor e sigilo, mas, se houve censura, esse cuidado se perde. Além disso, mais grave ainda, o MEC não assumiu a liderança que deveria ter tomado na definição do ensino remoto emergencial. Sabemos que há redes municipais e mesmo estaduais bastante carentes, que precisariam de banda larga e de tablets. Nada disso foi providenciado, nem o treinamento dos professores para um novo tipo de aula a que não estavam acostumados. E, finalmente, a redução do número de candidatos com isenção da taxa, que somente foi reposta depois de ordenada pelo Supremo Tribunal Federal. São falhas sérias.

Mas os alunos de escolas públicas continuam tendo metade das vagas. Vão atrás delas!

Folha de S. Paulo

 

Bolo do Freitas, 17/11/2021

CNE vai regulamentar a introdução do Ensino Híbrido, por Luiz Carlos de Freitas

O Ensino Híbrido será regulamentado pelo Conselho Nacional de Educação de forma a impulsionar seu uso nas redes de ensino. Concedeu magnânimos 10 dias de prazo para manifestações. Ele aparece no texto como uma metodologia de ensino, portanto fora dos limites de controle da Educação à Distância. Na visão do CNE, o ensino híbrido, ao […]

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Luiz Carlos de Freitas | 17/11/2021 às 8:44 AM | Tags: Desqualificação professor, Plataformas de aprendizagem on line, Reformadores empresariais, Tecnologia de Avaliação Embarcada | Categorias: Estreitamento Curricular, Links para pesquisas, MEC sob Bolsonaro, Responsabilização/accountability, Segregação/exclusão | URL: https://wp.me/p2YYSH-7Lj

 

Avaliação formativa e retorno 100% das aulas presenciais

Helder Gomes Rodrigues – Mestre em Linguística Aplicada, integrante do GEPA

Recentemente, a Secretaria de Estado de Educação do DF, assim como outras capitais do país, anunciou o retorno 100% presencial dos estudantes às atividades escolares. Desde o início do segundo semestre de 2021, as aulas presenciais no DF retornaram de forma escalonada, respeitando as diferentes etapas da educação básica. Como havia no período a obrigatoriedade de distanciamento entre os estudantes, as turmas tiveram que ser divididas. Dessa forma, os professores atendiam de maneira híbrida um grupo presencial e outro de forma remota. Esse revezamento dos estudantes vigorou até a decisão da SEDF de descontinuidade desse tipo de atendimento, passando todos os alunos a serem atendidos de forma presencial, exceto os casos de comorbidades.

Durante as lives e as apresentações da SEDF sobre o retorno presencial sem revezamento dos estudantes, uma afirmação que chama a atenção é a fala de que os estudantes podem entregar atividades em atraso para “ recuperar as aprendizagens”. Ora, como recuperar algo que não existiu? Na perspectiva de que a aprendizagem é uma construção, um processo em que a avaliação formativa se faz presente todo o tempo, não se pode falar de entregas de trabalhos e atividades ao final do bimestre ou ano letivo. Para que de fato a avaliação seja para as aprendizagens, é necessário que o professor acompanhe os estudantes durante a realização das atividades, com feedback constante e reorganização do planejamento, quando necessário, para atender as necessidades dos estudantes e não deixar ninguém para trás.

A ideia de “recuperação das aprendizagens” ao final do ano letivo soa como uma prática tradicional e somativa mascarada de avaliação formativa. De acordo com Villas Boas (2019,p.20), “todas as atividades realizadas são avaliadas na perspectiva formativa”. Para que essa avaliação seja viável, é necessário o envolvimento de alunos e professores durante o processo. Uma avaliação realizada apenas por meio de um instrumento e ao final do período letivo é limitada e não consegue abarcar a característica multifacetada da aprendizagem.

Enfatizamos a necessidade de adoção da avaliação formativa ou avaliação para as aprendizagens porque a própria SEDF afirma e reafirma em seus documentos ser esta a concepção de avaliação por ela adotada. Assim, cabe indagar sobre a coerência entre os documentos, os discursos e a prática da SEDF.

Nesse momento de retorno às aulas presenciais, a avaliação precisa superar a lógica de fim ou última etapa do processo. De acordo com Fernandes (2009), a avaliação formativa é centrada na melhoria das aprendizagens, devendo ser participativa e integrada aos processos de ensino e de aprendizagem. Nessa perspectiva, a avaliação formativa necessita desvincular-se de uma ação de mero cumprimento burocrático ou com objetivo de aprovação e reprovação. Aliás, essa dicotomia não deveria permear o olhar na avaliação nesse momento tão complexo e delicado de retorno às aulas em meio a uma pandemia. Precisamos mais que nunca de uma avaliação compromissada com a aprendizagem, essencialmente formativa.

Por fim, as secretarias de educação deveriam preocupar-se com o diagnóstico da realidade dos estudantes. Deveriam utilizar as informações da avaliação diagnóstica para discutir sobre o currículo, o planejamento e os objetivos de aprendizagem para então formular ações que perpassem esse período de um pouco mais de quarenta dias para terminar o ano letivo.

A pandemia não acabou. O futuro ainda é turvo e certamente trará consequências para a escola e para as aprendizagens dos estudantes que não poderão ser negligenciadas. Nesse sentido, podemos afirmar que a avaliação verdadeiramente formativa é atemporal. É também compromissada, ética e encorajadora e pode ser um caminho promissor rumo às aprendizagens.

Referências

FERNANDES, Domingos. Avaliar para aprender: fundamentos, práticas e políticas. São Paulo: UNESP, 2009.

VILLAS BOAS, Benigna M. de Freitas (org). Conversas sobre avaliação. Campinas: SP, Papirus,2019.

 

Hillman: crescem as EduTech, por Luiz Carlos de Freitas , no blog do Freitas – 01/11/2021

Hillman: crescem as EduTech por Luiz Carlos de Freitas

Na esteira de mais uma tempestade de revelações sobre as práticas implacáveis de poderosas empresas de tecnologia, Velislava Hillman, pesquisadora visitante da LSE, analisa o poder crescente das empresas de tecnologia da educação. “A arrogância das empresas de tecnologia não para com a manipulação social. Eles agora estão entrando na educação pública. Muitas empresas de […]

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