A quem interessa o desmantelamento da Universidade Pública?
Profa. Dra. Sílvia Lúcia Soares
A crise na educação não é uma crise, mas um projeto das elites, afirmou Darcy Ribeiro, antropólogo, escritor e político, em 1977, em uma palestra por ele intitulada: “Sobre o óbvio”, proferida na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC. Para ele a universidade é o pilar da formação humana e constitui-se em lócus do intelectual público, de grande importância no processo historio-evolutivo de uma sociedade. É, portanto, um local de excelência de produção e difusão do conhecimento científico.
Retrocessos ocorrem em relação a essa concepção ampla da universidade. Infelizmente, no cenário das políticas atuais, não é dessa forma que ela tem sido compreendida, percebida e tratada. Pelo contrário, tem sido maltratada, paulatinamente desmantelada e bombardeada por críticas infundadas e tendenciosas que buscam desmerecê-la como patrimônio do espaço público de formação.
Na perspectiva da desconstrução da universidade, corta-se orçamento, inviabilizam-se as atividades institucionais, contingenciam-se 30% de suas verbas, suspendem-se 5.613 dos benefícios voltados para o mestrado, doutorado e pós-doutorado. Nesse movimento, a construção e divulgação do conhecimento são banalizadas e a pesquisa é desprezada como canal de diálogo crítico com a realidade e de elaboração própria de intervenção nessa realidade. Com isso, alunos, professores e técnicos administrativos sentem-se desvalorizados e desmotivados, sem perspectivas futuras de utilização social dos resultados de seus estudos.
Para além do cenário interno, externamente, com intuito de obter a adesão da comunidade a medidas tão severas, autoritárias e equivocadas, são alardeadas diversas informações e opiniões, cujo ponto em comum é a visão distorcida da universidade, alegando ser ali um espaço de balbúrdia, de pouco estudo e de gasto desmedido do dinheiro do contribuinte.
Como prova do sucateamento de desmonte da universidade pública, podemos citar a reportagem divulgada pela Folha de São Paulo, no domingo, dia 09/09/2019, sob o título” Com cortes nas federais, salas de aula ficam sem luz e restaurante perde bifes”. Nela, os colaboradores Júlia Barbo; João Pedro Pitombo; João Valadares narram fatos desoladores, tais como: na Universidade Federal de Santa Catarina em Florianópolis – (UFSC, o bife foi trocado por picadinho, o filé de frango passou a ser desfiado e alguns alimentos sumiram do cardápio. Situação similar é vivenciado em outros campi, tais como: Curitiba, Joinville e Blumenau. Ainda na UFSC, o maior evento de divulgação científica – Semana de Ensino e Extensão (Sepex), criado em 2001, foi cancelado pela primeira vez por falta de verba.
Em Minas Gerais, uma professora da UFMG está comprando com recursos próprios os camundongos e insumos para manter ativado o laboratório de Microbiota. Nessa universidade a limpeza está limitada apenas ao recolhimento do lixo. A Federal do Rio Grande do Sul- (UFRGS) está com as contas de luz atrasadas e cerca de 300 funcionários terceirizados de vigilância e limpeza foram dispensados. Na Universidade do Rio de Janeiro – (UFRJ), as bolsas estão asseguradas só até dezembro e haverá corte na equipe de auxiliares de processamento de dados. Esses são alguns casos, pois além das universidades citadas, outras também apresentam problemas de funcionamento e manutenção: Universidade Federal Fluminense- (UFF); Universidade Federal da Bahia – (UFBA); Universidade Federal de Mato Grosso – (UFMT); Universidade Federal do Paraná – (UFPR); entre outras. Frente a esse quadro, o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, anuncia que vem tentando junto ao Ministério da Economia, o aumento das verbas das universidades públicas. Na verdade, as decisões políticas contra a universidade pública levaram o rio a secar e agora querem reverter o processo a conta-gotas.
Mas…. Qual a proposta do governo frente à situação calamitosa da universidade públicas?
Em meio a esse contexto, o Ministério da Educação (MEC) lança o projeto “Future-se” que mais parece “Retroceda-se”. Com ele, as intenções políticas deslocam os direitos públicos para a ótica do lucro e do mercado e da privatização iminente do ensino superior no Brasil. Ancoradas na falácia da adesão opcional, as universidades, devido às condições em que se encontram com o contingenciamento, ou seja, congelamento de recursos públicos a ela destinados, sentem-se coagidas a se submeterem às condições impostas no projeto. No entanto, percebe-se nas intencionalidades apresentadas e defendidas pelo MEC que o Estado está se desobrigando, cada vez mais, de sua responsabilidade histórica ao mesmo tempo que vem privilegiando os interesses do mercado e da privatização. Tal fato pode ser observado na proposta de que as universidades públicas busquem seus próprios recursos junto à iniciativa privada, deixando de depender tanto do poder público. Um prato cheio para iniciativa privada que vê nas instituições públicas uma grande oportunidade de investimento.
Há que se lutar pela sobrevivência da universidade pública, visto ser este um espaço de confronto de ideias divergentes, de diálogo entre os contrários e de resistência ao pensamento único. É um lócus universal constituído de pluralidade e diversidade. A educação é um direito universal de contraponto a projetos hegemônicos de sociedade onde prevalecem ideias e conteúdos que contribuem para a construção de uma sociedade mais justa e includente. Sendo assim, depois da análise realizada, cabe a reflexão: a quem interessa o desmonte e os ataques à forma pública de gratuidade no conteúdo da universidade pública?