JC Notícias – 02/02/2024
Após seis anos, Conferência Nacional de Educação volta para trazer a sociedade civil aos debates das políticas educacionais; SBPC participou da realização em diversas frentes e defendeu a integração entre ensino e ciência
Realizada no decorrer da semana, em Brasília, a Conferência Nacional de Educação (Conae) contou com cinco dias de programação para debater o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que dará as diretrizes para as políticas públicas educacionais a serem realizadas entre 2024 e 2034. Segundo especialistas ligados à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a retomada da Conae, após seis anos, reforça que não é possível falar de Educação sem a participação da sociedade.
“Desde 2018 não eram realizadas Conferências Nacionais de Educação, o que mostra o descaso dos governos Temer e Bolsonaro para com a Educação. A retomada dessa conferência, no atual governo, significou um grande salto em direção à democracia nas decisões sobre políticas públicas para educação. Basta lembrar que esta Conae 2024 foi antecedida por conferências municipais e estaduais de Educação”, explica o professor Eduardo Mortimer, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), mais de 200 entidades estiveram envolvidas nas discussões para a elaboração do novo PNE. A pasta ministerial criou um texto base com determinados eixos, frentes de ação do Governo Federal, e os estados e municípios trouxeram as suas percepções acerca desses temas.
“Os sete eixos podem ser assim resumidos: 1) Proposição de um Sistema Nacional de Educação (SNE), que promoverá ações integradas e intersetoriais, em regime de colaboração interfederativa; 2) A garantia ao direito de todas as pessoas à educação de qualidade social; 3) Educação, direitos humanos, inclusão e diversidade; 4) Gestão democrática e educação de qualidade; 5) Valorização dos profissionais de educação; 6) Financiamento Público da educação; e 7) Educação Comprometida com a justiça social, a proteção da biodiversidade o desenvolvimento socioambiental sustentável”, complementa Mortimer.
Para a socióloga Helena Singer, o diferencial da realização do novo Plano Nacional de Educação com a edição anterior é, exatamente, enxergar o papel social da educação, principalmente caracterizado no 7º eixo temático.
“A grande novidade é o último eixo, inexistente no PNE aprovado dez anos atrás, que vislumbra um país com justiça social, a proteção da biodiversidade e uma vida com qualidade para todos. Revela o substancial aprendizado coletivo pelo qual o País passou na última década. Este projeto de educação é muito diferente daquele que, até o momento, tem produzido um país profundamente marcado pela degradação socioambiental, desigualdade e autoritarismo. Trata-se de uma educação transformadora, que possibilita a produção técnico-científica e a inovação, mas numa perspectiva humanista, inclusiva e solidária, que preserva os recursos naturais e valoriza o patrimônio sociocultural do Brasil.”
Construção democrática
A SBPC participou ativamente da Conae, inclusive coordenando um dos temas em debate. É o que explicou a diretora da entidade e professora emérita da Universidade de Brasília, Fernanda Sobral:
“A participação da SBPC na Conae se deu de várias formas: pela minha participação na organização da Conferência, enquanto representante da entidade no Fórum Nacional de Educação (FNE) e, também, pela participação de seus delegados durante a Conferência. Houve ainda um colóquio organizado pela SBPC sobre ‘Educação e Ciência para o progresso da sociedade’, com a presença de especialistas como Renato Janine Ribeiro, Helena Singer, Carlos Benedito Martins e Eduardo Mortimer, que trouxeram questões importantes para a educação básica e superior.”
Presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro reforçou a importância do debate apresentado. “O nosso mote principal foi a questão do papel da Ciência na Educação, então demos foco, por exemplo, à questão de que você não tem educação se não tiver base científica. Também é importante que os professores tenham uma boa formação científica e estejam atualizados nos assuntos da ciência. Além disso, é importante que eles coloquem os alunos em contato não só com o que a ciência sabe, mas também com a metodologia científica, sabendo que a ciência é sempre um trabalho em construção e nunca está definitivamente pronta, e que não se pode ensinar as leis científicas como se fossem dogmas religiosos”, declarou.
Mortimer sintetizou os principais temas que foram definidos como prioridades no evento coordenado pela SBPC. “Primeiro, a questão da educação integral para crianças e jovens, que não atingiu o patamar de 25% dos estudantes matriculadas em tempo integral, como estava previsto no PNE anterior (2014-2024). Em segundo, as questões de infraestrutura das escolas, que melhoraram em relação à presença de computadores e internet, mas que continuam muito ruins quando você foca nos equipamentos tradicionais: quadra esportiva, biblioteca, laboratório de ciências e laboratório de informática. Para se ter uma ideia de quanto o Brasil está atrasado em relação a esses equipamentos, basta lembrar que apenas 9% das escolas públicas de educação básica têm laboratório de ciências.”
Os dois últimos pontos referem-se à gestão e aprendizagem. “Em terceiro lugar, as questões relacionadas à formação e à remuneração dos profissionais da educação e aos planos de carreira desses profissionais, que continuam a ser pontos críticos em muitos estados brasileiros. Por fim, em quarto lugar, as questões relativas à aprendizagem das crianças e adolescentes, que continuam aquém de patamares de proficiência para a grande maioria dos estudantes de educação básica.”
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, acrescentou que a relação entre Educação e Ciência é um dos pilares essenciais do desenvolvimento de uma nação. “Se por um lado a ciência nutre a educação, por outro, é uma boa educação que vai permitir com que nossos estudantes depois cresçam como profissionais, porque eles terão recebido da ciência insumos poderosos para exercer suas atividades, que proporcionarão ao País progredir mais.”
Especialista no estudo de tecnologias para e educação, a professora Roseli de Deus Lopes, da Universidade de São Paulo (USP), valorizou a dinâmica de construção do PNE, com destaque à gestão participativa.
“Eu acho que a questão mais importante é essa retomada do diálogo. Apesar de ter sido tudo muito rápido, foram realizados eventos nos municípios e nos estados. E a conferência nacional foi justamente o lugar para a gente já receber o material preparado a partir das contribuições que vieram anteriormente.”
Lopes detalhou que a programação da Conae foi pensada em três dias. No primeiro, houve a abertura e reuniões de coordenação. Já no segundo houve as discussões temáticas, onde a programação se dividiu em mini eventos correspondentes a cada eixo, e os especialistas debateram as questões colocadas pelos estados e municípios. No terceiro dia, houve o debate geral, com os apontamentos trazidos para a plenária e aprovados.
“Cada escola tem necessidades diferentes e acredito que isso foi contemplado no texto final da Conae, que é um documento com propostas para o PNE. Outra questão bastante presente é a reafirmação da democracia, o diálogo está aberto e é um compromisso público, das entidades e das autoridades que estiveram presentes, como a Presidência da República e o Ministério da Educação, além de representantes do Senado e da Câmara Federal.”
Governo Federal enviará PNE para aprovação na Câmara
Com o encerramento da Conae, o Governo Federal se comprometeu a utilizar integralmente as bases presentes no texto final da Conferência para a criação do projeto de lei (PL) que visa aprovar o Plano Nacional de Educação.
“O compromisso do MEC em respeitar o documento final da Conae na propositura do PL do novo PNE que será enviado ao Congresso Nacional, foi, indubitavelmente, a maior conquista desta Conae”, pontua a professora Adelaide Dias, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). “Nossa luta agora será para garantir que o Congresso Nacional também respeite as deliberações da Conae na aprovação do novo PNE.”
A expectativa do Ministério da Educação é que o texto-base do novo Plano Nacional de Educação seja entregue ainda neste mês de fevereiro para aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Segundo Mortimer, os próximos passos são acompanhar a aprovação do PNE, lutar por sua aplicação na prática e, principalmente, batalhar por bases educacionais mais sólidas a nível nacional.
“Os planos decenais de educação são importantes porque sinalizam as políticas de estado em relação à Educação. No entanto, os dois últimos planos decenais de educação não conseguiram concretizar a maioria de suas metas, o que mostra uma defasagem entre formulação e execução das políticas públicas. Isso aponta para a importância desse novo plano, ainda mais considerando que uma de suas propostas é a criação do Sistema Nacional de Educação. O SNE poderá funcionar como uma espécie de SUS da Educação, garantindo a capilaridade dos recursos financeiros para as mais diversas iniciativas que ocorrem nos municípios brasileiros”, concluiu.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência