JC Notícias – 04/08/2023
Nesta editoria especial do JC Notícias, deixamos claras a preocupação com a adoção de conteúdo 100% digital nas escolas de SP e a defesa dos livros nas mãos de quem quer e precisa aprender, mas também propomos uma conversa sobre como seria possível incluir as tecnologias em sala de aula de modo que elas ampliem oportunidades de aprendizado, sem limitar, excluir ou condenar o já tão prejudicado sistema de educação pública
A decisão do Secretário de Educação do Estado de São Paulo, Renato Feder, de abandonar o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para alunos do 6º ao 9º ano em favor do uso exclusivo de conteúdos digitais a partir de 2024 é motivo de grande preocupação na comunidade acadêmica.
Primeiramente, não se compreende qual o critério do governo estadual para tomar tal decisão que perturba uma série de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, uma vez que o programa do MEC é financiado inteiramente com verba federal. Ou seja, não é um problema de falta de dinheiro.
Segundo, há um risco de conflito de interesse que deverá ser investigado: Feder foi membro efetivo do conselho de administração de uma empresa de informática que, segundo levantamento feito pelo site Metrópoles a partir de dados da Secretaria da Fazenda, é fornecedora do governo Paulista de longa data, e em 2021 faturou quase R$190 milhões com a venda de tablets e notebooks para a Secretaria da Educação – a pasta que hoje é comandada por ele.
Terceiro, e isso de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), não existem ainda evidências robustas o suficiente sobre a contribuição da tecnologia digital na educação. No Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023, intitulado “A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?“, a Unesco alerta que grande parte dessas poucas evidências são produzidas pelas empresas que querem vender essas tecnologias.
O documento aponta também que a presença de equipamentos eletrônicos nas salas de aula prejudica a aprendizagem e a concentração dos estudantes, além de atrapalhar a gestão dos professores, porque cria obstáculos na interação com os alunos na condução das aulas. Dados de avaliações internacionais, como o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA), sugerem que o simples fato de um aparelho celular estar próximo aos estudantes já é suficiente para causar distrações e impactar negativamente o processo de aprendizagem, acrescenta a Unesco em seu relatório.
A Suécia é um exemplo. A introdução indiscriminada de recursos digitais em sala de aula fez com que o desempenho dos estudantes despencasse no Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS), exame internacional que avalia o desempenho em leitura dos(as) estudantes. Preocupado com a possível formação de analfabetos funcionais, o país suspendeu seu projeto de digitalização do ensino.
Quarto, todas as experiências estão indicando que é necessária uma transição do analógico ao digital. Não se substitui uma tecnologia por outra, de um momento para o outro, sem se saber muito bem dos resultados. Uma invenção que tem pelo menos 2 mil anos, que é o livro, em formato de códice, substituindo o formato de rolo, adotado na Antiguidade, é extremamente eficiente, além de ser um objeto fácil de manusear. Acresce que o manuseio do livro, como objeto físico, inclusive com a possibilidade de riscá-lo, ou rasgá-lo, faz parte do aprendizado da criança em relação à leitura, fundamental para a formação dela como sujeito de conhecimento.
Ao adotar exclusivamente conteúdos digitais, o Estado de São Paulo corre o risco de tolher o potencial dos estudantes e aprofunda ainda mais as desigualdades educacionais. Além de todas as questões sobre a importância da relação com os livros para o desenvolvimento criativo e intelectual dos jovens, a medida adotada ainda deixa para trás milhares de crianças que não têm acesso à tecnologia em suas casas ou que pertencem a comunidades com recursos limitados.
Nesta editoria especial do JC Notícias, deixamos clara nossa apreensão quanto a tal medida e nossa posição em defesa dos livros nas mãos de quem quer e precisa aprender, mas também propomos uma conversa sobre como seria possível incluir as tecnologias em sala de aula de modo que elas ampliem oportunidades de aprendizado, sem limitar, excluir ou condenar o já tão prejudicado sistema de educação pública.
Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC