Aprovação, reprovação, recuperação e conselho de classe: orientações em tempos de pandemia

Enílvia Rocha Morato Soares

A Circular nº 262 – SEE/SUBEB, de 24 de novembro de 2020, elaborada com o propósito de apresentar aos profissionais que atuam nas escolas públicas do Distrito Federal (DF) orientações e informações com vistas ao encerramento do 2º semestre/ano letivo de 2020, parece desconsiderar importantes discussões e reflexões apresentadas em lives e produções escritas durante o isolamento social decorrente da crise do coronavírus, dentre elas as que tiveram como foco o papel do conselho de classe e a aprovação/reprovação em tempos de pandemia.

O documento resgata, inicialmente, o caráter deliberativo do conselho de classe nas decisões sobre aprovação, reprovação e avanço de estudos, conforme estabelecido no Regimento Escolar da SEEDF (2019). Destaca que, em decorrência de um replanejamento curricular que se encontra em processo de construção em Rede, o conselho de classe precisa rever os critérios adotados nos processos de avaliação, uma vez que as expectativas de aprendizagem para o ensino não presencial não devem ser as mesmas do ensino presencial, sempre tendo em vista a possibilidade de recuperação no ano letivo de 2021. A justa preocupação de evitar a reprovação e a evasão de estudantes parece, no entanto, distanciada da conquista permanente de aprendizagens que cabe à escola promover, se consideradas as orientações que se seguem.  

Entre as diferentes e majoritárias prescrições de cunho administrativo constantes no documento, as que tratam do preenchimento dos diários de classe recomendam “que a recuperação processual e contínua, com vistas a resgatar lacunas nas aprendizagens dos estudantes, deve ser considerada durante todo o processo e, em especial, no processo de Recuperação Final” (p 4).

A função formativa da avaliação, defendida em todos os documentos orientadores do trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas públicas do DF e por parte significativa dos profissionais que nelas atuam, como a que melhor atende ao propósito de viabilizar as aprendizagens de todos, altera as “práticas de recuperação” (GDF, 2014, p. 72), sejam elas realizadas ao longo do ano letivo ou ao seu final. Para que a recuperação de estudos se associe à avaliação formativa,

recomenda-se a realização de intervenções pedagógicas contínuas com todos os estudantes, sempre que suas necessidades de aprendizagem forem evidenciadas. Desse modo, o avanço das aprendizagens ocorrerá de forma tranquila, sem lacunas, sem tropeços e sem aligeiramento, de acordo com as condições de aprendizagem de cada estudante. (GDF, 2014-2016)

Villas Boas (2010) contribui para essa discussão afirmando que, enquanto a recuperação se limita a oportunizar a aprovação, as intervenções possibilitam, por meio de avaliações diagnósticas permanentes, constatar as necessidades de cada estudante e organizar os meios para manter em dia suas aprendizagens, o que condiz com os propósitos da avaliação formativa. Ainda segundo a autora, não é possível recuperar o que não foi aprendido, porque não se recupera algo que não ocorreu.

A necessidade de intervir, ao invés de recuperar, se fortalece, de modo especial, em tempos de ensino remoto, quando a tentativa de resgatar conhecimentos não aprendidos por um determinado período se torna ainda mais difícil. Isso porque a recuperação acontece em momentos pontuais e conta com um acúmulo de não aprendizagens, enquanto as intervenções acontecem assim que demandas são evidenciadas.      

            Nessa perspectiva, não cabe oferecer, em 2021, uma recuperação do que foi “perdido” e sim uma continuação das aprendizagens em curso nesse ano. Assegura-se, desse modo, a progressão curricular que alicerça a organização e o desenvolvimento do trabalho pedagógico,fazendo ruir a ideia de aprovar/reprovar em favor do aprender/progredir.

Esta é a concepção que fundamenta a progressão continuada das aprendizagens, princípio basilar da organização escolar em ciclos vivenciada em todas as escolas públicas do Distrito Federal que trabalham com estudantes do Ensino Fundamental, ou seja, na maior parte delas[1], constituindo um facilitador da organização dos trabalhos no próximo ano. No entanto, a organização em ciclos e a progressão continuada são citadas apenas uma vez no documento, com o intuito de orientar quanto à forma de preencher, no diário, o resultado final dos estudantes que cursam os anos escolares em que só são permitidas retenções em caso de excesso de faltas.

Fortalecer o poder deliberativo do conselho de classe requer, necessariamente, inseri-lo em uma concepção de avaliação formativa. Compreendê-lo como mecanismo de participação que permita assegurar a gestão democrática e promover a articulação entre os três níveis em que a avalição acontece (avaliação do desempenho dos estudantes pelo professor; avaliação do trabalho escolar e exames externos) é fundamental para que as análises que, nesse espaço acontecem, apontem intervenções que possibilitem o avanço contínuo de todos os estudantes. Esse é o papel da escola democrática, comprometida com as aprendizagens de todos.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Currículo em Movimento. Subsecretaria de Educação Básica. Brasília-DF, 2014.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Diretrizes de Avaliação Educacional – Aprendizagem, Institucional e em Larga Escala. Subsecretaria de Educação Básica. Brasília-DF, 2014-2016.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Regimento Escolar da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. Brasília-DF, 2019.

VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. Projeto de Intervenção na Escola: mantendo as aprendizagens em dia. Campinas-SP: Papirus, 2010.


[1] Segundo dados do Censo Escolar de 2019, o Distrito Federal possui 683 escolas públicas, sendo que 467 delas trabalham com turmas dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, 36 com o Ensino Médio e 63 com estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e com o Ensino Médio. Disponível em: http://www.educacao.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2019/07/2019_Cadastro_institui%C3%A7%C3%B5es_DF_completo_ago20.pdf. Acesso em 27 nov. 2020.

 

Uma resposta para “Aprovação, reprovação, recuperação e conselho de classe: orientações em tempos de pandemia”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

17 + 6 =