Maria Susley Pereira
Com a aprovação unânime pelo Conselho de Educação do Distrito Federal e com a publicação da Portaria Nº 285 de 05 de dezembro de 2013, a educação no DF avança por meio da reorganização de sua estrutura nos primeiros anos da escolaridade. Esta nova organização baseia-se na intenção de acautelar as situações de exclusão, possibilitando que a permanência dos alunos na escola seja sustentada por um ensino que favoreça as aprendizagens de todos. Isso nos leva a refletir sobre questões que são importantes e até determinantes para se concretizar essa intenção. Vale, primeiramente, lembramos que já tivemos no Distrito Federal outras experiências com reorganização da escolaridade que intencionavam uma escola em ciclos: Fases e Etapas, Ciclo Básico de Alfabetização, Escola Candanga e, desde 2005, o Bloco Inicial de Alfabetização. Aprendemos com essas experiências e, cada uma com suas especificidades teóricas, epistemológicas, políticas e históricas, foi significativa para que hoje o DF pudesse vislumbrar a constituição de um sistema educacional democrático, não excludente e não seletivo.
No entanto, é preciso termos clareza de que uma escola estruturada na perspectiva de ciclos possui uma natureza complexa, não somente no que diz respeito à sua concepção, mas especialmente por exigir transformações na avaliação das aprendizagens, no sistema de ascensão dos alunos, no currículo, na didática, na organização social e física da escola e na formação permanente e continuada de todos os envolvidos no processo educativo. Sem deixar de mencionar a relevância que se impõe sobre a gestão – no âmbito macro (de sistema) e no âmbito da escola – para que a nova configuração não se reverta em “instável, frágil e marginal no sistema educacional” (MARTINS, 1997).
Essa instabilidade e essa fragilidade a que se refere o autor (Ibid.) podem ser afastadas dependendo da cautela que se dispensa a toda ação informativa e formativa desenvolvida pelos responsáveis pelos sistemas educativos. Em primeiro lugar, é intensamente importante que os documentos sejam precisos e claros quanto ao que se propõem a instituir. Mesmo em documentos legisladores, os artigos e incisos precisam trazer em seus textos, de forma objetiva, o que de fato se intenta implementar. Embora nenhuma mudança de concepção ou de prática educativa possa acontecer via decreto, é temeroso que estratégias e situações fundamentais para o sucesso de uma nova organização escolar não estejam definitivamente esclarecidos nesses documentos legisladores, pois é por meio deles e a partir deles que todas as orientações a posteriori decorrerão.
O Artigo 4º da Portaria Nº 285 de 05 de dezembro de 2013 diz
“Aprovar a promoção dos alunos, na forma que se segue: Primeiro Ciclo: Sem retenção; Segundo Ciclo: Ensino Fundamental 1, sendo: 1º Bloco: Bloco Inicial de Alfabetização – BIA. O processo de promoção escolar dos estudantes será concluído ao final do 3º ano do Bloco, com possibilidade de retenção; 2º Bloco: 4º e 5º anos. O processo de promoção escolar dos estudantes será concluído ao final do 5º ano, com possibilidade de retenção.” (Grifos meus).
(DISTRITO FEDERAL, 2013a).
Apenas apontar que em cada um dos ciclos há ou não “possibilidade de retenção” é pouco elucidativo, pode até ser fator de confusão, especialmente porque aparece no texto ao lado da palavra “promoção” que pode ser relacionada à expressão “promoção automática” (muito comum nas falas e queixas dos professores) e que ainda é colocada erroneamente como sinônimo de progressão continuada, a qual é a real intenção do ciclo e da nova estrutura da rede. Apesar de termos clareza de que se trata de uma redação particular desse tipo de documento, nada impediria que ele contivesse as estratégias que precisam ser consideradas inerentes à nova estrutura, como por exemplo dizer que somente após esgotadas todas as alternativas, garantidas por meio da realização e desenvolvimento das estratégias pedagógicas que envolvem toda a escola, projetos interventivos, etc., inclusive os conselhos de classe para analisar cada situação e buscar soluções, é que haveria ou não a retenção. Isso porque não se trata apenas dessas duas possibilidades para que se viva uma escola em ciclos e, considerando que tal documento é encaminhado a diversos segmentos da sociedade, os quais provavelmente não terão acesso a outras orientações, é fundamental que se esclareça de que maneira a não reprovação ocorre no novo formato da escola.
Observamos que há pouco material que discuta e aprofunde as bases e os fundamentos de uma escola organizada em ciclos, por isso a necessidade emergente de que se garanta em todo e qualquer documento o máximo de informações que viabilizem o bom entendimento e sinalizem as possibilidades de sua efetivação.
Outra forma de atenção para se evitar a instabilidade e a fragilidade discutida por Martins (1997) deve ser empreendida na formação permanente e continuada de todos aqueles que estarão envolvidos na nova estrutura com a intenção de aclarar, ampliar saberes que envolvam a relação integralizadora, movimentada e viva entre avaliação, em todas as suas dimensões, currículo e didática nos processos de ensino e de aprendizagens a fim de facilitar e viabilizar que se efetivem contextos não somente para questionar e reinventar práticas pedagógicas, mas também para instaurar outra configuração de espaços e de tempos escolares, bem como novas relações entre os pares na organização de toda a escola.
Referências:
DISTRITO FEDERAL. Portaria nº 285, de 5 de dezembro de 2013. Regulamenta o Projeto de Organização Escolar em Ciclos para as Aprendizagens na Educação Infantil e Ensino Fundamental Anos iniciais. Diário Oficial do DF, Seção 01, 09/12/2013. Brasília-DF, 2013a.
DISTRITO FEDERAL. Parecer nº 225/2013-CEDF. Aprova o Projeto de Organização Escolar em Ciclos para as Aprendizagens na Educação Infantil e Ensino Fundamental Anos iniciais. Brasília-DF, 2013.
MARTINS, J. de S. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997.