A pandemia e as aprendizagens não construídas

Enílvia Rocha Morato Soares

Parece consenso o reconhecimento quanto à gravidade dos diversos prejuízos decorrentes da crise da covid-19 e do consequente período de isolamento social adotado como meio de conter o acelerado contágio desse novo vírus. A educação não foi poupada. A suspensão de aulas presenciais suscitou diferentes análises contextuais seguidas, algumas vezes, de proposições visando minimizar as consequências negativas sobre o trabalho escolar público e privado. Não pretendo aqui reafirmar ou contestar qualquer uma delas, até porque o posicionamento do GEPA, já expresso neste espaço, contempla minhas percepções pessoais a esse respeito.

Atenho-me, aqui, a ponderar a sobre aprendizagens que, por não terem sido construídas ou construídas superficial e ou inadequadamente nos tempos pré-pandemia, dificultam, quando não impedem a concretude de iniciativas que serviriam agora para melhor lidar com o distanciamento físico na escolarização de jovens e crianças. Não se trata de “chorar o leite derramado”, mas de compreender que o atual momento só pode ser pensado a partir de uma realidade concreta pré-existente e que o reconhecimento da necessidade dessas aprendizagens pode contribuir para a melhoria do ensino escolar durante e depois da quarentena.

 O planejamento participativo do trabalho escolar desenvolvido no âmbito de toda a escola, e a avaliação que dele se faz ao longo de sua implementação, estão entre as aprendizagens que hoje se mostram frágeis, dificultando a implementação de medidas que poderiam contribuir para atenuar as adversidades que se impõem frente ao desafio de dar continuidade às atividades escolares. O destaque do projeto político-pedagógico (PPP) e da avaliação para fins de análise, justificado pelo curto espaço de discussão, não desconsidera, porém, o déficit de outras importantes aprendizagens, como as relacionadas ao trabalho colaborativo, à gestão democrática e ao currículo escolar.

Pensar o processo de escolarização por meio do ensino remoto descolado do que havia sido planejado pelo coletivo escolar para o ensino presencial pode estar constituindo obstáculo ao desenvolvimento das atividades escolares. Isso não significa que o PPP pensado para o trabalho presencial possa agora ser desenvolvido nos mesmos moldes. Mas também não significa que deva ser desconsiderado. É preciso lembrar que as ações previstas conjuntamente nesse documento se assentam em concepções e princípios que expressam o compromisso dos sujeitos envolvidos na construção da escola que se quer a partir da escola que se tem. Isso significa que o novo contexto de distanciamento social impõe revisões no projeto pensado para outra realidade, mas ainda norteadas pelo propósito de fazer efetivar a função social da escola por meio da definição de práticas educativas necessárias ao alcance de tal propósito.

A dinamicidade que caracteriza o PPP e permite repensá-lo sempre que necessário é viabilizada pela avaliação. Isso porque, diferente do documento puramente formal e estático que comumente se vê, o desafio do projeto institucional não se encerra na sua existência ou mesmo no seu desenvolvimento, mas compreende a sua permanente avaliação.  Caminhar rumo à consolidação de um trabalho escolar que ensine a todos não prescinde de um planejamento participativo consistente, porque coletiva e sistematicamente avaliado. A relevância de avaliações que permitam repensar e reconstruir o trabalho projetado a princípio se mostra indispensável, especialmente em momentos de grandes mudanças como o que estamos vivendo.

No entanto, são os processos avaliativos centrados no aluno que têm ganhado centralidade. Preocupações se voltam à necessidade de cumprir o calendário escolar para, daí, atribuir notas, aprovar ou reprovar. Pouco se fala em análise dos projetos escolares como meio de vislumbrar caminhos para adequação à nova realidade, sem perder de vista a imprescindibilidade de promover as aprendizagens de todos, mesmo que, nesse momento, não sejam elas necessariamente vinculadas aos conteúdos curriculares.

Não se nega a importância de diretrizes gerais para o encaminhamento dos trabalhos desenvolvidos em e por cada escola. No entanto, é a idealização de uma realidade consubstanciada em um projeto pedagógico colaborativo e em constante transformação que confere a cada instituição, mesmo que de modo relativo, a autonomia necessária para a tomada de decisões que apontem para um fazer pedagógico solidário e democrático, porque em consonância com suas particularidades.

Fica a esperança de que a insuficiência de aprendizagens, como as aqui apontadas, e outras tantas que obstam a democratização dos saberes escolares sirva de alerta para que busquemos consolidá-las com a maior brevidade possível.

 

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