Para além da privatização: lições da América

Publicado em 29/07/2024 por Luiz Carlos de Freitas, no blog do Freitas

Sara Van Horn e Jennifer C. Berkshire discutem quais são as maiores ameaças para a Educação pública nos Estados Unidos hoje.  

Como as pessoas discordam tão profundamente sobre o ponto da educação pública, vimos recentemente algumas propostas de políticas que teriam parecido impensáveis ​​uma década atrás. Tomemos, por exemplo, o governador da Louisiana anunciando que as escolas públicas vão afixar os Dez Mandamentos em todas as salas de aula, ou Ryan Walters, Comissário de Educação de Oklahoma, anunciando que todas as escolas públicas serão obrigadas não apenas a afixar os Dez Mandamentos, mas também a ensinar a Bíblia.

Eles compartilham uma visão particular sobre o que as escolas públicas são: produzir cristãos. E todas as outras crianças? Eles não têm uma resposta para isso.

Algumas pessoas acreditam fortemente que a escola é onde as crianças devem aprender a se tornar patriotas. Veja o que está acontecendo na Flórida: o governador Ron DeSantis está exigindo que as crianças aprendam o quão bom é o capitalismo — porque se não incutirmos isso cedo, elas crescerão e se tornarão socialistas. Se você observar algumas das mudanças específicas que foram feitas nos currículos de estudos sociais em estados como Texas e Flórida, uma das coisas que eles estão eliminando é a oportunidade para as crianças trabalharem juntas em grupos para resolver um problema, porque estão preocupadas que as crianças cresçam pensando que a ação coletiva é a resposta.”

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Depois da onda de privatização por vouchers que se desenvolve nos estados, a América por fim revelou o que a privatização esconde. E não é só fazer com que os empresários ganhem mais dinheiro. É controlar as escolas colocando-as nas mãos de agentes seguros: empresários e sacerdotes.

É destes setores que vem o dinheiro e o apoio para a agenda não só neoliberal, mas também da direita radical que avança pelos estados.

Note bem: a política em curso nestes estados trabalha com “finalidades educativas claras”. Nós nem começamos a discutir em profundidade o que nos queremos com as finalidades educativas da escola para além do que está dado nas bases nacionais curriculares que até já estamos deixando de criticar.

Um bom começo seria ler o Livro de Roseli S. Caldart, publicado pela Expressão Popular: “Sobre as tarefas educativas da escola e a atualidade”.

 

Desigualdade entre escolas públicas e privadas cresce no Enem 2023

Ano foi o primeiro com a mudança do Novo Ensino Médio, e reverte diminuição de desigualdade registrada desde 2019

A diferença de desempenho entre escolas públicas e privadas cresceu no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) de 2023 em Matemática e Ciências da Natureza. O resultado reverte uma tendência de diminuição da desigualdade que era registrada desde 2019. Esse foi o primeiro ano em que parte dos estudantes fez a prova após a mudança para o Novo Ensino Médio.

Especialistas apontam que o modelo, que já foi reformulado este ano após diversas críticas, pode ter pesado nesse resultado. A nota em Matemática das escolas públicas caiu de 507 para 503. Já a das privadas subiu de 601 para 618. Em Ciências da Natureza, as mudanças foram de 473 para 472 e de 530 para 541, respectivamente. Os dados do Inep foram obtidos pelo SAS Educação, uma plataforma de ensino usada por 1,2 mil escolas no Brasil, e disponibilizados com exclusividade ao GLOBO.

Veja o texto na íntegra: O Globo

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MEC lança programa Escola das Adolescências

JC Notícias – 11/07/2024

Iniciativa visa a fortalecer e melhorar a qualidade da oferta educativa para os anos finais do ensino fundamental. Portaria foi publicada nesta quinta-feira, 11 de julho

O Ministério da Educação (MEC) publicou a Portaria nº 635/2024, nesta quinta-feira, 11 de julho, que institui o Programa Escola das Adolescências. A iniciativa é voltada à melhoria contínua da oferta educativa para os anos finais do ensino fundamental e reúne um conjunto de estratégias que valorizam o momento de desenvolvimento dos estudantes dessa etapa.

A Escola das Adolescências tem como eixos estruturantes: governança para a aprendizagem com equidade; desenvolvimento profissional de professores, gestores e equipes técnicas das secretarias de educação; e a organização curricular e pedagógica. Para cada um deles, o MEC, em colaboração com as secretarias estaduais, distrital e municipal, operacionalizará estratégias de implementação capazes de colaborar com a consecução dos objetivos do programa.

O Ministro de Estado da Educação, Camilo Santana, explicou que o objetivo do programa é tornar a escola atrativa para os estudantes, motivando a frequência e permanência. “Vamos investir recursos em um projeto-piloto para 15 mil escolas brasileiras, realizando mudanças para garantir que esses jovens se sintam pertencentes à escola. Queremos, assim, que os alunos sintam vontade de estudar, se identifiquem com o projeto de educação e permaneçam nas escolas”, destacou.

O repasse dos recursos para as redes municipais e estaduais será feito via Programa Dinheiro Direto nas Escolas (PDDE), em uma modalidade criada especialmente para o Escola das Adolescências.

Vamos investir recursos em um projeto-piloto para 15 mil escolas brasileiras, realizando ações e mudanças para garantir que esses jovens se sintam pertencentes à escola.”
Ministro de Estado da Educação, Camilo Santana 

Para a secretária de Educação Básica, Kátia Schweickardt, o Programa oferece aos estudantes dos anos finais do ensino fundamental a oportunidade de ter uma escola que faça sentido para eles. “Os estudantes do 6º ao 9º ano participaram de uma escuta nacional, na qual ouvimos mais de 2 milhões de estudantes do ensino fundamental II. Eles falaram sobre o que esperam da escola, do currículo e dos professores, com a finalidade de contribuir com uma escola que faça mais sentido em suas vidas e os prepare melhor para o ensino médio”, concluiu.

A secretária ainda completou que o regime de colaboração foi a tônica de todo o processo de construção do Programa, bem como dos documentos de apoio técnico. A construção foi feita em cooperação interfederativa com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), envolvendo 53 técnicos das secretarias de Educação e validados pelos secretários que vão compor o Comitê Nacional do Programa Escola das Adolescências.

Escuta das Adolescências – Em maio de 2024, foi realizada a Semana da Escuta das Adolescências nas escolas, com o objetivo de obter um diagnóstico sobre os principais desafios dos anos finais, nas dimensões de aprendizagem, clima e convivência, inovação e participação. O alcance foi de 2 milhões de estudantes, em mais de 20 mil escolas participantes.

MEC

 

A educação escolar em instituições de privação de liberdade:

direito ou mérito?

Enílvia R. Morato Soares

            Compreender os reflexos da educação formal oferecida no presídio regional de São João Del Rei (MG) na vida de egressos foi o principal objetivo de uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal dessa mesma localidade. Tive o privilégio de compor a banca examinadora da referida defesa, momento em que a emersão de importantes reflexões incitou a escrita deste texto.

            A relevância de tais discussões reside, de modo especial, nas tensões geradas pelo atual contexto que temos vivenciado, de forte incentivo ao encarceramento, proveniente da espetacularização da mídia e, em decorrência, do apelo da população; o que acaba rendendo altos lucros aos empresários que investem na área da segurança e votos a políticos que, de certa forma, os representam. São discursos que insistem no armamento da população e na repressão ostensiva da polícia, tornando-a cada vez mais violenta. Descarta-se, desse modo, a necessidade de se pensar formas de estender a todos o direito ao emprego, à saúde, à educação e à moradia, necessidades básicas que, quando não atendidas, induzem à criminalidade. Basta colocar no cerne do discurso a defesa da segurança, clamando pela prisão, instituição sabidamente falida.

               O Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China[1], situação que por si só já é degradante, mas que se torna ainda mais preocupante diante de problemas do sistema penitenciário, tais como a superlotação, a violação de direitos humanos, as falhas no cumprimento de procedimentos, a morosidade no julgamento dos casos, entre outros.

A aposta do Brasil é na punição, em grande parte via reclusão, reclusão esta caracterizada por marcadores sociais de raça, nível educacional e classe social. Isso significa que o encarceramento em nosso país é uma questão social. Como resolver com justiça penal o que deve ser resolvido com justiça social? Quem vai para a prisão no Brasil? Os menos abastados, porque crimes são cometidos por todas as camadas da sociedade (não declarando impostos, não pedindo nota fiscal, via transações financeiras escusas – crimes que muitas vezes não chegam sequer a ser declarados). Nossa sociedade não começa a punir os mais pobres pela prisão. Começa pela fome, falta de moradia, saúde, desemprego, escoando para a prisão.

A violência no nosso país é entendida muito mais pela subtração de bens patrimoniais do que pelo sofrimento da população que é a origem dos demais tipos de violência. Nós toleramos bem a brutalidade que se desvela por meio das desigualdades que geram a falta emprego, de acesso à educação e à alimentação,  mas não o roubo ou o furto de bens patrimoniais.

Toleramos, também com parcimônia, a prisão como ela existe: um espaço, sujo, superlotado, corrupto, com as torturas que lá acontecem. Uma instituição fora da lei, falida, que, comprovadamente, não contribui para a recuperação ou socialização dos que nela adentram. Ninguém espera que a prisão ressocialize. Não se diz: “Agora que ele foi preso, vai tomar jeito”. A sociedade, na realidade, perde sujeitos para as prisões. É essa a sensação: de perda. Se a sociedade não acredita nesse espaço, ele precisa ser repensado.

Os egressos do sistema prisional podem ser comparados a sobreviventes, uma vez que o Estado é mais uma vez omisso quando não consegue oferecer oportunidades de reintegração. Enclausura e depois não consegue acolher o egresso. Quando o Estado não faz isso, o mundo do crime o faz. O Estado pede, muitas vezes, ajuda às ONGs para oferecer emprego, porque não consegue fazer isso. Existem pesquisas que comprovam que quem oferece a maior parte dos empregos aos egressos são afetos desses antigos detentos.

Quanto à educação prisional, dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) atestam que 13% da população carcerária têm acesso à educação. Desses 13%, 20% estão em processo de alfabetização, o que comprova que o direito à educação não só era negligenciado antes da prisão, como continua sendo para a maior parte dos presos.

Dados dessa natureza foram confirmados na pesquisa por um dos egressos interlocutores da pesquisa:

             Porque para você estudar no presídio é mérito. Para você trabalhar é mérito. Não é direito não. Porque direito todo mundo tem. A lei  fala que você tem direito de estudar. A lei é… a lei tem que ser  correta, não é? A lei não é correta? Só que não é assim não, então     é mérito. E também quem sou eu para criticar a ideologia deles, por quê? Coloca um cara lá, dois quer estudar e três não quer. O cara tem   um monte de problema na cela… problemático, e às   vezes o cara  não que estudar, só quer atrapalhar, quer tirar o tempo. Então, assim, então eles olham mérito. Eles não olham direito. (…) Então eu tive essa oportunidade de estudar. Aí eu fiquei no presídio e estudei.   (SILVA, 2024, p. 71)

A pesquisa destaca a “importância da educação e da pedagogia social no combate à criminalidade, bem como no resgate da dignidade daqueles que se encontram reclusos e que um dia voltarão a conviver em sociedade”. (SILVA, 2024, p. 35). O autor acrescenta ainda: “

Todavia, não obstante esse entendimento uníssono no sentido  de ser a educação um instrumento de resgate à dignidade  humana e, portanto, de suma importância nos estabelecimentos  prisionais, por outro lado, tem-se como desafio identificar e aplicar      metodologias inovadoras capazes de proporcionar resultados concretos ao processo de ressocialização e consequentemente diminuir o índice de reincidência.

Dados desta e de outras pesquisas me permitem acrescentar que os desafios da escolarização nos espaços intramuros se estendem ainda à oferta dessa oportunidade a toda a população carcerária. Isso porque a educação insurge como oportunidade de qualificar o tempo de clausura, assegurando, aos que dele usufrui, o direito que lhes cabe de, conscientemente, refletir sobre a vida e a dignidade que lhe foram negadas e encontrar caminhos que tornem possível sua reconquista.        

SILVA, Getúlio Anderson. Histórias de Vida de Egressos Condicionais e a Educação Formal no Presídio: Direito ou Mérito? Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação Programa de Pós-Graduação Processos Socioeducativos e Práticas Escolaresda Universidade Federal de São João Del Rei (MG), 2024.


[1]Levantamento de informações junto ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) realizado no ano de 2021, com dados até julho, constatou a existência de uma população carcerária de 820.689 mil pessoas, sendo 673.614 presas em celas no sistema prisional e 141.002 mil pessoas em prisão domiciliar.

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