A relação entre o avaliador e o avaliado: territórios de poder?

Por: Erisevelton Silva Lima (Professor e gestor escolar na SEEDF, formador credenciado pela ENFAM, Doutor em Educação pela Universidade de Brasília-UnB)[1]

A avaliação e o clima que se instaura em torno dela sempre foram alvos de críticas e receios quase sempre naturalizados por aqueles que avaliam. Enquanto isso, do outro lado da mesa, os sujeitos avaliados ficam expostos, indefesos e muitas vezes oprimidos por causa da relação verticalizada de poder demarcadora daquele instante e dos seus efeitos. Freitas (2009) nos lembra que a avaliação abre ou fecha portas, isso parece simples e natural, mas não é. O que evoco para esta discussão diz respeito à postura do avaliador que a meu ver será, sempre, uma questão ética (nem mais, nem menos). Por causa disso, trago para nossa reflexão a linha tênue que separa o sentido de autoridade da prática do autoritarismo quando o assunto é o poder que está implícito no ato de avaliar.

 Ao enfrentarmos o conceito estruturalista do poder trazido por Foucault (2008), nem minimizamos nem ampliamos os efeitos do que produz a avaliação. O professor e o aluno só o são na escola e nas suas dependências, onde as atividades são, quase sempre, demarcadas por datas, prazos e outros penduricalhos institucionais. A vida e seu cotidiano não só invertem os papéis, como destituem-nos deles; na verdade, inauguram outros nem sempre adornados pelo efeito do direito, da norma ou da regra. Mesmo assim, encarar a avaliação, seu uso e suas intencionalidades pode reverberar nas nossas maiores inquietudes no campo relacional da escola e das suas teias sutis quando o assunto é fazer obedecer. Atualmente, avaliar o avaliador ainda é terreno complexo e comprometedor sobre o qual paixões e disputas parecem não ter fim. Se a avaliação não pode ser um fim em si mesma, isto deveria valer para os sujeitos que avaliam, normalmente representados por chefes, professores ou alguma forma de autoridade, concordam?

A bem da verdade, ninguém coloca uma roupa nova e bonita e aguarda felicíssimo o momento de uma suposta avaliação, pode ser que após o resultado o faça, do contrário parece mais um rito de dor e sofrimento do qual não se pode fugir, caso queira transpor um estado ou condição. As mitologias nos trazem inúmeros exemplos do que pode acontecer com quem não corresponde ao desejo do avaliador ou perguntador, qual seja: decifra-me ou te devoro. As lógicas que invadem essa relação são inequívocas, representam poder e o uso que se pode fazer dele. A reprovação, em nosso caso, por mais “lógica” que seja, é a esfinge da vez e da hora. Não vamos discutir sua validade, apenas consideremos sua existência e o poder que dela emana. Arendt (2010), por exemplo, lembra-nos que a violência se converte numa estratégia ou metodologia que visa a garantia do domínio. E a escola, via de regra, usa de tal artefato para assegurar seus fins, se eles são bons ou ruins o tempo testemunhará. A esta altura alguns podem perguntar-me: poderia ser diferente? Poderia ser menos sofrida esta relação?

A resposta é sim, pode e deve ser diferente e menos sofrida. O avaliado não precisa ser exposto, o tratamento formal e informal que dispensamos pode e deve ser respeitoso. Os instrumentos não podem conter erros e armadilhas, as reais intenções e interesses dessa avaliação devem ser pautadas pela ética e pelo humanismo. Mesmo quando a avaliação se destina a selecionar pessoas para um cargo ou emprego, não precisa depreciar, diminuir ou expor os avaliados. Conduzir processos avaliativos de maneira acolhedora e transparente ajuda, inclusive, na aceitação dos resultados, quando nos sentimos injustiçados quanto à forma, dificilmente aceitaremos os resultados. Van Yperen (1998), em um estudo com profissionais da área de saúde, constatou que quanto mais baixos forem os níveis de informação e equidade dispensados aos sujeitos, maiores serão as incidências de estresse e exaustão emocional, seja no trabalho ou numa relação de poder, como ocorre com a avaliação. Por fim, o território, como bem definiu Santos (1996), não se impõe ou define pela materialidade de uma gleba ou cerca que o institui, são as relações simbólicas e as práticas materiais que legitimam certas apropriações. No caso da avaliação ou do uso que dela se faz, pode reificar os sujeitos transformando o campo do saber e do poder em “terrenos” áridos e instransponíveis. Se a escola existe para garantir as aprendizagens de todos, estaria o uso dos processos avaliativos na contramão da função social da escola? Respondam-me vocês.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

FREITAS, Luiz Carlos de (et al). Avaliação Educacional: caminhando pela contramão. Vozes, 2009.

FOUCAULT, Michel. Micro Física do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2008.

VAN YPEREN, N. W. (1998). Informational support, equity and burnout: The moderating effect of self-efficacy. Journal of Occupational and Organizational Psychology71, 29-33. 


[1] Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal – SEEDF, Escola Nacional de Aperfeiçoamento e Formação de Magistrados – ENFAM

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

três × quatro =