Enílvia R. Morato Soares
A função formativa da avaliação, já sinalizada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional[1] – LDBEN – (BRASIL, 1996) e em grande parte dos documentos oficiais, tem se incorporado cada vez mais e com maior ênfase aos discursos docentes. No entanto, o desejo de pôr em prática uma avaliação formativa se esbarra, para muitos deles, na dificuldade que encontram de se desvencilharem do uso da prova para conhecerem as condições de aprendizagem dos estudantes. Já em 2001, Moretto denunciava que a prova costumava ser percebida pelos professores como “monstro”, “entulho da educação”, “atraso pedagógico” e “algoz dos estudantes” (p. 9), levando muitos deles a uma crise ética, dada a culpa que sentiam por utilizarem esse instrumento para avaliar seus alunos.
Tendo em vista que muitos professores não vislumbravam (e continuam não vislumbrando) alternativas de substituição da prova por outro(s) instrumento(s) avaliativo(s), vivenciam o conflito gerado pela distância entre o difundido, o pretendido e o realizado.
A utilização da prova não inviabiliza, porém, uma prática avaliativa formativa, desde que observadas determinadas condições quanto à sua elaboração, aplicação e uso das informações que produz.
“A prova, assim como todo processo avaliativo, está aliançada com os objetivos educacionais” (DIAS, 2019, p. 134). Por isso, sua elaboração exige a definição dos objetivos que podem ser avaliados por meio desse instrumento e a seleção daqueles que nortearão sua construção.
A qualidade das questões propostas é outro aspecto para o qual o professor deve atentar-se. Para Méndez (2002, p. 117), “se realmente pretendemos desenvolver a inteligência, é necessário fazer perguntas que a estimulem, e não a paralisem ou a limitem a tarefas que não exigem reflexão, tarefas de repetição e de memória sem sentido ou, o que é pior, a esclerosem”. Em atendimento a esse propósito, Dias (2019, p. 135) propõe o uso de questões contextualizadas, apontando as situações-problema como caminho, por possibilitar “ao estudante a retomada de seus conhecimentos, constituídos no processo de escolarização, para aplicá-los em práticas sociais de uso”. A autora complementa afirmando que a prova deve permitir ao estudante “o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e autônomo […], o que exige perguntas que provoquem a reflexão e ativem a imaginação” (DIAS, 2019, p. 136).
Vale lembrar, entretanto, que, mesmo quando cuidadosamente elaborada, a prova possui limitações que colocam em risco seu uso na perspectiva formativa. Um deles é não possibilitar avaliar a apropriação de parte das habilidades requeridas para a formação integral dos estudantes, o que exige que seus resultados sejam analisados junto aos obtidos por meio de outros instrumentos e procedimentos de avaliação.
Outro fator capaz de comprometer o uso da prova como instrumento avaliativo diz respeito ao fato de que, por ser ela comumente aplicada em um determinado local e horário (algumas escolas chegam a destinar uma semana especialmente para isso), está sujeita a vicissitudes, incluindo o estado emocional dos estudantes. Um ambiente acolhedor, solidário e livre de ameaças e punições pode minimizar os impactos negativos oriundos de tensões geradas pela prova, canalizando-a no sentido formativo.
Nessa direção, os resultados alcançados por meio da prova devem servir tanto ao professor quanto ao estudante, que contarão com informações que, associadas às demais, permitirão conhecer o que já foi aprendido e o que ainda será preciso aprender; bem como pensar caminhos para avançar rumo ao alcance dos objetivos previamente estabelecidos. A análise dos resultados alcançados (que, desse modo, não são inalteráveis) ou o feedback, constitui valioso recurso para o acompanhamento e a promoção de melhorias no desempenho de professores e estudantes. É, portanto, indissociável de um processo avaliativo formativo.
Referências
MÉNDEZ, Juan Manoel Álvarez. Avaliar para conhecer, examinar para excluir. Trad. Magda Schwartzhaupt Chaves. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.
DIAS, Elisângela T. Gomes. A prova a serviço da Aprendizagem. In.: Villas Boas (org.). Conversas sobre avaliação. Campinas, SP: Papirus, 2019.
MORETTO, Vasco Pedro. Prova:um momento privilegiado de estudo, não um acerto de contas. Rio de Janeiro: Lamparina, 2001.
[1] Uma avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais é um dos critérios que, segundo a LDBEN 9394/96, devem ser observados para a verificação do rendimento escolar.