AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Erisevelton Silva Lima

Doutor em Educação pela Universidade de Brasília – UnB

 

A sociedade, de maneira geral, parece estar cada vez mais preocupada com a criança, contudo negligencia quanto ao espaço-tempo da infância. Se a primeira é biológica e diz respeito aos elementos da vida humana e de todos os efeitos intra e extracorpóreos, a segunda é fruto da construção social que é histórica e temporal. Para Tedesco (2001), a infância tem sido cada vez mais abreviada em razão da perda da ingenuidade, aponta elementos como a TV e a internet na aceleração desses processos. Por sua vez, cumpre esclarecer que a sociedade passou e passa por transformações que se tornam mais complexas na medida em que migramos de uma sociedade agrária para outra industrial e, não por acaso, transitamos na época atual pela denominada sociedade do conhecimento. De uma forma breve e contingencial tais mudanças se deram, sobretudo, no modo de produção e nas implicações sobre as interações humanas, modificadas drasticamente pelo valor dos produtos e dos serviços que impulsionam as economias. Nesse ínterim, famílias inteiras se transformaram por meio de uma metamorfose social a qual denomino de imperativo da adaptação ao consumo. Nossas crianças e suas parcas infâncias estão isoladas, ora pelo apelo consumista e normativo, ora pelas ausências dos seus familiares cada vez mais coagidos em nome de certo padrão de consumo. Discutir avaliação em meio a esse terreno requer parcimônia e tolerância quanto ao que ainda se compreende sobre o que é aprender, ensinar e avaliar, afinal não se pode separá-los.

Antes que os saudosistas iniciem suas cogitações equivocadas, cumpre lembrar o que Ariés (1978) destacou quanto ao fato de que na idade média as crianças perdiam a infância por volta dos sete ou oito anos de idade e que, pasmem, começavam suas vidas sexuais bem mais cedo que as crianças de hoje, também eram submetidas aos trabalhos e rotinas dos adultos na mesma proporção. Como ainda não é possível mexer no passado para alterar-lhe, resta-nos o presente que nos convida para que reflitamos sobre o papel da escola e da avaliação para que cumpramos a função social desta instituição.

Aos familiares o controle sobre o que as crianças assistem, acessam ou consomem é quase impossível, em meio aos instrumentos tecnológicos ou digitais que imensa maioria possui. Restam-nos outras estratégias mais eficientes que tentar vigiar para punir, dialogar sobre. Devemos, todavia, estimular sempre a pergunta e compreender melhor a lógica utilizada pela criança para sua elaboração. De certa forma a pergunta infantil tem como base uma lógica também infantil. Compreender tal lógica é melhor que se apressar em responder sem ingressar no labirinto de percepções que as crianças possuem. Então vai a dica, pergunte sobre a pergunta, problematize-a para que, de repente, o próprio elaborador conclua e ou faça inferências.

Não por acaso, na educação infantil, percebemos forte influência da avaliação informal (FREITAS et al, 2009). É ela que produz e reproduz juízos de valores que emitimos uns sobre os outros na escola. Cumpre retomar que seu uso pode ser formativo ou classificatório. A avaliação informal, produzida na escola, geralmente se faz em face dos comportamentos ditos aceitáveis ou inaceitáveis chancelados pelos adultos. As crianças da educação infantil estão mais expostas a essa modalidade avaliativa do que as das outras etapas e modalidades da educação básica em função do maior tempo de convivência com seus professores e seus pares, o que propicia  grande  vínculo afetivo. Jean Piaget (1973) nos lembra que as etapas de desenvolvimento da consciência moral são fontes importantes para a compreensão da ação humana, seja na escola, família e ou trabalho. Tais etapas revelam as formas  como se comportam e agem os sujeitos na sociedade. A anomia, heteronomia, socionomia e a autonomia são importantes fases humanas, contudo não se manifestam, igualmente, quanto ao período etário ou cronológico para todos os aprendizes. A primeira diz respeito ao agir pela dor e ou pelo prazer, a outra revela a capacidade humana de cumprir as normas sociais quando ameaçado ou intimidado por outro ser, geralmente um adulto, na terceira o princípio da alteridade começa a se fazer presente e a criança não faz ao colega aquilo que não gostaria que fosse feito com ela e, por fim, a capacidade de auto-regulação e automonitoramento do sujeito social no contexto em que estiver inserido compreendendo que é um ser de direitos, mas também, de deveres para consigo e seus contemporâneos.

A forma como a escola avalia está direta ou indiretamente ligada ao reforço que faz sobre as etapas anteriormente apresentadas. A avaliação precisa ser formativa, isso quer dizer que a mesma precisa encorajar, dar retorno, estimular e conduzir os escolares sob um clima propício ao diálogo e a autoavaliação (LIMA, 2012).

A autoavaliação não tem sido bem conduzida nas escolas, até se confunde com autonotação (VILLAS BOAS, 2008). A criança ou qualquer estudante para se autoavaliar precisa conhecer os critérios a que está sendo submetido. A avaliação não acelera processos, ela os qualifica, retroalimenta e reorienta. Assim utilizada, caminha no sentido da avaliação formativa. Colocar-se diante de processos que estimulam as crianças para que verbalizem suas impressões, sentimentos e percepções é, sem dúvida, forte elemento curricular produtivo para educação desses meninos e dessas meninas que precisam ser encantados por esta organização secular pouco atrativa, a escola.

As escolas não podem se eximir de dialogar com os familiares, explicar-lhes, ouvi-los, inseri-los de fato e de direito nos assuntos da avaliação, do currículo e dos processos mentais que envolvem as aprendizagens. O dever, mais que solidário, tornou-se próprio e legítimo porque aprender e ensinar são faces de uma mesma moeda chamada escola e família. O diálogo sobre a avaliação que pode se tornar outro momento de avaliação precisa ser pautado pela utilização da ética e do bom senso, cuidar do que fala, do como se fala e com quem se fala é um bom começo. Iniciar conversa com as famílias e com os estudantes, apenas sob o clima da cobrança, da raiva e ou da catarse represada pelas agonias que passamos no cotidiano pode ser mais prejudicial que útil. Iniciemos uma diálogo avaliativo apresentando o que há de positivo, produtivo e construtivo. Deixemos as críticas para o segundo momento e com elas apresentemos sugestões, igualmente positivas para que todos compreendam que nosso critério e finalidade se ancoram nas aprendizagens e, sobretudo, na crença de que todos são capazes de aprender.

Por fim, ao produzir registros ou relatórios na educação infantil, procuremos discorrer sobre o que a criança aprendeu, o que ela ainda não aprendeu, o que foi realizado para que ela aprendesse e o que ainda pode ser feito para garantir-lhe as aprendizagens. Nesse percurso, o currículo é nosso ponto de partida e de chegada.

REFERÊNCIAS

ARIÉS, Philippe.  História social da criança e da família. 2ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara: 1973. p. 279.

FREITAS, Luiz Carlos et al. Avaliação educacional: caminhando na contramão. Ed. Vozes, RJ. 2009.

LIMA, Erisevelton Silva.  O diretor e as avaliações praticadas na escola. Kiron, Brasília- DF, 2012.

PIAGET, Jean. Le Judgement Moral Chez L’Enfant, Paris, Franc Presses Universitaires, 1973.

TEDESCO, Juan Carlos. O Novo pacto educativo. Ed Ática-SP, 2001.

VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. Virando a escola do avesso por meio da avaliação, Papirus, 2008.

 

 

3 respostas para “AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL”

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