A MILITARIZAÇÃO DE ESCOLAS EM NÍVEL NACIONAL
Enílvia R. Morato Soares
Venho, já há algum tempo, apresentando argumentos que contestam a política de militarização das escolas públicas implementada desde o início do ano no Distrito Federal. São reflexões que expressam grande preocupação com a educação oferecida em instituições escolares, cuja gestão é compartilhada com (ou seria conduzida por?) profissionais que não contam com o devido preparo para o desempenho de tal função.
Volto, agora, à discussão, com a inquietação ampliada diante do lançamento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, anunciado pelo governo federal no início do mês de setembro, que prevê a implementação desse modelo de organização escolar em 216 instituições de ensino públicas de diferentes localidades do país até o ano de 2023, sendo 54 por ano, a começar em 2020.
Considerando que entre as premissas do Programa está a contribuição para a melhoria do ambiente escolar por meio da redução dos índices de violência e, ainda, o argumento apresentado pelo presidente da república de que em escolas sob a tutela de militares há maior disciplina e, consequentemente, melhor qualidade do ensino, pode-se deduzir que os atuais dirigentes acreditam ser possível estancar um sangramento sem curar a ferida que o ocasiona.
Isso porque o necessário combate à violência que tem adentrado nossas escolas, dissociado de uma análise crítica da organização social que a comporta serve apenas para desviar olhares dos reais motivos que impulsionam condutas agressivas e promover a exclusão escolar e, quiçá, social, de muitos dos estudantes que assim se comportam. Aspectos que modificam os sujeitos conforme o contexto histórico, social, político e econômico que vivenciam são, assim, desconsiderados.
Insurge, nesse cenário, a necessidade de que a desigualdade socioeconômica que marca fortemente nossa sociedade, bem como os ideais neoliberais que a sustentam, acometendo situações de risco e marginalização social, sejam tomados como fatores motivadores de atos considerados violentos cometidos por parte de nossas crianças e adolescentes, inclusive no ambiente escolar. Entender que infâncias e adolescências respondem com violência as violências sociais a que são submetidas é fundamental a todo educador comprometido em acessibilizar a todos a educação que lhes é garantida por direito.
Ao reforçar o fato de que são escolas públicas e não privadas que estão sendo militarizadas, o sociólogo e educador espanhol Miguel Arroyo, em entrevista à Revista Carta Capital, nos alerta para o momento que estamos vivendo, de fortalecimento da busca pela criminalização das infâncias e adolescências populares. Segundo o autor, a ideia que sustenta a “política criminalizante dos pobres” é a mesma que defende o rebaixamento da idade penal. Nesse caso, crianças e adolescentes seriam enclausuradas ao invés de encaminhadas à escola. O que muda agora é que, ao invés de tirá-los das escolas, as próprias unidades escolares são postas sob o controle da policia, ou seja, passam a funcionar sob a lógica militar.
A democratização do acesso à escola púbica e dos conhecimentos que por meio dela são veiculados se vê, desse modo, seriamente ameaçada. Aprender/ensinar que desigualdades são naturais e devem ser aceitas com resignação é contribuir para a formação de sujeitos propensos à manutenção do atual modelo social, cujas classes que comporta se distinguem segundo o capital que acumulam, arcando com os benefícios ou prejuízos daí advindos.
A militarização das escolas públicas sinaliza, portanto, uma tentativa de conter os ainda insuficientes, mas importantes avanços conquistados em relação ao respeito às diversidades, minorias e ou aos menos privilegiados. Dar voz aos estudantes e autonomia aos professores para, juntos, buscarem alternativas de melhoria da qualidade do ensino constitui um deles e, hoje, possibilita a muitos deles posicionarem-se com criticidade diante da realidade, bem como contribuir para transformá-la. Além de potencializar preocupações, a extensão desse modelo para todo o país nos adverte para a grande responsabilidade que recai sobre cada um de nós empenhados na luta por uma educação verdadeiramente emancipadora e pela construção de uma sociedade mais justa. Não ao retrocesso. Sim à resistência.