Blog do Freitas – 27/06/2022

Dyer: privatização é mais cara e de pior qualidade

Publicado em 27/06/2022 por Luiz Carlos de Freitas

Steve Dyer analisou o atual programa de terceirização e de vouchers existente em Ohio, um dos estados de longa história de privatização da sua educação. Ele mostra que as principais reivindicações da privatização – ser mais barato para o poder público e produzir melhores resultados para as crianças – não se verificam neste estado.

Leia aqui.

Ele encontrou que, hoje, as terceirizadas existentes e os programas de vouchers consomem impostos no valor de 1.490 milhão de dólares, enquanto que se todos os alunos que estão em escolas terceirizadas e nos programas retornassem para as escolas públicas atuais, o gasto seria de pouco mais de 1.420 milhão de dólares (confira aqui). Uma economia aproximada de 70 milhões de dólares.

No entanto, ainda resta a questão da qualidade. Os privatistas prometiam melhor qualidade a um custo menor. Mas, será que mesmo sendo mais caro a qualidade melhorou? Não. Em Ohio, seguindo a tradição da reforma empresarial, as escolas públicas e terceirizadas são avaliadas em uma escala que vai de A (as melhores) até F (as piores). Se compararmos o número de escolas privadas que recebem entre avaliação A e C com as escolas públicas, vamos ver que há o dobro de escolas públicas qualificadas entre A e C (confira aqui).

Dyer resume dizendo que a privatização em Ohio:

– custa mais para os “pagadores de impostos” do que se os estudantes estudassem nas escolas públicas;

– fornece menor qualidade;

– piora a segregação escolar;

– cria limites para as oportunidades educacionais dos estudantes das escolas públicas já que sugam recursos educacionais do orçamento público.

E podemos agregar que impede que reformas educacionais realmente eficazes sejam colocadas em prática pelos administradores e pelo magistério das escolas, perdendo tempo com a crença de que inserindo as escolas no mercado e na competição, massacrando as escolas com avaliações externas frequentes, tudo vai melhorar.

A pergunta que fica é: por que continuamos acreditando nas promessas dos homens de negócio e seus investimentos “sociais” privados em educação. E pior, com o discurso da “evidência empírica”, ou seja, com o discurso de que suas propostas estão de acordo com as “evidências empíricas”.

Durante muito tempo as pessoas morreram de câncer fumando cigarros, enquanto as distribuidoras de cigarros faturavam argumentando que não havia “evidência empírica” conclusiva que indicasse que cigarro produzia câncer – e havia. Da mesma forma, hoje seguimos aplicando as receitas da reforma empresarial da educação baseados unicamente na fé no mercado e descartando as evidências que mostram o desastre destas reformas (para mais evidências, confira aqui).

 

Privatização na rede paulista

Publicado em 26/06/2022 por Luiz Carlos de Freitas, blog do Frietas

A cidade de São Paulo corre o risco de ter sua rede de ensino privatizada por um projeto de lei apresentado pelo Partido Novo e pelo PSDB. Como sempre, o discurso de garantir “escola de qualidade” para os pobres está presente. Na visão deste pessoal, os governos não sabem administrar as escolas e o Estado não implementa a competição entre as escolas – eis a origem de todos os problemas. Portanto, a solução simplista (e conveniente para os negócios) é privatizar, inserindo-as em um mercado competitivo.

Aprovado, o programa de privatização começaria pelas escolas de menor IDH, como também o faz o programa das escolas militarizadas. Vão dizer que não é privatização, pois eles não estão comprando a escola. Mas a privatização não implica só compra do bem privatizado, há várias modalidades de privatização. O disfarce virá com o nome de “publicização” ou algo parecido, mas é terceirização radical – uma estratégia de privatização.

Este discurso todo virá com o objetivo de convencer as pessoas das boas intenções dos “homens de negócio” agora embutidos em Organizações Sociais que estariam dispostas a fazer investimento social privado – uma tergiversação, pois, no mundo dos negócios o que conta é o lucro. De fato, grandes massas de recursos financeiros ociosos estão buscando qualquer atividade estatal para privatizá-la e, de quebra, introduzir sua ideologia baseada na meritocracia, formando a juventude de forma a ela se alinhar com as suas demandas. É uma busca por lucro e por adeptos.

Até mesmo as Organizações Sociais ditas sem fins lucrativos, como demonstrou recente relatório nos Estados Unidos, são pontas de lança de empresas privadas lucrativas.

O modelo foi amplamente usado nos Estados Unidos na fracassada época (ver aqui) de G. Bush durante a onda de privatização iniciada em 2001 com a lei “nenhuma criança deixada para trás” que converteu-se em “nenhuma ONG e consultoria deixadas para trás”.

Ele vem no estilo “take over”, uma ferramenta de negócios que visa assumir o controle total de uma organização escolar – seja do ponto de vista cultural, seja do ponto de vista operacional – incluindo troca de pessoal que não queira migrar para novo contrato.

Não adiantam relatórios e mais relatórios apontarem a ineficácia destes processos para a melhoria do desempenho dos estudantes – você pode ver estes relatórios aqui – é negócio baseado em fé no mercado motivada por lucro: a mão invisível do mercado que corrige tudo através da competição – segundo os teóricos do neoliberalismo que dominam o Partido Novo.

Leia o projeto aqui.

 

Ministério da Educação lança Política para recuperação da aprendizagem na educação básica

JC Notícia – 21/06/2022

O objetivo da ação é ajudar estudantes e professores da rede pública de ensino a recuperar a aprendizagem perdida no período de ensino remoto provocado pela pandemia e combater a evasão e abandono escolar

Em solenidade nesta segunda-feira (20), no Palácio do Planalto, em Brasília, foi lançada pelo Ministério da Educação a Política Nacional para Recuperação das Aprendizagens na Educação Básica. O objetivo da ação é ajudar estudantes e professores da rede pública de ensino a recuperar a aprendizagem perdida no período de ensino remoto provocado pela pandemia e combater a evasão e abandono escolar. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) participou do lançamento.

A política será implementada com foco como em elevar a frequência escolar e reduzir os índices de evasão e abandono; desenvolver estratégias de ensino e aprendizagem para o avanço do desempenho e da promoção escolar; diminuir a distorção idade-série por meio do monitoramento da trajetória escolar; promover a coordenação de ações para o enfrentamento do abandono escolar e recuperação das aprendizagens; incentivar a formação para o uso pedagógico de conteúdos digitais; entre outros.

A cerimônia também marcou o lançamento da iniciativa MECPlace – Ecossistema de Inovação e Soluções Educacionais Digitais, que tem o objetivo de levar para as redes federal, estadual, distrital e municipal de ensino público tecnologias e soluções inovadoras e consolidadas ofertadas pelo mercado privado. O objetivo é acelerar o processo de inclusão digital nas escolas.

Durante o lançamento, o presidente da República pontuou que o fechamento de escolas durante a pandemia trouxe prejuízos aos país. O ministro da Educação afirmou que a implantação da política também acontece por meio de acordo com grandes empresas de tecnologia, como Google e Microsoft e ressaltou que o país demorou a retomar as aulas presenciais. Ele também lembrou que a política de recuperação das aprendizagens foi anunciada em maio durante o Fórum Mundial da Educação, em Londres.

(Merece reflexão a participação de grandes empresas de tecnologia, como Google e Microsoft. O que elas ganharão com isso?)

 

Política nacional para recuperação das aprendizagens na Educação Básica

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Enílvia Rocha Morato Soares

Em reunião realizada no dia 03 de junho de 2022, o GEPA analisou o Decreto nº 11.079, publicado pela Presidência da República em 23 de maio de 2022, que institui a Política Nacional para Recuperação das Aprendizagens na Educação Básica. O tema ganha destaque ao ser tratado por meio de um decreto presidencial.

Trata-se de um documento que será lido e analisado pelos sistemas de ensino de todo o país e pelos cursos de formação inicial e continuada de professores e que merece reflexões. A “recuperação da aprendizagem” é mencionada pela Lei 9394/96, que a inclui no item dedicado à verificação do rendimento escolar.  

Atenção especial é dada aos estudantes que evadem da escola (não efetuam a matrícula para dar continuidade aos estudos no ano seguinte) e os que a abandonam (quando deixam de frequentar a escola antes do término do ano letivo).

Perdeu-se a oportunidade de tratar o tema de forma didática e articulada ao processo avaliativo, sem referência à expressão “recuperação das aprendizagens”, já desgastada e desconectada da necessidade de oferecimento de contínuas intervenções pedagógicas. O que não foi aprendido no passado não é passível de ser recuperado, porque o contexto de retomada do processo de aprendizagem será outro. O que importa é a recomposição do processo de aprendizagem que leve em conta as atuais necessidades dos estudantes. A  palavra “recuperação” costuma ser atrelada à nota que, segundo Luckesi, é apenas o “registro da qualidade de aprendizagem, mas não é a aprendizagem” (2011, p. 407).   

Além disso, a recuperação remete a práticas pontuais de retorno às aprendizagens, quando já há um acúmulo de não aprendizagens. O decreto deveria ocupar-se de uma política de enfrentamento das situações de não aprendizagem, assim que sejam constatadas, por meio de intervenções pedagógicas pontuais  e contínuas.    

É louvável a adoção de uma política de busca pelos estudantes evadidos e pelos que abandonaram a escola, oferecendo-lhes condições de retomada do trabalho pedagógico que lhes garanta a conquista de aprendizagens. Igualmente necessária é a recomposição das aprendizagens de todos os que apresentarem necessidades de aprendizagem, sem o estigma da “recuperação”, mas com o objetivo de continuidade de estudos.

O GEPA encontrou outras fragilidades no decreto, como veremos. 

– Aponta como um dos princípios da Política Nacional para Recuperação das Aprendizagens o “aprimoramento das formações inicial e continuada dos profissionais da educação básica, com vistas a orientar o uso de tecnologias para melhoria dos processos de ensino de ensino e aprendizagem” (Art. 3º, VII). Por que a referência apenas ao uso de tecnologias? Somente elas merecem ser aprimoradas? Este termo e o da inclusão digital são várias vezes utilizados. Por que tanta ênfase? Estranhamente não é previsto o “aprimoramento” da formação inicial e a continuada dos profissionais de educação com vistas ao fortalecimento das aprendizagens de todos os estudantes, que deveria ser o alvo da política.

– Inexistência de articulação da “recuperação” de aprendizagens ao processo avaliativo escolar. Esta é uma grande fragilidade do decreto, que a trata de maneira isolada.

– Referência a “métodos de avaliação” (Capítulo V, eixo III, a). O que seriam esses métodos? Quais seriam?

– Capítulo V, eixo 4 – formação prática de docentes e de outros profissionais da educação, com o objetivo de difundir capacitação para aplicação das metas curriculares nacionais e capacitação de recursos e tecnologias educacionais propostos no âmbito da Política – redação confusa e incompreensível. O que significa “formação prática”? O que se quer dizer com “difundir capacitação?

– Capítulo V, art. 7º, III, eixo 3 – atenção individualizada aos discentes e às suas famílias, com o objetivo de: b) “aplicar avaliações diagnósticas e formativas a docentes e a gestores educacionais, com vistas ao acompanhamento de cada discente”. Objetivo com redação incompreensível. Observação: o MEC possui uma plataforma de avaliações diagnósticas e formativas, voltada para a aplicação de provas a estudantes da educação básica.

Entendemos que a expressão “recuperação das aprendizagens” não contribui para o alcance dos propósitos almejados pelo documento. Neste ano de retorno às aulas presenciais e de recomposição do trabalho pedagógico, as escolas necessitam de apoio para o desenvolvimento de intervenções pedagógicas contínuas, que garantam a inclusão de todos os estudantes no processo de aprendizagem. O decreto refere-se apenas às situações de evasão e abandono escolar. As não-aprendizagens são evidenciadas no dia-a-dia escolar, por todos os estudantes, que necessitam de apoio para que não se tornem evadidos nem abandonem os estudos.   

Pareceu-nos que a política assumida pelo governo federal tem mais interesse em alinhar-se a grupos e organismos nacionais e internacionais do que em oferecer meios para as escolas de educação básica atuarem com qualidade social.  

Finalmente, o decreto assume compromisso com a instituição do Ecossitema de Inovação e Soluções Digitais, sob a gestão do MEC, e com a instituição do Observatório Nacional de Monitoramento do Acesso e Permanência na Educação Básica e com a Rede de Inovação para a Educação Híbrida, com a “finalidade de apoiar a implementação de novas formas de oferta para os processos de ensino e aprendizagem”.

Tudo isso em ano eleitoral e sem que se indiquem as fontes de recurso. Na semana em que o decreto foi assinado houve um drástico corte de recursos financeiros para o setor educacional. Não vislumbramos dias melhores para a educação.  

Referência

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem: componente do ato pedagógico. SP: Cortez, 2011.