Benigna Maria de Freitas Villas Boas
No texto do dia 07/07/2013 comentei reportagem do Correio Braziliense do dia 05/07/2013 que afirmava o seguinte: “Suspensa desde fevereiro deste ano por decisão judicial, a nova organização curricular por ciclos de aprendizagem, para o ensino fundamental, e, em semestralidade, para o ensino médio, pode gerar prejuízo aos cofres públicos. Começa a valer em 10 dias a decisão da justiça de cobrar multa de R$10 mil caso qualquer instituição de ensino mantenha o sistema sugerido pelo governo no início deste ano”. A ação foi movida pelo Ministério Público do DF e dos Territórios por meio da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação. Depois de longas deliberações, a decisão foi proferida pela 5ª Vara de Fazenda Pública do DF.
Reportagem do Correio Braziliense de 19 de julho de 2013 declara: “O impasse continua. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e a Secretaria de Educação se reuniram ontem para firmar um acordo sobre a implantação dos ciclos no ensino fundamental e da semestralidade no ensino médio, mas questões como prazos para o treinamento de professores e discussão com a sociedade adiaram mais uma vez o consenso acerca dos métodos”. Não houve acordo porque “era para definir a continuidade do novo currículo mediante o cumprimento de cláusulas, mas alguns prazos que colocamos deverão passar pelo procurador-geral do DF, Marcelo Augusto da Cunha, afirmou a titular da Proeduc, Márcia Pereira da Rocha”. Diante disso, nova discussão “entre as partes ficou para a semana que vem”. Lamentável que um tema de natureza pedagógica seja levado à justiça.
Reportagem do Jornal de Brasília do dia 17 de julho de 2013, com o título “Decisão da justiça ignorada”, afirma: “na metodologia dos ciclos, duas ou mais séries são reunidas para que a avaliação do aluno se faça ao fim do período, evitando, assim, reprovação entre uma etapa e outra”. Afirmações desse tipo, sem compromisso com a verdade, são perniciosas porque os leitores dos jornais as incorporam. A reportagem comete dois enganos. O primeiro se refere ao fato de os ciclos “reunirem” duas ou mais séries. Não é isso que justifica a sua adoção. Os ciclos constituem uma maneira flexível de organização da escolaridade levando em conta a conquista das aprendizagens pelos estudantes. A flexibilidade e a conquista das aprendizagens são conceitos-chave nessa sistemática de trabalho. A flexibilidade se revela na compreensão dos tempos e espaços escolares. O texto publicado neste blog no dia 22/02/2013, com o título “Séries ou ciclos”, aborda este tema.
O segundo engano diz respeito à avaliação que, mesmo no regime seriado, não deve ocorrer ao final de determinado período: é um processo diário pelo qual o professor constata o que cada estudante aprendeu e o que AINDA não aprendeu para que possa promover as intervenções necessárias o mais rapidamente possível. Além disso, o trabalho com ciclos tem o propósito de promover as aprendizagens de cada estudante sem traumas, interrupções, repetições e lacunas. A palavra-chave é aprendizagem. Como decorrência, a reprovação deixa de existir. Para isso é preciso mudar o jeito da escola, o que é um processo lento, gradativo e de construção por todos os que dela fazem parte. Para que seja viável e duradouro, esse processo deve transcorrer com serenidade e sem disputas político-partidárias. Isso ainda falta acontecer no DF.
Quando se discute a organização da escolaridade em ciclos, o primeiro componente do trabalho escolar a ser questionado é a avaliação. Por esse motivo ela necessita ser muito bem compreendida por ser a norteadora de todo o processo. Quem não se lembra do seu tempo de escola? No primeiro dia de aula todos os estudantes queriam saber (e os de hoje ainda querem) quantas, quando e como seriam as provas. Este sempre foi o entendimento de avaliação que não mais faz sentido diante das exigências do mundo do trabalho e da formação que o cidadão hoje deseja.
A batalha travada entre o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e a Secretaria de Educação está exaltando os ânimos dos docentes, tirando a tranquilidade que o trabalho escolar requer e criando condições para que a imprensa divulgue informações erradas e incompletas.
Além dos equívocos disseminados em relação aos ciclos e ao processo de avaliação, a questão da formação docente parece que também não está sendo compreendida. A implementação de uma forma de organização escolar diferenciada certamente passa pela formação docente, mas esta não se dá de maneira estanque. A definição de um prazo para “treinar” os professores desconsidera todo o investimento feito há anos na formação continuada. Destaco que os professores dos Anos Iniciais, por exemplo, dispõem de cursos de formação desde a implantação do Bloco Inicial de Alfabetização em 2005. Ademais, os professores da secretaria de Educação do DF conquistaram a coordenação coletiva, que ocorre semanalmente, sendo este um espaço também para formação. Entretanto, não há como desconsiderar que as descontinuidades na gestão da SEDF nos últimos anos, somada a falta de um sistema brasileiro de educação, favoreceram este cenário. E a consequência é grave: a desvalorização da escola pública.
A questão da desvalorização da escola pública é séria. No momento em que se disseminam ações para melhorar a qualidade do seu trabalho, no país, de modo geral, por outro lado, fatos como os que têm ocorrido no DF contribuem para a desqualificação do trabalho docente e a desvalorização dessa escola junto à comunidade. Parece-me que os professores não estão percebendo isso. Sérios desacertos!
O fato é que os equívocos acerca dos ciclos e semestralidade disseminados pela mídia e agora MPDFT estão contagiando e desmotivando profissionais nas Regionais de Ensino da SEDF que implantaram de forma corajosa e audaciosa essa política educacional por priorizar a aprendizagem e não a reprovação. Com certeza enfrentamos muitas resistências e incompreensões fundadas pelo senso comum, mas temos presenciado que quando o coletivo da escola compreende e percebe que uma organização escolar diferenciada da seriada, realmente promove aprendizagens, todos os envolvidos vivenciam experiências e conquistas significativas que associadas à prática da avaliação formativa contribuem para o sucesso escolar dos estudantes.
As ações das escolas voltadas para a melhoria do seu trabalho precisam ser divulgadas. É preciso combater as ideias contrárias à atualização do trabalho pedagógico, principalmente as que vêm dos que não são educadores profissionais.