Benigna Maria de Freitas Villas Boas – mbboas@terra.com.br
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas com pós-doutoramento em Educação pelo Instituto de Educação da Universidade de Londres
O título acima é o mesmo de uma reportagem do Correio Braziliense de 05/07/2013. “Suspensa desde fevereiro deste ano por decisão judicial, a nova organização curricular por ciclos de aprendizagem, para o ensino fundamental, e, em semestralidade, para o ensino médio, pode gerar prejuízo aos cofres públicos. Começa a valer em 10 dias a decisão da justiça de cobrar multa de R$10 mil caso qualquer instituição de ensino mantenha o sistema sugerido pelo governo no início deste ano”, diz a reportagem. A ação foi movida pelo Ministério Público do DF e dos Territórios por meio da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação. Depois de longas deliberações, a decisão foi proferida pela 5ª Vara de Fazenda Pública do DF.
É lamentável que uma iniciativa de caráter pedagógico seja levada à justiça. É incompreensível que o descumprimento da decisão da justiça, neste caso, tenha como pena o pagamento de multa em dinheiro. De onde retirá-lo? Dos recursos da educação? Em termos educacionais, o que tal ato significa? Que aprendizagem nossas crianças, nossos jovens, seus pais e seus professores podem retirar dessa atitude judicial? A Promotoria de Justiça de Defesa da Educação atua em defesa de quem? Cabe ressaltar que as escolas não estariam implantando “nova organização curricular”, mas dando continuidade à que vem sendo adotada desde 2005 nos três primeiros anos do ensino fundamental. Esse fato não foi levado em conta.
Segundo a reportagem, “no plano inicial do governo, o Currículo em Movimento da Educação Básica extinguia o ensino seriado até o 5º ano. A intenção era implantar o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA), que ia até a 3ª série desde 2005, para os dois anos subsequentes. Logo, os estudantes só estariam passíveis de reprovação em provas realizadas no 3º e no 5º ano”. Esta explicação do jornal presta um desserviço à educação e à comunidade. Em primeiro lugar, o objetivo da organização curricular em ciclos não é eliminar a reprovação, mas promover as aprendizagens de todos os estudantes. Para isso a escola busca meios de eles prosseguirem seus estudos sem interrupções, sem lacunas e sem percalços, organizando seu trabalho de tal forma que não fiquem presos à mesma turma durante todo o ano letivo. É um novo jeito de organizar o trabalho escolar. Pôr em destaque a reprovação quando se discute a organização da escolaridade em ciclos é uma demonstração de falta de entendimento desse tema. Em segundo lugar, a aprovação ou reprovação não é decidida pelos resultados de provas, mas por meio do processo avaliativo desenvolvido ao longo do ano letivo. Mesmo no regime seriado é este o entendimento de avaliação, que não pode ser confundida com provas. Estas podem integrar o processo.
O regime seriado esgotou-se: não mais atende às necessidades sociais e educacionais. Sempre contribuiu para a exclusão dos estudantes do sistema escolar porque não esteve voltado para a conquista das aprendizagens por todos eles. No momento em que as universidades abrem suas portas por meio do sistema de cotas e de outros meios que facilitem a entrada de todos os interessados, a educação básica é convocada a rever seu modo de trabalhar e de tratar os alunos.
Todos os envolvidos na situação descrita cometeram equívocos: a Secretaria de Educação do DF, o Conselho de Educação do DF, o Sindicato de Professores e o Ministério Público. Um dos equívocos da Secretaria de Educação do DF foi a decisão de implantação do regime de semestralidade no ensino médio ao mesmo tempo em que pretendia expandir a organização da escolaridade em ciclos. As duas iniciativas se confundiram e uma enfraqueceu a outra. Faltou ao Conselho de Educação do DF, como “órgão consultivo-normativo de deliberação coletiva e de assessoramento superior à Secretaria de Educação do DF” (segundo seu regimento), dar-lhe suporte para que, juntos, formulassem compreensão aprofundada sobre o trabalho na escola em ciclos. Sessões de debates poderiam ter criado o clima favorável que o momento e a situação requeriam. Um dos equívocos do Sindicato de Professores parece ter sido o de colocar os docentes contra o plano da Secretaria de Educação, em vez de procurar entender a proposta governamental. Tudo isso parece ter contribuído para que o Ministério Público do DF e dos Territórios movesse a ação contra a Secretaria de Educação. Em lugar de união de esforços e de diálogo em busca do oferecimento de educação de qualidade, criaram-se disputas e distanciamentos. Consequentemente, os perdedores foram os estudantes: foi-lhes negada a oportunidade de serem os protagonistas de uma organização escolar que poderia ser sua aliada. Em nenhum momento eles foram mencionados. Lamentável! Quais serão os próximos capítulos da novela?
É lamentável que a sociedade não veja o obvio: A seriação é o caminho da exclusão e do fracasso e os ciclos nos traz a esperança de oferecermos uma educação de qualidade e não excludente para aqueles que são o futuro da Nação…
“Eles” sabem disso!!!!
Só não querem criar os” MONSTROS” !!!
Vanessa Paula
Professora da SEEDF
Professora Vanessa, desconstruir a escola seriada e construir a que promova as aprendizagens de todos os estudantes requerem um árduo trabalho colaborativo. Nessa empreitada a universidade e a escola de educação básica devem ser parceiras.
A crítica ficou perfeita. Acrescento a discussão que os profissionais das escolas também saem enfraquecidos. Afinal, somente as escolas que aderiram a proposta de ciclo e semestralidade fizeram alteração no seu projeto político-pedagógico. A partir do momento em que decisões coletivas são totalmente desconsideradas e desrespeitadas, todos saem perdendo. E, com isso, a escola pública está cada vez mais desvalorizada. É realmente lamentável!
Profa. Benigna, penso que foi certeira nas análises mas gentil ao dar o nome de “equívoco” a todos as arbitrariedades cometidas pelo Conselho de Educação, pela SEDF e pelo SINPRO nesse processo de ampliação dos ciclos e implantação da semestralidade. Acredito que estejam em jogo interesses que superem o propósito de oferecer a todos os estudantes a oportunidade de permanecer e aprender na escola. Como disse bem a Elisângela: é mesmo lamentável!
Enílvia, como afirmei ao responder o comentário da professora Cristina, parece-me que a categoria precisa se fundamentar teoricamente para enfrentar situações como as que presenciamos na última semana. Os professores precisam ter fortes argumentos para combater as interferências externas à escola.
Benigna Villas Boas