A CULTURA DA VALORIZAÇÃO DA NOTA E DO “PASSAR DE ANO”

A CULTURA DA VALORIZAÇÃO DA NOTA E DO “PASSAR DE ANO”

Opinião: Aulas-fantasmas

Todos pela Educação – 25 de novembro de 2015

“ONG vai denunciar casos de alunos que ganharam notas no boletim mesmo sem terem tido professores em algumas disciplinas”, afirma Antônio Gois

Fonte: O Globo (RJ)

 

“Estudei na instituição de ensino público escola estadual Zilton Bicudo [em Franco da Rocha-SP]. Não tive aulas, por mais de cinco meses, de ciências, geografia e português. Isto ocorreu nas séries 8ª, 7ª e 6ª. Neste ano [já em outra escola estadual paulista], ocorreu a greve e ficamos quatro meses sem aulas de biologia, história, física, química, educação física, geografia e inglês. Tive notas forjadas no boletim, pois os professores não queriam ter problemas.”

Carta de aluna de São Paulo

O relato acima foi colhido no sábado passado, por escrito, pelo Frei David Santos, fundador da ONG Educafro. De uma turma de 80 alunos num pré-vestibular comunitário, ao menos 12 relataram casos semelhantes e registraram por escrito cada caso. Veja outra carta semelhante aqui. São, quase sempre, histórias de alunos que passaram meses sem professores de algumas disciplinas, mas, mesmo assim, tiveram lançadas no boletim notas fictícias. O problema não é restrito a uma escola, nem ao estado de São Paulo. Um dos jovens estudou no Ceará, e contou a mesma história.

Tampouco é um problema novo. No final da década de 90, no estado do Rio de Janeiro, a mesma Educafro entrou com uma ação civil pública contra o governo estadual por causa de inúmeros alunos que estavam recebendo seus históricos escolares sem a nota de algumas disciplinas, constando apenas a sigla SP (Sem Professor). A ação da Educafro obrigou o governo a contratar, em caráter emergencial, 1.200 professores na época. A mesma ação foi tentada em São Paulo, mas o Ministério Público paulista não obteve os mesmos resultados.

No início do mês, na Califórnia, um grupo de estudantes de seis escolas públicas ganhou uma ação contra o governo do estado devido a um problema parecido. Eles denunciaram à Justiça que, em algumas aulas, ficaram apenas realizando tarefas burocráticas para a escola ou foram liberados para fazer o que bem entenderem, como navegar na internet ou conversar com os amigos. Ao investigar o caso, o próprio governo californiano admitiu que o problema era real, e não restrito apenas a essas escolas. Muitos estudantes, especialmente em áreas de baixa renda, estavam sendo alocados para classes em que não realizavam nenhuma atividade de aprendizagem. (leia uma reportagem sobre o assunto em inglês, aqui)

No Brasil, o direito básico de ter aulas (e sequer estamos falando aqui da qualidade delas) é desrespeitado por várias instâncias. A principal delas é, sem dúvida, o próprio poder público _alvo da futura ação da Educafro_ principalmente quando não oferece número suficiente de professores de todas as disciplinas. O cansaço e o estresse com as más condições de ensino (outra responsabilidade dos governos) e a alta indisciplina levam milhares de professores a se ausentarem da sala de aula por motivos de saúde, prejudicando mais uma vez os estudantes. Mas, no cotidiano de escolas públicas, também há relatos de professores sem compromisso com os jovens, que faltam com frequência, sem justificativa, e não repõem as aulas, mesmo após paralisações e greves. Dizer que essa prática é generalizada seria um desrespeito com tantos profissionais que se dedicam com afinco pela melhoria do ensino público, mas negar que ela existe é também ingênuo.

Num momento em que vários estudantes ocupam escolas em São Paulo para evitar seu fechamento, a Educafro pretende retomar também a luta pelo direito simplesmente de terem aulas.

 

 

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