Como a avaliação escolar pode fomentar uma educação antirracista?

Helder Gomes Rodrigues

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

Nesse dia 20 de novembro em que refletimos sobre os processos históricos e sociais que envolvem o racismo em nosso país, começamos este texto com os versos de Conceição Evaristo que revelam uma realidade de discriminação, submissão e segregação. Eles denunciam um passado de escravidão, de exclusão e falta de oportunidades, deixam claro ainda uma triste realidade que ainda nos rodeia: o racismo camuflado e entranhado em nossa sociedade.

Nesse contexto, em que o racismo estrutural se apresenta vivo e atuante, faz-se necessário pensar sobre a escola e suas práticas e como elas podem ser significativas para romper ou atenuar preconceitos e discriminações.

Dentre as práticas escolares, a avaliação é, por excelência, o componente da organização do trabalho pedagógico que apresenta um alto  poder de inclusão ou exclusão.

 A avaliação formativa pode ter grande potencial na construção de uma cultura escolar antirracista na busca pela superação do racismo estrutural instaurado na sociedade. É fato que o acesso à educação pela população negra aumentou nos últimos anos, o que é um grande avanço, mas precisamos pensar também na permanência e se as práticas educacionais dentro dos ambientes escolares são inclusivas e propiciam a permanência dos estudantes

Avaliar precisa ser um ato amoroso ( Luckesi, 1995 ) ou seja, uma ação de acolhimento, acompanhamento e de assessoria irrestrita por parte dos professores a todos os estudantes. Precisa ser uma avaliação que tem como referência o próprio estudante, suas conquistas e avanços, uma vez que a comparação de um estudante com o outro não é benéfica nem do ponto de vista para a construção das aprendizagens, muito menos no aspecto social.

A avaliação formativa é mais que uma função da avaliação, ela é uma concepção e portanto um posicionamento político no qual incluir é a palavra chave e não há como incluir sem combater qualquer forma de discriminação, desigualdade e injustiça social. Avaliar nessa perspectiva é avaliar para a emancipação e compreensão da realidade e dos problemas sociais que nos rodeiam. A avaliação formativa tem portanto, compromisso em olhar para as raízes das desigualdades raciais e superá-las.

Avaliar para as aprendizagens é pensar em todos, em condições iguais, é encarar que as diferenças humanas nos enriquecem enquanto humanos e não podem ser usadas para nos separar ou para que ninguém se sinta superior ou inferior pelo simples fato de ser quem é. Nesse sentido, a avaliação formativa pode se valer das avaliações informais sempre para beneficiar os envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem e nunca para rotular, massacrar ou excluir, seja pela cor da pele ou qualquer outra diferença ou pluralismo consubstancial à natureza humana. A avaliação não pode distanciar-se de sua função de melhoria qualitativa do trabalho escolar, pois do contrário constitui-se meio de legitimação da desigualdade e incentivo à meritocracia.

Ao situarmos a avaliação em um contexto histórico e social é clara a intenção de que se busca uma avaliação que almeja contribuir, por meio de suas práticas inclusivas, para uma sociedade mais igualitária, que almeja superar e reparar as exclusões que há anos vêm sendo praticadas e normalizadas. Freitas (2002) assevera que a batalha pela educação e pela equidade não é uma tarefa fácil e não pode ser consequentemente travada sem o apoio de amplos movimentos sociais emancipatórios que questionem radicalmente as bases das relações de exploração vigentes.

É na vivência da prática includente da avaliação, da essência da avaliação formativa, em que as pessoas se sentem acolhidas, que se espera a formação de cidadãos que irão acolher sem discriminação e que não aceitarão os subterfúgios que a sociedade, de maneira estrutural e sistemática, utiliza para excluir, marginalizar e discriminar as pessoas.

Nessa semana em que se celebra o dia da consciência negra, mais que nunca anelamos que o racismo se torne passado e que a avaliação formativa, e consequentemente, a educação escolar sejam inclusivas e antirracistas e que estejam vivas no presente e no futuro.

EVARISTO, Conceição. Poemas da recordação e outros movimentos. 3. ed. Rio de Janeiro: Malê, 2017, p. 24-25)

FREITAS, Luiz Carlos de. A internalização da exclusão. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 299-325, sept. 2002. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302002008000015

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez, 1995.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

2 × 5 =