DOCÊNCIA NA SOCIOEDUCAÇÃO: A AVALIAÇÃO DESPRESTIGIADA

DOCÊNCIA NA SOCIOEDUCAÇÃO: A AVALIAÇÃO DESPRESTIGIADA

Benigna Maria de Freitas Villas Boas – publicado no blog do GEPA em 16/03/2016

 

O livro Docência na socioeducação, organizado por Amanda Marina Andrade Medeiros … [et al]; Cynthia Bisinoto e publicado pela Universidade de Brasília, Campus Planaltina, 2014, em 345 páginas, aborda os seguintes eixos:

Eixo I – Iniciando o curso: docência na socioeducação

Eixo II – Eu, professor: identidade profissional docente

Eixo III – Das concepções às práticas: a docência em foco

Eixo IV: Adolescência e juventude: condições de desenvolvimento na história e na sociedade

Eixo V – Adolescência e direitos humanos: algumas interfaces

Eixo VI – Adolescente, professor e escola: potencializando essa relação

Eixo VII – Promoção do processo de escolarização: ideias e ações

Cada eixo é composto por módulos. Dentre outros temas, podem ser encontrados os seguintes: desenvolvimento de competências docentes; função social da escola; especificidades do trabalho pedagógico; direitos humanos dos adolescentes; desafios da escola e de seus profissionais frente à dupla face das medidas socioeducativas; a escola como instrumento de promoção e garantia de direitos; organização do trabalho pedagógico: planejando o processo de escolarização na socioeducação; metodologias ativas; construção de práticas pedagógicas exitosas.

Os temas acima compõem o sumário do livro. Lendo-o, surgiu uma inquietação: em que parte de um livro de 345 páginas, que trata da docência na socioeducação, está incluída a avaliação? Para meu espanto, fui encontrá-la apenas na página 313, em seis páginas. O item 3 – A organização do trabalho pedagógico: conteúdo, metodologia, avaliação e objetivos tenta dar tratamento dialético a estas quatro categorias, agrupando-as em dois pares, como ensina Luiz Carlos de Freitas, mas não dá elementos para que os docentes compreendam essa dialeticidade nem encaminha o tema para a especificidade da socioeducação. O item 4 apresenta a avaliação como parte do trabalho pedagógico, abrindo a possibilidade de professores entenderem que ela é um elemento à parte, isto é, desenvolvendo-se em momentos específicos, o que contraria a concepção de avaliação formativa. Esse tratamento dado à avaliação, inserindo-a ao final do livro, reforça o entendimento de ela ser o último ato do processo de ensino e de aprendizagem, servindo apenas para fins classificatórios. Além disso, ela assume somente sua dimensão técnica.

Em sua introdução, o documento assim apresenta o curso: “A iniciativa de um curso de aperfeiçoamento para profissionais da educação básica que trabalham com adolescentes em medida socioeducativa se sustenta na concepção do processo de formação como um momento social concreto e eficaz para o desenvolvimento de competências docentes”. Fica a indagação: a avaliação, que tanto pode promover as aprendizagens quanto a exclusão dos estudantes do trabalho escolar, não é considerada uma das competências docentes? Fernandes e Freitas (2007, p. 23) entendem ser fundamental “transformar a prática avaliativa em prática de aprendizagem”, sendo necessário “avaliar como condição para a mudança de prática e para o redimensionamento do processo de ensino/aprendizagem”. E mais: avaliar faz parte do processo de ensino e de aprendizagem porque não ensinamos sem avaliar, não aprendemos sem avaliar. “Dessa forma rompe-se com a falsa dicotomia entre ensino e avaliação, como se esta fosse apenas o final de um processo”.

O livro em questão, bem organizado e resultado de um curso de aperfeiçoamento para professores que atuam na socioeducação e que poderá ter ampla circulação, perdeu a chance de ampliar a discussão sobre o processo avaliativo condizente com o trabalho pedagógico que se quer para a socioeducação. Em quase todos os itens do sumário pode-se perceber a presença da avaliação, mas ela foi desprezada. Exemplos: ela é um dos maiores desafios da escola; todos os adolescentes têm direito à aprendizagem, assim como a serem avaliados com justiça e respeito; a avaliação informal mereceria ter lugar preponderante, em função das características dos estudantes; inclui-se na organização do trabalho pedagógico da escola como um todo e no da sala de aula; a promoção do processo de escolarização pode ser facilitada ou dificultada pela avaliação. Levando em conta a especificidade desse trabalho e as características dos estudantes, senti falta de diálogo com procedimentos de avaliação que lhes permitam interagir com os saberes de diferentes formas. Pesquisas têm revelado que os professores, de modo geral, privilegiam o uso de provas que, quando usadas com exclusividade, deixam lacunas no processo de aprendizagem e de avaliação.

Sabemos que os cursos de licenciatura, de modo geral, não costumam dedicar atenção ao tema avaliação. Na Universidade de Brasília a disciplina Avaliação Escolar, integrante do currículo do Curso de Pedagogia, não é obrigatória, mas todos os licenciandos deveriam cursá-la porque todos avaliarão e serão avaliados quando estiverem em atuação nas escolas de educação básica. Há semestre em que essa disciplina não é oferecida e quando o é, isso é feito por meio de apenas uma turma, quase sempre preenchida com estudantes do curso de Pedagogia. Os de outras licenciaturas nada estudam sobre avaliação. O mais grave é que não há reconhecimento pela universidade da necessidade de todos os futuros docentes construírem aprendizagens sobre esse tema. Afinal de contas, tornou-se tão trivial simplesmente aplicar provas e atribuir notas, não é? Muitos professores assim agem mecanicamente. Alguns entregam os resultados desses instrumentos somente ao final do semestre para que os estudantes “se motivem” a estudar para as provas futuras. Muitas das fragilidades da avaliação nas escolas de educação básica advêm desses fatos. Contudo, a universidade não pode deixar de cumprir seu compromisso de formar professores para atuarem com competência em todas as etapas e contextos da educação básica.

Deixo aqui o desafio para que outros cursos e registros deles decorrentes criem espaço privilegiado para a avaliação não como um tema à parte, mas inserido na totalidade do trabalho pedagógico.

Importante lembrar que a Secretaria de Estado de Educação do DF publicou em 2014 o caderno Diretrizes Pedagógicas – escolarização na socioeducação, no qual há um item dedicado à “Avaliação para as Aprendizagens na Socioeducação”.

Referência

FERNANDES, Claudia de Oliveira; FREITAS, Luiz Carlos de. Currículo e avaliação. Indagações sobre currículo. Brasília: MEC, 2007.

 

 

3 respostas para “DOCÊNCIA NA SOCIOEDUCAÇÃO: A AVALIAÇÃO DESPRESTIGIADA”

  1. Acredito que quanto mais lemos e discutimos sobre avaliação ainda será pouco, para compreendermos tamanha complexidade que envolve o processo avaliativo formativo e, em especial, referindo-se à socioeducação!
    Suas palavras reflexivas sempre contribuem!

     
  2. Acredito que quanto mais lemos e discutimos sobre avaliação, ainda será pouco para compreendermos tamanha complexidade que envolve o processo avaliativo formativo e, em especial, referindo-se à socioeducação!
    Suas palavras reflexivas sempre contribuem!

     
  3. Acredito que quanto mais lemos e discutimos sobre avaliação, ainda será pouco para compreendermos tamanha complexidade que envolve o processo avaliativo formativo e, em especial, referindo-se à socioeducação.
    Suas palavras reflexivas sempre contribuem!

     

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