Podemos pensar a Avaliação Escolar como instrumento de Direitos Humanos?

Silvane Friebel

A avaliação escolar ocupa uma posição de destaque no processo educativo, ultrapassando sua função técnica de mensurar desempenhos acadêmicos para assumir um caráter político e ético. Nesse sentido, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), ela se relaciona diretamente com os direitos humanos, uma vez que o acesso a uma educação de qualidade, inclusiva e equitativa é um direito fundamental. Assim, compreender como a avaliação pode atuar como um mecanismo capaz de promover a justiça social e a dignidade humana no ambiente escolar a torna essencial para a construção de uma educação transformadora.

Entendida de forma tradicional, a avaliação tem sido frequentemente associada a práticas excludentes, centradas em notas e classificações. Como afirma Luckesi (2011, p. 37): “O nosso exercício pedagógico escolar é atravessado mais por uma pedagogia do exame do que por uma pedagogia do ensino/aprendizagem.” Essas abordagens, ao priorizarem exclusivamente os resultados e desconsiderarem os contextos diversos dos estudantes, podem perpetuar e até agravar as desigualdades existentes no sistema educacional. Estudantes que não se adequam aos padrões estabelecidos muitas vezes acabam marginalizados, em contradição com os princípios de equidade e inclusão que deveriam orientar as políticas educacionais.

Por outro lado, Hadji (2001) defende que a avaliação formativa e contínua possibilita um olhar mais amplo e sensível sobre o processo de aprendizagem, considerando o estudante em sua integralidade. Esse modelo valoriza o acompanhamento das dificuldades e potencialidades dos alunos, permitindo intervenções pedagógicas que os auxiliem na superação de barreiras e no alcance de seu pleno desenvolvimento. Assim, a avaliação deixa de ser apenas um momento de verificação de erros para se transformar em uma oportunidade de ressignificação e crescimento.

Ao reconhecer as diferentes realidades culturais, sociais e econômicas presentes na escola, a avaliação deve dialogar com a pluralidade que caracteriza a sociedade. É necessário enfrentar os desafios para promover uma educação intercultural com uma abordagem crítica e emancipadora, que valorize os direitos humanos e incorpore reflexões sobre igualdade e diversidade. “É imprescindível questionar o caráter monocultural e o etnocentrismo que, explícita ou implicitamente, estão presentes na escola e nas políticas educativas e impregnam os currículos escolares” (Candau, 2008, p.53).

Práticas avaliativas homogêneas, descontextualizadas e insensíveis às especificidades dos estudantes comprometem a inclusão e o direito à educação de qualidade. Para garantir uma formação integral que respeite as diferenças, é essencial adotar métodos que valorizem a diversidade, promovendo uma educação capaz de atender às necessidades individuais de cada estudante.

Entretanto, surgem desafios significativos, como a resistência de parte dos educadores e gestores em transformar o paradigma avaliativo. Essa transformação exige a transição de uma avaliação meramente classificatória e excludente para uma abordagem formativa e inclusiva. Nesse sentido, Villas Boas (2017, p. 157) destaca que “a avaliação formativa é o processo pelo qual são analisadas continuamente todas as atividades desenvolvidas pelos estudantes, para que eles e os professores identifiquem o que já foi aprendido e o que falta ser aprendido”.

O resultado dessa dualidade reflete-se na necessidade de minimizar ou eliminar a prática de classificações imediatas que reforçam desigualdades sociais e marginalizam aqueles que não se enquadram na monocultura e nos padrões impostos. Trata-se de oferecer ao estudante uma avaliação justa, alinhada com políticas públicas inclusivas, que assegurem tanto o acesso quanto a permanência de todos no sistema educacional.
Contudo, superar esses desafios exige um esforço coletivo para transformar a cultura escolar, criando condições que favoreçam o diálogo, a reflexão crítica e o compromisso com os princípios éticos que sustentam os direitos humanos. Essa transformação requer a construção de práticas avaliativas que valorizem a diversidade e promovam a equidade no ambiente educacional.

Entre as possibilidades para uma avaliação transformadora, destacam-se metodologias que valorizam a participação ativa dos estudantes, como portfólios, autoavaliações e avaliações diagnósticas. Essas estratégias não apenas diversificam os instrumentos avaliativos, mas também colocam o estudante no centro do processo, estimulando sua autonomia, criatividade e pensamento crítico. Mais do que medir conhecimentos, a avaliação deve ser um meio de empoderar os estudantes e promover sua emancipação como cidadãos plenos e participativos. Como destaca Demo (2023, p. 1): “Podemos avaliar para excluir, humilhar, condenar, bem como para cuidar.”

Com o objetivo de relacionar avaliação e direitos humanos, este texto busca identificar barreiras que limitam o acesso e a permanência dos estudantes no sistema educacional, além de apresentar práticas pedagógicas que promovam e respeitem a diversidade cultural, social e econômica. Dessa forma, a avaliação escolar deixa de ser apenas um mecanismo de mensuração para se tornar um meio de fomentar a equidade, assegurar oportunidades iguais e contribuir para a formação integral de cidadãos críticos e participativos.

Portanto, a avaliação escolar, quando planejada e implementada de maneira humanizada e inclusiva, possui o potencial de transformar não apenas o sistema educacional, mas também a realidade social. Ao valorizar os estudantes como protagonistas de sua própria aprendizagem e ao respeitar a diversidade de suas trajetórias, a escola desempenha seu papel como promotora de direitos humanos. Assim, contribui para a formação de indivíduos preparados para enfrentar os desafios de um mundo em constante transformação, alinhando-se aos princípios de uma educação verdadeiramente democrática.

Referências

CANDAU. Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação v. 13 n. 37 jan./abr. 2008

Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 23 nov. 2024.

DEMO, Pedro. Ensaio 931 – Avaliação (não) classificatória – Avaliar para cuidar. 2023. Disponível em: https://pedrodemo.blogspot.com/ Acesso em: 24 de nov. de 24.

HADJI, Charles. Avaliação Desmistificada. Porto Alegre: ARTMED Editora, 2001.

LUCKESI, Carlos Cipriano. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez, 2011.

VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas (org.) Avaliação: interações com o trabalho pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2017.

 

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