UMA “BASE” NACIONAL COMUM PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Uma “base” para a base nacional da Educação Infantil

Publicado em 29/01/2016 por Luiz Carlos de Freitas no blog do Freitas

Maria Alice Setubal escreveu ontem na Folha de São Paulo sobre a questão da base nacional comum da educação infantil. Em geral temos acordo com ela e também penso que há uma polarização de posições neste momento. Mas vejo a disputa entre as propostas de forma um pouco diferente.

A polarização está entre os que querem a educação infantil convertida em fase preparatória para a educação fundamental, voltada para uma antecipação da escolarização sob a batuta de exames, e aqueles que são, acertadamente, contrários a isso. No entanto, este embate tem feito com que se interprete equivocadamente a posição dos que recusam a antecipação da escolarização na educação infantil como se estes apenas quisessem que as nossas crianças brincassem e nada mais. Falso.

Apesar disso, o texto de Maria Alice, embora não alerte para esta questão, é útil pois deixa claro que a base nacional comum da educação infantil não deve colocar ênfase “no eterno debate sobre a idade ideal para a alfabetização, quando o cerne deveria ser como assegurar as condições de ensino e aprendizagem para que todos acessem o mundo das letras”. As teses dos reformadores empresariais sempre insistem na questão da idade ideal porque estão sempre procurando atalhos que saltem por cima das condições e responsabilizem as pessoas.

O texto de Maria Alice talvez esteja subentendendo algo que precisa ficar claro de forma consensual entre as duas partes, como pré-condição para o diálogo: o ritmo de cada criança deve ser respeitado e não podemos coloca-las num formato “tamanho único” comandado por exigências de exames como a ANA – Avaliação Nacional da Alfabeização – e de outros testes que se pretende criar “para responsabilizar”, durante a própria vigência da educação infantil. Outra não é a finalidade da atual base nacional comum na forma concebida pelo MEC.

O primeiro ponto, portanto, a ser acordado é que nenhuma das partes proporá avaliações de larga escala durante o período da educação infantil. Já basta a ANA aos oito anos e a própria proposta atual do INEP, muito bem formulada, não prevê a introdução de mais exames de larga escala durante os anos da educação infantil propriamente dita. Isso inclui, é claro, a não medição em larga escala das habilidades socioemocionais.

O segundo ponto, a ser acordado, é que o ritmo das crianças não pode ser unificado em função de bases nacionais que obriguem, ano a ano, mês a mês, que se dominem habilidades pré-definidas, dando base para a criação de metodologias que engessam a ação do professor e marcam um ritmo de desenvolvimento único para todas as crianças.

Todos sabemos que os processos de avaliação de larga escala produzem estreitamento curricular. Feita uma base nacional com esta concepção, teremos estreitamento curricular direcionado para a escolarização ou mesmo para aquilo que Maria Alice critica, ou seja, a possibilidade de se transformar a educação infantil em “preparatória para o ensino fundamental” ou ainda em uma “educação compensatória, idealizada para superar “supostos déficits” de aprendizagem das crianças das camadas populares” – discurso preferido de uma série de organizações sociais.

Estes são os pontos de partida que precisam ficar claros. E se forem acordados, então poderemos passar para os outros, ou seja, a não polarização que coloca a educação infantil exclusivamente como objeto da brincadeira. Não vejo quem defenda isso, dessa forma. Não acredito que quem seja a favor da brincadeira esteja se opondo ao desenvolvimento integral da criança, ou não queira assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania.

É perfeitamente possível, a partir da base de entendimento proposta acima, combinar muito bem a brincadeira com o desenvolvimento integral das crianças, inclusive o cognitivo. Não são os defensores da brincadeira que querem restringir a formação das crianças, mas são os defensores da escolarização antecipada que propõem currículos mínimos regados a exames, focados na “compensação cultural” e desejam “voltar a reproduzir experiências da década de 1970 de uma educação para o desenvolvimento de habilidades restritas, como a motora e perceptiva”. E como completa Maria Alice; “em pleno século 21, precisamos de reflexão, e não da mera repetição ou memorização de conteúdos”. Mais, precisamos da criatividade que gera inovação e que tem um fértil campo de desenvolvimento nos jogos e brincadeiras infantis.

Como se vê, temos acordo com o que deve ser uma articulação entre o brincar e o aprender, já que brincando também se aprende. A questão é anterior: é sobre a natureza da base nacional comum e sua função voltada para regular currículos padronizados e dar base para o desenvolvimento de exames que padronizam a evolução das crianças, antecipam a escolarização formal que está planejada para ocorrer durante a educação fundamental dos anos iniciais e contribuem desde cedo para a ampliação da segregação escolar, na contramão do que prometem.

Para ilustrar isso, basta seguir os passos de países que passaram por esta trilha da antecipação da escolarização (ver aqui).

Infelizmente, tudo indica que, sem um movimento vigoroso que contrarie esta tendência, a tradição do Secretário de Educação Básica, Manuel Palácios, vinculado ao movimento dos reformadores empresariais, coordenador por muito tempo de instituição destinada a avaliação de larga escala de sistemas de ensino, estará muito mais predisposto a aceitar as teses dos reformadores do que as de Maria Alice Setubal e daqueles que pensam como ela. E do Ministro da Educação não se deve esperar muito mais.

O Movimento Interforuns de Educação Infantil do Brasil –MIEIB- deveria ser um importante interlocutor do Ministério. Mesmo dentro do MEC há especialistas que podem perfeitamente dar o tom adequado a esta discussão. Resta saber se terão espaço.

 

 

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