QUAIS SERÃO OS IMPACTOS PARA O CAMPO DA AVALIAÇÃO?

‘Educador precisa ter inteligência emocional’, diz Ana Maria Diniz

Marcus Leoni/Folhapress
Ana Maria Diniz, responsável pelo braço social da família Diniz

FÁBIO TAKAHASHI PAULO SALDAÑA Folha de SÃO PAULO

16/05/2016 02h00

  • Uma turma com 51 pessoas, entre professores, diretores, arquitetos e executivos de empresas, começou neste ano a primeira pós-graduação para educadores voltada a desenvolver as habilidades socioemocionais. “Deixamos o leque aberto para os alunos, para incentivar um caldo diverso de discussão. Tem executivo, arquitetos e 50% são educadores. Demos sete bolsas para educadores da rede pública”, explica Ana Maria Diniz, presidente do conselho do Instituto Península, braço social dos negócios da família (antiga dona do Pão de Açúcar) e instituição mantenedora do Singularidades. Ainda não há previsão para uma nova turma, mas a ideia é que ele inspire uma disciplina na graduação dos cursos de formação de professores do Singularidades. * As habilidades socioemocionais para as crianças são muito discutidas, mas ninguém fala dessas habilidades nos adultos. A gente tem experiências pequenas, pílulas. Os elementos que compõem o currículo vieram de inspirações que pegamos de muitos lugares. Mas colocar junto esse currículo, dessa forma, foi iniciativa nossa. É uma inovação de conceito.
  • MUDANÇA/ IMPACTO A resiliência, por exemplo, é uma habilidade unânime. A criança que que não consegue resolver um problema de matemática e desiste sem dúvida fica para trás.
  • FAMÍLIA EQUILÍBRIO
  • Sou contra fazer o pêndulo cair para o outro lado e só pensarmos no socioemocional. Se o aluno tiver resiliência e se relacionar, ele está pronto pra vida? Não. Tem que saber matemática, ser bem alfabetizado, conhecer os conteúdos de história, geografia, saber em que país a gente vive. O conhecimento é fundamental.
  • Está comprovado que a família é peça chave dessa equação. No movimento Todos Pela Educação, estou envolvida em um programa voltado para a família, que mostra que há coisas que a família pode fazer para valorizar a educação. As crianças podem ter centenas de problemas em casa, mas a melhor coisa que o professor tem a fazer é ensinar. Todo professor tem que ter um papel carinhoso, mas cuidar menos dos problemas da criança. Ensinar é a coisa mais valiosa no tempo em que ela está na escola. Porque isso ele pode levar para casa e usar para transformar a realidade.
  • E a relação com o professor tem papel importante em evitar essa desistência. Ele tem que ser uma referência para que o aluno não se ache burro ou acredite que não consegue. Se não conseguiu, vamos tentar de outro jeito. O professor é a peça chave para construir o que queremos. Não dá para colocar tudo na mão dele, mas ele tem uma carga importante de responsabilidade. Temos que acreditar que toda criança pode aprender, temos que criar essa cultura.
  • A gente quer que o educador saia do curso querendo mudar o mundo, elevar a educação brasileira a outro patamar. Acho que teremos 51 pontas de lança para fazer esse trabalho. Já existem pesquisas que comprovam o impacto de uma criança com habilidades socioemocionais desenvolvidas.
  • O educador precisa ter inteligência emocional para exercer sua função com tranquilidade, principalmente porque o papel de professor está mudando muito. Ele passa do senhor do conhecimento para o cara que facilita o conteúdo, ajuda na trilha de aprendizado. E ele precisa estar seguro disso, ter conhecimento sobre si próprio.
  • Estou aprendendo e vejo que os projetos que dão certo são baseados em uma necessidade pessoal. Eu fui buscar um pouco na minha história de vida, na minha busca por autoconhecimento. E então chamei vários especialistas para ajudar a pensar esse curso –e ele passou a ser desse grupo. Tem psicólogo, neurocientista, gente de consultoria, da área de Recursos Humanos, pedagogo, sociólogo, filósofo.
  • INOVAÇÃO
  • Além disso, o objetivo é colocar em escala a proposta do curso. “Não só para fazer mais uma edição, mas levar para o Brasil, para outras praças. Precisaremos de algum componente on-line, híbrido, mas dá para adaptar esse currículo de forma bacana, com qualidade”. Leia abaixo o que ela diz sobre alguns temas.
  • Com dois anos de duração, o curso vai abordar tipos de personalidade, neurociência, o papel do educador no século 21 e inovações no mundo da educação. “Nesse último módulo, a ideia é fazer uma excursão para onde estão fazendo educação inovadora de verdade, mostrar referências. Queremos instrumentalizar esse educador”, afirma.
  • Ao se formarem no curso ministrado pelo Instituto Singularidades, faculdade especializada em formação de professores, sairão com o título de especialistas em Formação Integral: Autoconhecimento, Habilidades Socioemocionais e Práticas Educacionais Inovadoras.

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS EM QUESTÃO

RJ: habilidades socioemocionais em questão

Carlos Eduardo Rodrigues defendeu sua dissertação de mestrado com o título: AS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS COMO A NOVA FÊNIX DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA? no Centro de Ciências Humanas e Sociais da UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO, sob orientação de Claudia Fernandes.  Abaixo segue o resumo do trabalho.

 “Estamos vivenciando um período marcado por novas narrativas sobre o que conta como “boa” educação (BALL e MAINARDES, 2011). Nesse contexto, sob a insígnia da “renovação”, as habilidades socioemocionais ou não-cognitivas – aquelas que designam os comportamentos, as atitudes e as características de personalidade que não estariam diretamente ligadas ao domínio das disciplinas escolares – têm sido defendidas como a solução para trazer à educação o que lhe estaria faltando. A importância que se tem atribuído às habilidades socioemocionais pode ser evidenciada através da recente iniciativa da OCDE de encomendar ao Instituto Ayrton Senna (IAS) a confecção de um instrumento de avaliação em larga escala que fosse capaz de aferir essas habilidades. A avaliação desenvolvida, aplicada a estudantes da rede pública do Rio de Janeiro, pretendeu medir conscienciosidade, amabilidade, estabilidade emocional, abertura a novas experiências e extroversão. Movidos por uma profunda desconfiança de que fosse possível mensurar aspectos tão complexos por meio de uma avaliação em larga escala, propusemo-nos a investigar por que, por meio de que atores e com base em que argumentos tem se pretendido institucionalizar no Brasil a avaliação em larga escala das habilidades socioemocionais dos alunos. Tratar do tema avaliação em larga escala obrigou-nos a reconhecer que estávamos diante de um fenômeno complexo, marcado por ambiguidades, contradições e disputas ideológicas. Adotamos, pois, como arcabouço teórico-metodológico a Análise do Discurso de linha francesa e, mais especificamente, a proposta de Charaudeau (2014), pois que esta enfatiza o caráter intersubjetivo da linguagem, reconhecendo-a como o espaço do debate e do embate. A análise de nosso corpus, composto basicamente por relatórios e pela transcrição de dois vídeos, permitiu-nos afirmar que a OCDE, o principal desses atores, tem orientado sua atuação através dos três mecanismos de governança apontados por Jakobi e Martens (2010): a produção de ideias, a avaliação de políticas e a geração de dados; e por meio de pelo menos dois dos modos de governança concebidos Woodward (2009), quais sejam o cognitivo – que passa pela circulação de ideias – e o normativo – observável a partir do compartilhamento de um conjunto de valores. Para legitimar seus anseios em relação ao desenvolvimento tanto das habilidades socioemocionais nos jovens quanto de um instrumento para aferi-las, a OCDE convocou o Professor James Heckman – o qual manteve certa independência de posição – e alguns outros atores que se apresentaram apenas como reprodutores da visão da OCDE, dentre os quais mencionamos o IAS, os ministros da educação de diversos países e, em especial, o MEC do Brasil. Esse projeto de governança educacional global tem se assentado nas expectativas do que o mercado de trabalho vem definindo como perfil desejado para os indivíduos que emprega e no anseio de instituir formas de controle para assegurar que tais expectativas sejam atendidas. Nesse contexto comprometido com os interesses do mercado de trabalho, os quais não se confundem com os propósitos democráticos da educação, o suposto “renascimento” que as habilidades socioemocionais poderiam representar não contemplam uma verdadeira renovação, mas antes representam permanência, manutenção.”

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