Algumas das muitas lições deixadas por Ágatha Vitória

Algumas das muitas lições deixadas por Ágatha Vitória

Enílvia R. Morato Soares

A realidade nos tem mostrado que todas as vozes em defesa de um modelo social capaz de evitar violências como a que causou a morte de Ágatha Vitória não têm sido devidamente ouvidas, respeitadas, acatadas. A defesa de grupos menos favorecidos, seja em função da cor ou do sexo que possuem, da orientação sexual assumida ou da classe econômica a qual pertencem, tem sido negligenciada em proveito de argumentos que pregam a opressão e a brutalidade como meio de assegurar a segurança e a paz social.

Vidas ceifadas tão precocemente como é o caso de Ágatha, uma menina negra e pobre, ilustram o quão pode ser alto o preço que se paga pelo investimento em políticas pautadas na crença de que violência se combate com violência e ignoram o valor da educação emancipadora como possibilidade de contribuir na construção de caminhos que busquem banir os lamentáveis episódios que têm, com frequência, ocorrido.

Mesmo quando a educação escolar é tomada como foco de atenção, a solução encontrada para imprimir melhorias no trabalho pedagógico desenvolvido nesses espaços, especialmente nos públicos, se desvirtua de suas reais necessidades, apostando em medidas como o corte de recursos de instituições que não apresentam resultados esperados e a inserção de policiais militares em escolas para que, uma vez assegurada a disciplina, estaria também garantido o melhoramento da qualidade do ensino oferecido. A suposta linearidade presente na relação punição-progresso se pauta em argumentos meritocráticos que desconsideram as diferenças naturais e sociais dos sujeitos. Constitui, portanto, uma falsa conexão que incorpora injustiças porque fomenta desigualdades e, em decorrência, estimula a violência.

Defender que, em nome da proteção da sociedade, sujeitos com comportamentos considerados “antissociais” (SOUZA, 2013) sejam mortos ou, de alguma maneira, excluídos, nos remete à noção de eugenia preponderante no século XIX, porque reforça ideais de combate aos degenerados por meio de sua extinção e ou segregação, visando a seleção da população. Argumentos e práticas dessa natureza servem, ainda, para incitar a indignação, revolta e agressividade, uma vez que “grande parte do comportamento violento ou desrespeitoso dos indivíduos constitui reação à violência primeira” (BENELLI, 2014, pp. 99) que, de diferentes modos e meios, lhes foi infligida.

Esse cenário permite inferir que a morte de mais uma criança vítima de bala perdida resulta de crenças que desprezam a potencialidade de todos e todas para a conquista de aprendizagens que permitem compreender o mundo e integrá-lo, tornando-o mais equânime e justo. Investir em políticas voltadas à construção de uma educação com qualidade referenciada nos sujeitos sociais, opção que contraria o atual e faccioso modelo educativo e social pautado pela opressão, indica ser um importante ingrediente para a construção de uma sociedade mais justa e, em decorrência, menos violenta.

 

Referências:

BENELLI, Sílvio José. Entidades Assistenciais socioeducativas: A trama institucional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

SOUZA, Marco Antônio. Os Jovens Infratores e suas Leis numa Perspectiva Histórica. In: MOREIRA, Jaqueline de Oliveira; GUERRA, Andréa Maris Campos; SOUZA, Juliana Marcondes Pedrosa (orgs.). Diálogos com o Campo das Medidas Socioeducativas: conversando sobre a justiça, o cotidiano do trabalho e o adolescente. Curitiba: CRV, 2013b.

 

 

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