Benigna Maria de Freitas Villas Boas
Mestra, doutora e pós-doutora em educação
Coordenadora do grupo de pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA
Minha primeira atividade do ano de 2025 foi a leitura e análise do livro A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, escrito por Jonathan Haidt, professor na Stern School of Business, da Universidade de Nova York. O livro, já um best seller, foi escrito em 2024.
Esse livro conta a história da geração Z, nascida depois de 1995 e denominada pelo autor de geração ansiosa, a “primeira a passar pela puberdade com um portal no bolso, que os afastava das pessoas próximas e os atraía para um universo alternativo empolgante, viciante, instável e inadequado a crianças e adolescentes” (p. 15).
Os adolescentes dessa geração passavam muitas horas do seu dia navegando pelas publicações felizes e reluzentes de amigos, conhecidos e desconhecidos, conta o autor. Passavam muito menos tempo brincando, conversando, tendo contato com amigos e parentes, o que reduziu suas interações sociais.
Os membros dessa geração são considerados por Haidt cobaias de uma maneira radicalmente nova de crescer. Esse fenômeno é denominado por ele de Grande Reconfiguração da Infância, como se fosse a primeira geração a crescer em Marte (p. 15).
A Grande Reconfiguração não envolve apenas mudanças na tecnologia que moldaram os dias e a mente das crianças. O autor prossegue contando uma segunda história que eu deixo para leitura pelos que aqui me leem. Mas cabe adiantar que ao falar em “infância” baseada no brincar ou no celular ele usa o termo “infância” de forma ampla, incluindo tanto crianças quanto adolescentes.
O primeiro capítulo tem título forte: o aumento repentino do sofrimento. É assim denominado por apresentar informações impressionantes. Entre 2010 e 2015, a vida social dos adolescentes americanos foi amplamente transferida para smartphones com acesso contínuo a redes sociais e outras atividades da internet. O autor cita Sherry Turkle, professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts que, em 2015, assim escreveu sobre os smartphones: “Estamos sempre em outro lugar”. Haidt considera esse movimento como a Grande Reconfiguração da Infância, origem de transtornos mentais em adolescentes no início da década de 2010.
A primeira geração de americanos que entraram na puberdade com acesso a smartphones apresenta altos índices de ansiedade, depressão, automutilação e suicídio, segundo o autor. Esta é a geração Z, grupo de pessoas nascidas entre 1995 e 2010. Essa onda de transtornos atingiu mais as meninas do que os meninos e principalmente as pré-adolescentes, conforme relata Haidt. Além dos Estados Unidos, outros países foram afetados na mesma época, como o Reino Unido, o Canadá e outros da anglosfera e os cinco países nórdicos. Os países centrais da anglosfera são: Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia, Reino Unido.
Nenhuma outra teoria “conseguiu explicar por que os índices de ansiedade e depressão aumentaram entre adolescentes em tantos países ao mesmo tempo e da mesma maneira” (HAIDT, p. 59). Em seu livro ele se dedica a responder a seguinte pergunta: como exatamente a infância baseada no celular interfere no desenvolvimento infantil ou exacerba os transtornos mentais? Cabe relembrar: sua análise abrange a infância e a adolescência.
O brincar livremente é amplamente defendido pelo autor, para quem os erros, nessas situações, “não acarretam um custo elevado” (p. 67). O brincar livre é essencial para o desenvolvimento de habilidades sociais, como resolução de conflito e habilidades físicas. No entanto, a “infância baseada no brincar” foi substituída pela “infância baseada no celular”, com crianças e adolescentes transferindo sua vida social e seu tempo livre para dispositivos conectados à internet (p. 81).
Um dos pontos altos do livro é a sua parte III, que trata da “grande reconfiguração”: os prejuízos causados pela rápida mudança de celulares básicos para smartphones com internet banda larga, que “abriu muitos novos caminhos no cérebro da geração Z” (p. 138). São quatro os prejuízos essenciais: privação social, privação de sono, atenção fragmentada e vício.
Impressiona o relato de um universitário canadense:
A geração Z é um grupo de pessoas incrivelmente isoladas. Nossas amizades são rasas, os relacionamentos românticos são supérfluos e ambos são mediados e governados na grande medida pelas redes sociais . [ …] É fácil perceber que quase não existe um senso de comunidade no campus. Muitas vezes, chego mais cedo a uma aula e dou com trinta ou mais alunos sentados em completo silêncio, totalmente concentrados nos smartphones, com medo de falar e ser ouvidos pelos outros. Isso leva a ainda mais isolamento e um enfraquecimento da identidade e da confiança. Sei porque eu mesmo vivenciei isso (p. 147).
O autor aponta os principais motivos pelos quais as redes sociais têm sido especialmente prejudiciais para as meninas, incluindo a comparação social crônica e a agressão relacional. A sua maior vulnerabilidade é assim explicada pelo autor: são mais sensíveis à comparação social visual e mais perfeccionistas; o cyberbullying é mais acentuado entre elas; dividem mais suas emoções e dificuldades; estão mais sujeitas a predadores e assédio.
Quando meninos e meninas “trocaram os celulares comuns por smartphones sua vida social migrou ainda mais para a internet e sua saúde mental decaiu” (p. 229). Assim, a grande “reconfiguração da infância” afastou os jovens de suas comunidades no mundo real, incluindo a família, e criou um tipo de infância vivida em redes sociais múltiplas, que se modificam rapidamente. Isso resultou na ausência de normas e regras porque “moralidades estáveis e vinculantes não podem ser formadas quando tudo é um fluxo , incluindo os membros de sua rede de contatos” (p. 230).
Haidt recomenda que todas as escolas, do ensino básico ao médio, proíbam o uso do celular, para que a saúde mental dos estudantes e seu desempenho escolar não sejam prejudicados. Ele também aponta a necessidade de os governos estaduais e locais incentivarem o brincar livre e o intervalo nas escolas. Esta última necessidade é especialmente importante. Os estudantes precisam de ter um momento livre entre as aulas de diferentes componentes curriculares, para que possam descansar e conversar com seus pares. Também aos professores esses momentos são benéficos. O autor entende que “um recreio generoso deveria ser a regra para todo o ensino fundamental e deveria ser mantido mesmo no ensino médio” (p. 295). Ele é taxativo ao defender a ausência de celular em escolas do ensino fundamental e médio.
Ele se dirige aos pais afirmando que as redes sociais podem estar causando problemas aos seus filhos se: “seu uso interfere na rotina e nos compromissos diários, como escola, trabalho, amizades e atividades extracurriculares; seus filhos sentem uma forte necessidade de verificá-las; seus filhos mentem ou agem furtivamente para ficar on-line; seus filhos muitas vezes preferem as redes às interações presenciais; seu uso impede que seus filhos tenham pelo menos 8h de sono de qualidade por noite; seu uso impede que eles façam atividade física regularmente; continuam usando as redes mesmo depois de expressar o desejo de parar” (p. 319).
Aos professores o autor sugere: “se você não aguenta mais o caos social e os problemas em sala de aula causados pelos smartphones e as redes sociais, junte-se a outros professores. Fale com seus colegas e incentive os gestores escolares a reconsiderarem a política não apenas quanto a celulares, mas quanto a todos os dispositivos que permitem aos alunos trocarem mensagens ou verificarem as redes durante as aulas. Você não deveria ter de disputar a atenção dos alunos com toda a internet. Peça aos pais que apoiem a mudança” (p. 333).
Conclusão
Diante desse cenário catastrófico, Haidt afirma a necessidade de se tomarem providências imediatamente porque está em jogo não apenas o bem-estar de nossas crianças e jovens, mas de toda a sociedade e indica o que pais e escolas podem fazer para evitar danos psicológicos às crianças e jovens.
Trazendo o tema para o contexto brasileiro, nossas escolas precisam incluir em seus projetos político-pedagógicos os meios que afastem os estudantes do uso desenfreado dos smartfones, pelos prejuízos que têm produzido à saúde mental de crianças e jovens. Cabe-lhes promoverem discussões e rodas de conversa com os pais sobre os danos que vêm sendo causados por essa ferramenta. A escola é educadora e não pode ficar à margem desse problema. Nessa instituição os estudantes passam tempo considerável do seu dia, o que exige que suas atividades sejam cuidadosamente organizadas, de modo a desintoxicar um grupo e a impedir que o outro chegue a esse ponto, por meio de planejamento cuidadoso.
Outra forma de as escolas instituições agirem consiste em proporem deveres de casa que requeiram consulta a recursos variados, como livros, artigos, entrevistas com estudiosos sobre vários temas e pesquisas de vários tipos. Tudo de acordo com a idade e o curso em que os estudantes estão matriculados.
A mesmice do trabalho pedagógico escolar precisa ser substituída por uma dinâmica que integre crianças e jovens em atividades variadas, interessantes e desafiadoras, como a construção de portfólios, desenvolvimento de projetos, jornais e encenações teatrais. Desse modo, enquanto aprendem eles são avaliados e se avaliam e propõem novas tarefas. Aprendizagem e avaliação se completam. Cabe à escola e aos pais afastarem a geração ansiosa dos smartphones, substituindo-os por meios que não afetem sua saúde física e mental. O desafio está em evitar o abuso dessa ferramenta.
Haidt nos convoca à ação mostrando o que pais, professores, escolas, empresas de tecnologia e governos podem fazer para evitar danos psicológicos ainda mais profundos. Está em jogo o bem-estar de toda a sociedade, conclui o autor. A situação por ele apresentada obriga as escolas a reconfigurarem seu trabalho pedagógico para cumprir dois propósitos: aliviar a tensão dos estudantes já acometidos pela hiperconexão aos smartphones e evitar que o outro grupo de estudantes passe a sofrer do mesmo mal.
Referência
HAIDT, Jonathan. A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais. SP: Companhia das letras, 2024.