Democracia e gestão compartilhada: Quem governa sou eu!
Profa. Dra. Sílvia Lúcia Soares
Encabula-me a concepção de democracia presente no discurso e nas ações políticas de Ibaneis Rocha (MDB), atual governador do Distrito Federal. Recentemente, mais precisamente, no dia 17/08/2019, ocorreu uma consulta à comunidade a respeito da implantação da gestão compartilhada com a Polícia Militar em 5 escolas públicas do DF. Entre essas escolas, três optaram pela mudança (CEF 1 do Núcleo Bandeirante, CED 1 do Itapoã e CEF 19 de Taguatinga) e duas a rejeitaram (CEF 407 de Samambaia e Gisno, na Asa Norte).
No entanto, apesar do resultado, Ibaneis Rocha decidiu, assim mesmo, implantar ação da gestão compartilhada nas duas escolas que a rejeitaram, alegando que a votação teve efeito apenas consultivo e não vinculante. Fica aqui a indagação: Se o resultado não seria considerado, qual o motivo da consulta?
No entanto, o episódio deixou clara a concepção de democracia, na qual o governo atual se ancora. Questionado quanto a esse fato, e a postura antidemocrática assumida, o governador afirmou: “Democracia foi no dia que me elegeram governador com mais de um milhão de votos. Me escolheram para poder fazer a mudança, mudar para melhor. Quem governa sou eu, os que estiverem insatisfeitos com a gestão compartilhada busquem a Justiça. Tenho certeza de que as melhorias virão” (Jornal Metrópoles, 18/08/2018).
Com essa decisão o governador deixou à mostra seu autoritarismo ao desconsiderar literalmente a Lei nº 4.751, de 7 de fevereiro de 2012, conhecida como Lei de Gestão Democrática, que prevê autonomia das unidades escolares sobre os aspectos administrativos, além de pedagógicos e financeiros. O Sindicato dos professores denunciou essa questão e alertou que as ditaduras são instrumentos autoritários de indivíduos oportunistas que têm projetos pessoais a serem implantados por meio de recursos públicos e de instituições públicas. A situação gerada pela forma impositiva do GDF deixou clara a incompreensão do conceito de liberdade como uma ação livre que supera e ultrapassa a vontade individual e os interesses particulares em prol da coletividade, da pluralidade e do bem comum.
A imposição da gestão compartilhada nas duas escolas despertou críticas de professores, estudantes, pais, parlamentares e instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Distrito Federal (OAB-DF), o Sindicato dos Professores do Distrito Federal (SINPRO) e da Câmara Legislativa (CLDF). Após essa críticas, o Governo do Distrito Federal (GDF) anunciou no dia 04/07/2019 a desistência de implantar a gestão compartilhada no Gisno, na 907 da Asa Norte, e a realização de nova consulta popular com a comunidade escolar do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 407 de Samambaia.
No vai e vem das políticas, entre decisões e recuos, a descredibilidade da comunidade em relação ao GDF só aumenta. Os sujeitos educativos perceberam que a consulta configurou-se em uma pseudoparticipação, ou seja: sou consultado, mas não sou ouvido. Prevaleceu, nessa situação, a imposição de padrão autoritário, por aqueles que julgam que, por terem sido legalmente eleitos, ter poder absoluto e controle sobre a sociedade. Como se diz em Ciência Política, o voto é uma condição necessária, mas não suficiente para que um sistema político seja democrático.
A partir do momento que os governantes optam pela imposição, eliminam as possibilidades de diálogo, cooperação, participação, direito e liberdade. Não se pode desconsiderar a educação como o processo desencadeante de novas formas de pensamento e de elevação do ser humano como agente de modificação da realidade. Democraticamente, o processo educativo não significa obediência à disciplina rígida nem o cumprimento cego de normas ou leis, os quais não fazem sentido para aqueles que a elas estão subjugados. Muito pelo contrário, medidas como as tomadas em relação à gestão compartilhada não têm nada de democráticas, mas sim de persuasão, visto que a liberdade individual parece estar à mercê da vontade do governante e vinculada a interesses alheios aos da comunidade.
O pensamento de Hannah Arendt (1906-1975), filósofa política alemã de origem judaica, uma das mais influentes do século XX, é mais atual do que pensamos e nos ajuda na análise da confusa situação política vigente. Para essa estudiosa, a democracia só existe onde fazem-se presentes o poder e a política. A partir do momento em que o poder e a política são substituídos pela força ou a violência, elimina-se qualquer possibilidade de existir uma cooperação, pois tais formas de dominação apenas propiciam o surgimento de meios autoritários que menosprezam a dimensão pedagógica da participação, da construção da autonomia e consciência política dos indivíduos, como forma de evitar um novo tipo de estado totalitário.
Parabens pelo artigo professora Silvia! Excelente analise.