Enílvia Rocha Morato Soares
Para além do aumento de 1,5% no número de matrículas na maioria das etapas de ensino (mais incisivamente na rede privada), retornando aos patamares observados até antes da pandemia de covid-19, o Censo Escolar de 2022 revelou que as taxas de aprovação dos estudantes também começam a voltar aos índices do período pré-pandêmico. As taxas de 2021 (já que o censo foi coletado em maio de 2022) caíram em todas as etapas em relação a 2020: de 98,5% para 97,6% nos anos iniciais do Ensino Fundamental; de 97,8% para 95,7% nos anos finais; e de 95% para 90,8% no Ensino Médio.
Isso porque durante o fechamento das escolas, por orientação do Conselho Nacional de Educação (CNE), ao final de 2020 os estudantes foram promovidos automaticamente, adiando a conclusão do ano letivo escolar. O objetivo de tal medida foi não punir crianças e adolescentes, uma vez que muitos deles vivenciavam processos de luto e ou de falta de acesso a direitos. Destacam-se, nesse cenário, as difíceis condições de vida e a falta de acesso adequado à internet para uma enorme parcela dos estudantes (Instituto de Pesquisa Aplicada [Ipea], 2020)[1], o que dificultou o acesso às atividades pedagógicas e causou a redução inevitável da qualidade do ensino decorrente, entre outras coisas, da falta de interação com o professor, colegas, materiais e espaços adequados para o estudo. Medida considerada, portanto, justa e necessária.
No entanto, o diagnóstico de volta às taxas de aprovação anteriores à pandemia, ou seja, a redução do número de estudantes aprovados e o consequente aumento de reprovados indica uma normalidade da reprovação. É como se, em tempos regulares, reprovar fosse uma prática natural, implícita ao trabalho pedagógico. A lógica seriada que pautou a organização da “escola ocidental, moderna e, especificamente, a escola brasileira” (FERNANDES, 2014, p. 116) pode estar na base da “cultura da repetência” (Idem), obstaculizando caminhos rumo à construção de uma escola de e para todos.
Discussões que tomam como foco a aprovação e a reprovação costumam secundarizar o que de fato cabe à escola: viabilizar acesso às aprendizagens necessárias à formação integral de todos os estudantes. Reprovação não significa incapacidade para seguir avançando nos estudos, assim como aprovação não denota que os estudantes aprenderam e estão prontos para prosseguirem em seu processo de aprendizagem. Reprovação não constitui punição aos que não conseguiram aprender em um tempo predeterminado tudo o que havia sido previsto, assim como aprovação não é um meio de compensar os estudantes por privações de diferentes naturezas.
Nem aprovar, nem reprovar. Nosso compromisso é com as aprendizagens. As taxas de aprovação e reprovação, ainda uma realidade em muitas de nossas escolas, podem, no máximo, juntas às demais informações construídas junto aos estudantes e demais profissionais da escola, referenciar reflexões e a tomada de decisões sobre os rumos do trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula e em toda a escola.
A volta ao ensino presencial oportunizou o convívio diário com os estudantes, tão importante para o acompanhamento de seus avanços, para que tenham atendidas suas necessidades e se providenciem os meios para a continuidade das suas aprendizagens, cada um à sua maneira e ao seu tempo. É a avaliação formativa em ação, possibilitando o atendimento imediato às demandas de cada estudante e seu contínuo progresso. É a essa centralidade da avaliação que nos referimos quando insistentemente, destacamos sua importância no trabalho pedagógico.
Referências
Brasil. (2020). Nota Técnica nº 88 Acesso Domiciliar à Internet e Ensino Remoto Durante a Pandemia. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10228/1/NT_88_Disoc_AcesDomInternEnsinoRemoPandemia.pdf Acesso em: 09 fev 2023.
FERNANDES, Claudia de Oliveira. Por que avaliar as aprendizagens é tão importante? In.: FERNANDES, Claudia de Oliveira (Org.). Avaliação as Aprendizagens: sua relação com o papel social da escola. São Paulo: Cortez, 2014.
[1] A Nota Técnica nº 88 Acesso Domiciliar à Internet e Ensino Remoto Durante a Pandemia (Ipea, 2020) atesta que, no Brasil, cerca de 6 milhões de estudantes, desde a pré-escola até a pós-graduação, não têm acesso à internet banda larga ou 3G/4G em casa. Desse total, 5,8 milhões são alunos de instituições públicas de ensino.