ENEM 2014: PERCEPÇÃO DO ÓBVIO
Profa. Mestre Enílvia Rocha Morato Soares
Estamos mais uma vez vivendo a costumeira avalanche de manchetes que acompanham a divulgação dos resultados do ENEM, que suscita sentimentos que transitam entre a indignação pela má qualidade do ensino brasileiro até a alegria de constatar que ainda é possível contar com escolas que, em meio ao caos, se destacam pelos bons resultados que alcançam.
A novidade deste ano fica por conta da nova roupagem dada aos rankings pelo MEC e pelo INEP, ao apresentarem fatores que podem estar influenciando os índices que colocaram escolas no “top 20”do ENEM, ou seja, que ficaram entre as 20 escolas que obtiveram as melhores notas no Exame realizado em 2014.
Sob a égide do discurso de diminuir o impacto da comparação direta entre as instituições de ensino, representantes do governo apresentaram, junto com os resultados do ENEM, a “taxa de permanência dos estudantes nas escolas”, permitindo assim, conhecer quantos deles foram matriculados na instituição somente no ano de realização da prova, como estratégia para obtenção de boa colocação no ranking. São escolas criadas para esse fim, que selecionam e atendem a um pequeno número de alunos e servem de vitrine para outras escolas que compõem a mesma empresa educacional.
Sem desconsiderar a importância de informações que visam alertar sobre fraudes cometidas em meio ao comércio escolar estimulado pela categorização de escolas a partir de resultados gerados por exames externos, o que as falas dos especialistas sugerem é a percepção do óbvio.
O uso de estratégicas utilizadas por escolas para obter boa classificação nos exames em larga escala não é propriamente uma novidade. Substituição do currículo escolar pelas matrizes de referência das provas, premiação de estudantes e professores que conseguem melhores notas, dispensa de alunos com menor rendimento no dia do exame, incluindo estudantes com deficiência, estratificação de estudantes para atendimento diferenciado por professores selecionados segundo o perfil de cada turma são algumas das muitas artimanhas que marcam a corrida na disputa por melhores pontuações.
A divulgação da taxa de permanência dos alunos na escola não demonstra ser, portanto, suficiente para explicar as fragilidades do ranking do ENEM, nem para orientar os pais quanto à escolha da escola para os filhos; muito menos para intimidar a adoção de subterfúgios rumo ao topo da lista de resultados. A busca por meios para sobressair-se nos exames em larga escala está implícita na comparação e classificação dos índices gerados, estimulando o individualismo competitivo, seja no plano pessoal ou institucional. Se não for por meio da segregação de estudantes (em geral os mais favorecidos economicamente), outras formas serão encontradas, pois o que está em jogo é um mercado rentável e promissor de geração de renda via comercialização da educação.
Influências desse jogo de disputa do mercado, característico do projeto econômico neoliberal, impactam sobre a escola pública. O abismo entre os resultados das escolas públicas e privadas, fartamente alardeado pela mídia, induzindo à crença na privatização do ensino como o melhor caminho para a educação no Brasil e no mundo, tem incitado inciativas como a anunciada pelo atual Secretário de Estado de Educação do DF logo após a divulgação do resultado do ENEM, de realizar simulados visando melhorar os índices das escolas públicas.
Embora tímida, se comparada às medidas adotadas pelas escolas particulares, o rumo a ser seguido pelas instituições públicas indica ser o mesmo. A disputa por notas, que termina por substituir o prazer de aprender, secundariza o propósito educativo maior de formar integralmente os sujeitos por meio de processos humanos e solidários, preparando-os para atuar para a transformação social. Perseguir o objetivo anunciado de uso das informações geradas pelos testes em larga escala para orientação de políticas públicas e composição da autoavaliacao pela escola faz-se urgente, sob pena de colocarmos nossas escolas a serviço do projeto neoliberal de produção de resultados, independentemente dos percursos utilizados para alcançá-los.