ESCOLA: O QUE NELA SE APRENDE QUANDO SE TORNA MILITARIZADA?
Autoria: GEPA
O progressivo aumento da indisciplina, do uso de drogas, do vandalismo, da evasão e da violência nas escolas, seja entre os estudantes ou contra os professores, é uma realidade que tem chamado a atenção da população e suscitado, de forma efusiva, por governantes de diferentes localidades do país, a defesa pela gestão compartilhada das escolas públicas com a Polícia Militar. É uma realidade que não combina com o ambiente escolar, espaço de autonomia pedagógica e reflexão crítica.
Toda essa inquietação não é mais uma discussão restrita às salas dos professores e aos espaços educacionais como um todo, pois reverbera em toda a sociedade que, por sua vez, almeja respostas e ações governamentais que ponham um fim a essa complexa situação.
É nesse contexto, que alguns estados e o Distrito Federal foram buscar resposta na educação pautada nos moldes militares, na crença de mudar o quadro negativo presente na escola, em especial a indisciplina.
Mas, quando pensamos na escola, pensamos na sua intenção formadora de pessoas em sua integralidade e para o seu desenvolvimento pleno. Trata-se, pois, de uma formação humana e humanística e que considera o indivíduo na sua singularidade. Pensamos também em um espaço e ambiente favoráveis à democracia, ao desenvolvimento do pensamento crítico, à cidadania, à justiça social, à inclusão, à diversidade e à igualdade, ancorados, inclusive, nos propósitos do Plano Nacional de Educação – PNE, que se volta para a garantia de uma educação de qualidade.
Todos esses propósitos nos remetem a pensar também na escola como um espaço que precisa e onde se aprende a seguir regras e orientações para uma convivência harmoniosa entre os pares, dentro e fora dela, e, por isso, é, sim, um espaço onde se cultiva a disciplina.
Todavia, cultivar a disciplina e organizar o trabalho pedagógico para que ocorram aprendizagens relativas ao cumprimento de regras sociais e ao comportamento condizente com a escola requerem, sobretudo, atribuir ao professor e à escola a valorização que ambos merecem, por meio de políticas públicas e ações colaborativas de todos os envolvidos no contexto educacional. A valorização perpassa, ainda, pela autonomia do professor, que visto como “educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão” (FREIRE, 1998, p. 28), pois cultivar a disciplina e aprender a comportar-se, conforme os diferentes ambientes exigem, estão longe de uma formação que se mostre repressora, inibidora e submissa, especialmente uma submissão decorrente de regras advindas de terceiros, de regras impostas, que chegam prontas, sem a participação ou o questionamento daqueles que as seguirão.
A militarização de escolas da rede pública de ensino impõe uma organização do trabalho pedagógico da sala de aula e da escola, como um todo, incompatível com o que aconselha Paulo Freire, por contribuir efetivamente para que deixe de ser exemplo de democracia, mudando totalmente o comportamento das pessoas dentro dos seus muros, porque reprime, aproximando-se de uma educação para a subordinação, obediência e conformidade.
Então, como a gestão da escola compartilhada com a Polícia Militar, instituição que tem seus propósitos essencialmente diferentes dos propósitos formativos da escola, pode ser a solução para o quadro complexo apresentado no início deste texto? Quais são as verdadeiras implicações dessa gestão compartilhada nas aprendizagens e na avaliação dos estudantes, na gestão da escola, na participação da comunidade e na formação dos professores?
É sobre essas implicações que refletiremos a seguir.
Implicações nas aprendizagens dos estudantes
Embora se saiba que a construção de aprendizagens no espaço escolar é de todos os que nele convivem e atuam, são os estudantes os principais sujeitos para quem a organização do trabalho pedagógico se volta quando o objetivo é a conquista permanente de novos saberes. Talvez por esse motivo, o argumento sustentado pelo GDF e pela SEEDF para a implementação do projeto “Gestão Compartilhada” em algumas escolas públicas do DF seja justamente assegurar um ambiente pacífico e ordeiro para maior êxito do ensino ministrado junto a esse segmento.
A iniciativa parece coincidir com o propósito para o qual a escola existe, uma vez que ensinar requer, entre outras coisas, espaços escolares que favoreçam a conquista de aprendizagens. A disciplina se insere nesse contexto, tornando-se indispensável para que se aprenda.
O que se questiona, no entanto, é: quais aprendizagens são construídas quando a disciplina é imposta de modo autoritário, punitivo e excludente? Responder a essa questão implica assumir posicionamentos de ordem política. Definir que cidadão eu quero formar e que tipo de sociedade eu pretendo ajudar a construir se torna imperioso. Lutar contra as latentes desigualdades que marcam hoje nossa sociedade demanda aprendizagens que em nada se assemelham à subserviência, passividade e resignação que marcam o modelo militarizado de conduzir o trabalho escolar.
Embora tenha servido para trazer à tona debates sobre outras formas diferenciadas de organização da escola, a militarização de escolas tem servido para imprimir, nas práticas escolares cotidianas, um caráter coercitivo que em nada contribui para a formação dos estudantes, posto que cerceia o pensamento crítico e a construção da autonomia quando suas atitudes e gestos são monitorados e regulados, ou seja, o rigor pelo rigor sem objetivos claros e definidos para o desenvolvimento integral do estudante.
Não se aprende somente em sala de aula. Aprendemos a todo instante, em todos os lugares e com todos com os quais convivemos. Com os estudantes não é diferente e na escola acontece o mesmo. Aprende-se uns com os outros e nos diferentes espaços escolares. Quando o controle disciplinar é conseguido por meio de ameaças e castigos ensina-se que existem modelos de comportamentos predefinidos que precisam ser seguidos sem questionamentos. Ensina-se, ainda, que autoridade se exerce por meio da coerção e obediência se consegue pelo temor.
A formação de sujeitos críticos, capazes de compreender o mundo e nele atuar visando transformá-lo e torná-lo mais justo se mostra, assim, comprometida. A marca da desigualdade tende a se perpetuar quando a contribuição da escola trabalha no sentido de reforçar aprendizagens que apontam para a aceitação passiva do que foi unilateralmente decidido e imposto. Os prejuízos de aprendizagens dessa natureza se estendem a todos os envolvidos na organização e concretude do trabalho pedagógico, em especial, aos estudantes, dado o estágio de desenvolvimento em que se encontram, quando as marcas dos conhecimentos que constroem influenciam fortemente sua constituição cidadã.
A conquista da disciplina necessária ao desenvolvimento do trabalho pedagógico e, em consequência, à construção de aprendizagens, objetivo maior da escola, passa pela vivência de relações éticas e democráticas asseguradas pela participação responsável e pelo respeito mútuo entre estudantes, professores e demais profissionais que nesse espaço atuam. Promover o diálogo reflexivo acerca das diferentes situações que acontecem diariamente na escola e fora dela, incluindo os atos que violam direitos e, por isso, constituem violência, é tarefa dos profissionais da educação e parte do processo formativo que a eles cabe conduzir.
Investir na construção de um projeto educativo que possibilite aos estudantes um ensino vivo e dinâmico, vinculado aos problemas e às questões do mundo real, visando compreendê-lo e nele atuar com autonomia, se apresenta, portanto, como o melhor caminho para o combate à violência. Dentro e fora das escolas.
Implicações no desenvolvimento da avaliação
Escola é lugar de aprendizagens. Onde há aprendizagem há avaliação. Aprendizagem e avaliação caminham juntas, isto é, fazem parte do mesmo processo. Enquanto o estudante aprende ele avalia e se avalia. Enquanto ele avalia, amplia suas aprendizagens. Não somente os estudantes avaliam, mas todos os que atuam na escola. A avaliação é o carro-chefe do trabalho escolar, pelo fato de todas as decisões serem tomadas a partir de informações por ela fornecidas. Desenvolve-se formal e informalmente. É formal quando utiliza procedimentos formais, como provas, questionários, portfólios etc., e os avaliados têm conhecimento das suas intenções. É informal quando não é planejada e sistematizada e incorpora as informações que se apresentam sem que sejam solicitadas. Ambas se complementam.
Enquanto o estudante responde a questões de provas, vai formulando suas impressões sobre o uso desse procedimento e aprendendo a usá-lo. O mesmo acontece com os outros procedimentos. Com a avaliação informal é diferente: por ser intensa e permanente, deixa marcas mais fortes porque abrange relações de toda ordem e preferências. Além disso, não tem hora marcada para acontecer. Essas duas funções avaliativas mantêm tão forte articulação que as impressões deixadas pela informal podem influenciar os resultados da formal. Por exemplo: as atitudes dos estudantes podem ser levadas em conta no momento de lhes serem atribuídas notas. O arredondamento de notas pode ser motivado pela avaliação informal. Diante disso, cabe refletir: como a avaliação informal se atrela à organização disciplinar de escolas militarizadas? Privilegia seu lado positivo, isto é, permite que os estudantes manifestem o que realmente sentem e necessitam, em busca de ajuda, ou os induz a se reprimirem e guardarem para si próprios as suas incertezas e insatisfações? Essa função da avaliação, devidamente empregada, constitui um ganho para o processo avaliativo comprometido com as aprendizagens.
Como aprendizagem e avaliação se imbricam, em todas as atividades escolares os estudantes estão sempre aprendendo e avaliando, mesmo que não expressem suas percepções. Em escolas militarizadas ou com gestão compartilhada, toda a sistemática de organização das atividades constitui aprendizagem e é motivo de avaliação por eles. No caso do Distrito Federal, preocupa-nos a intenção expressa na introdução da Portaria conjunta nº 1, de 31 de janeiro de 2019, que prevê a transformação das quatro unidades específicas de ensino da rede pública do Distrito Federal em Colégios da Polícia Militar do Distrito Federal, em que a gestão será compartilhada, isto é, a Secretaria de Estado de Segurança Pública, por intermédio da Polícia Militar, responsabilizar-se-á pela gestão administrativa e disciplinar, enquanto a Gestão Pedagógica ficará a cargo da Secretaria de Estado de Educação. Os inconvenientes dessa dualidade de gestão serão abordados a seguir. Com relação à avaliação, a seguinte questão merece análise: o que está ensinando aos estudantes a sistemática de avaliação em desenvolvimento (as normas disciplinares aí estão incluídas)?
Temos conhecimento de regras disciplinares impostas com relação a roupas, cabelo, adereços, modo de os estudantes circularem pela escola segundo padrões militares e outras rotinas de quartel. Há intenção de que eles as incorporem e as transfiram para outros contextos? Como eles avaliam essas determinações? Consideram-nas relevantes? Elas têm contribuído para a ampliação de suas aprendizagens curriculares e, consequentemente, de formação cidadã? Em quais aspectos? Eles são incentivados a se manifestarem, a se autoavaliarem e a avaliar o projeto em andamento? Se pudessem, os estudantes mudariam de escola?
Um projeto como o de gestão compartilhada não pode passar ao largo da avaliação. Após quase seis meses de sua implantação, não conhecemos em qual concepção de avaliação está se apoiando. As diretrizes de avaliação da educação básica, da SEEDF, têm se norteado pela avaliação formativa na escola, dando destaque à avaliação para as aprendizagens. O projeto deseja incorporá-la e até mesmo robustecê-la? A ausência dessas informações causa incerteza porque, enquanto todas as suas intenções não forem divulgadas, inclusive a maneira de elas serem definidas, colaborativamente ou não, com estudantes e professores, estes e os gestores da SEEDF e os docentes e estudantes de cursos de licenciatura ficam apenas fazendo conjeturas.
É importante lembrar a necessidade da avaliação institucional, ou avaliação da escola por ela própria, de maneira participativa. Nas escolas militarizadas, assim será realizada essa avaliação?
Questões importantes como essas necessitam de esclarecimento e divulgação.
Implicações na gestão do trabalho escolar
Contrariando o que anuncia em seu próprio nome, o projeto “Gestão Compartilhada” prevê que professores, diretores e orientadores educacionais se responsabilizem pela parte pedagógica do trabalho escolar, enquanto os militares se ocupam da parte burocrática e da segurança como controle de entrada e saída, filas e controle dos pátios e corredores[1].
Propõe, portanto, uma compartimentalização de tarefas que, assim conduzidas, comprometem o que se espera de uma equipe gestora que trabalha, de fato, na perspectiva do compartilhamento. Pautado pela colaboração, o trabalho pedagógico se fortalece em função do compromisso que se estabelece entre os indivíduos em torno de um planejamento que é de todos. É o compromisso do individual com o coletivo.
Ao dividir a gestão do trabalho escolar em funções administrativas e pedagógicas, destinando o cumprimento de cada uma delas a diferentes sujeitos, o projeto dissocia o que é indissociável. Como toda realidade, a escola constitui-se em uma totalidade dinâmica e em constante transformação, composta por elementos que se articulam e dão movimento a essa totalidade, a qual, sendo organizada de modo fracionado, passa a ser um composto de partes que, mesmo juntas, não interagem, acarretando prejuízos ao trabalho realizado por cada uma delas. Isso significa que o pedagógico não prescinde do administrativo e vice-versa. O diálogo entre as questões de cunho pedagógico e administrativo é indispensável para que o trabalho desenvolvido pela equipe gestora transcorra em benefício de todos, em especial dos estudantes, sujeitos principais para os quais ele se organiza e se desenvolve.
A fragmentação do trabalho escolar, implícita no projeto de militarização das escolas, caminha, portanto, na contramão do que se espera de uma escola que cumpre sua função social de ensinar a todos em sua integralidade. A partilha de tarefas retira dos sujeitos, nelas envolvidos, a visão do processo educativo como um todo, cabendo a cada um conhecer apenas o necessário para o cumprimento das atividades que lhes foram atribuídas. Esse é um modo de ensinar/aprender que limita a alguns a ação de pensar sobre o processo em sua totalidade, restando aos demais apenas executar o que foi por outros projetado.
Implicações na participação dos pais/responsáveis
Tratando do ofício de aluno, Perrenoud (1995) descreve o estudante como um go-between, isto é, mensageiro entre a escola e a família e vice-versa. Como os professores e pais se veem pouco e se conhecem mal, diz o autor, estão na dependência da criança ou do adolescente para se comunicarem. No caso da militarização das escolas, ter o estudante como elo entre família e escola, favorece ou não o entendimento do que ocorre na escola, pois depende da percepção e aceitação por parte dele.
Sabe-se que os pais/responsáveis têm tomado conhecimento da decisão governamental de implementar a “Gestão Compartilhada” em reuniões realizadas nas escolas escolhidas para a sua implementação, quando têm tido a oportunidade de votar pela aprovação ou não da proposta. As famílias não participam da construção do processo. Tomada a decisão de a escola aderir a esse tipo de organização, as que não votaram a favor não têm escolha: seus filhos ali permanecerão. Aí reside um dos fortes exemplos em que os estudantes atuam como go-between, por tratar-se de um formato de gestão novo e desconhecido, tanto pelos educadores profissionais quanto pelas famílias. Por serem os mais atingidos por ele, os estudantes irão, aos poucos, construindo suas impressões e transmitindo-as, ao seu modo, aos seus familiares, ao mesmo tempo em que levarão para a escola as observações dos seus pais. Quais aprendizagens advirão daí? De submissão a regras impostas ou de verdadeira participação?
As aprendizagens dos estudantes sobre a nova maneira de a instituição funcionar circularão em vários ambientes, em casa e na escola, e influenciarão a compreensão de cada pessoa. Identificar essas aprendizagens e as suas possíveis contribuições constitui um meio importante para a análise crítica da militarização das escolas, sob o ponto de vista da participação da família nesse novo formato.
Em uma das publicações online da Education Week, de 24/06/2019, Eduardo Caballero apresenta o conceito de maker education, que corresponderia a “fazer educação”, no sentido de ação por parte dos envolvidos, e não de imposição. O autor o explica como o processo de aprendizagem que usa recursos colaborativos, multidisciplinares e projetos de aprendizagem para apoiar a curiosidade, a expressão pessoal e o desenvolvimento sócio-emocional. Apoiando-nos, pois, nessas reflexões do autor, indagamos: em vez da transformação das escolas segundo padrões militares, que engessam professores, toda a equipe escolar, pais/responsáveis e estudantes, impondo-lhes uma forma de trabalho que não lhes é própria, para prevenir e resolver conflitos que têm posto em risco a instituição, não seria o caso de ampará-la e fortalecê-la para que possa criar situações de aprendizagens semelhantes à relatada acima?
Implicações na compreensão do trabalho escolar pela comunidade em geral
Não são somente aqueles presentes na escola o tempo todo que com ela aprendem. Os que a visitam ou comparecem a festas, gincanas, feiras e atividades desportivas absorvem seus ensinamentos e os reforçam em casa. A escola ensina o tempo todo, de várias formas. Até mesmo os seus muros limpos ou sujos têm algo a ensinar. Também ensina a sua maneira de receber os pais/responsáveis e os integrantes de toda a comunidade para discussão da sua atuação, como a gestão compartilhada. A sua participação não é garantida somente por serem chamados a votar pela adesão ou não à gestão compartilhada. A comunidade em geral também aprende com a escola os benefícios da verdadeira participação dos estudantes em suas decisões.
O fato de ela ter em sua equipe policiais militares revela que o trabalho sério e disciplinado só se realiza com sua presença, o que pode afastar o interesse pela participação de outras pessoas na organização das suas atividades. A presença desses profissionais intimida e afasta os desejosos de adentrá-la, assim como desvirtua a atuação para a qual eles foram formados. Não são essas as aprendizagens que a escola democrática e atenta às necessidades sociais deve proporcionar. Queremos a que assuma a sua organização com rigor crítico e autoridade, mas sem autoritarismo, como espaço de diálogo entre os que nela se encontram e os que desfrutam dos seus ensinamentos.
Implicações na formação de professores
A intencionalidade de ensinar exige formação pedagógica convergente com as necessidades contemporâneas, o que é contrariado pelos princípios que regem a militarização das escolas. Ao propor que os profissionais da educação compartilhem com policiais a gestão das escolas, o projeto de militarização revela a ideia de que a organização e a concretude do trabalho pedagógico prescindem de formação específica, desqualificando a formação que os prepara para o desempenho de sua função.
Os professores estão em permanente processo de aprendizagem. Ao concluírem sua formação inicial e chegarem às escolas onde atuarão, seus saberes se ampliarão ao entrarem em contato com a realidade escolar. Essas aprendizagens podem se alinhar à formação da cidadania democrática, crítica e responsável dos estudantes com quem atuarão ou ao direcionamento restritivo da sua conduta. Se forem encaminhados para escolas militarizadas, não terão opção: o prosseguimento da sua formação será impregnado da orientação por elas proporcionada. Assim como os estudantes, terão de cumprir ordens, em lugar de, em conjunto, construírem-nas colaborativamente.
A influência da militarização das escolas sobre os cursos de formação inicial de professores e de outros profissionais da educação atinge também o estágio supervisionado, uma vez que os futuros docentes entrarão em contato com essa organização do trabalho escolar.
Situação mais preocupante será a da residência pedagógica, em que os professores em formação permanecerão mais tempo nas escolas e participarão dos procedimentos de militarização. Além disso, transmitirão suas impressões, análises e conclusões aos professores universitários que, por seu intermédio, formarão sua percepção sobre tal política.
O prejuízo de tal medida não reside somente no que concerne ao trabalho desenvolvido por educadores. Propor que os profissionais militares trabalhem junto aos estudantes conceitos de ética e cidadania e, no contraturno, promovam atividades voltadas à musicalização e esportes[2] constitui, também desprestígio para eles, pois desvaloriza o trabalho que realizam. Além disso, por não terem sido formados para o desempenho de tal função, assumem o risco de não desenvolvê-la a contento e, em contrapartida, serem vistos como intrusos no ambiente escolar.
Não se trata de abdicar da parceria com policiais militares no processo de escolarização. Pelo contrário, a articulação entre trabalhadores de diferentes áreas permite a socialização de conhecimentos e o debate de questões que podem promover melhorias nos diferentes setores. Isso inclui, necessariamente, a análise de fatores geradores de violência que extrapolam os muros escolares, como é o caso das profundas desigualdades econômicas, culturais e sociais que assolam nossa sociedade.
A educação vivenciada nas escolas é de responsabilidade e competência exclusiva dos profissionais a ela dedicados, pois são continuamente formados para isso. Cabe-lhes, juntamente com a comunidade escolar, planejar e desenvolver o trabalho pedagógico objetivado pelo coletivo. O projeto construído por esses sujeitos deve incluir propostas concretas de formação contínua dos educadores envolvidos visando, entre outros aspectos, combater a violência e a indisciplina que obstaculizam a conquista de aprendizagens.
Últimas considerações
Enquanto boa parte das escolas privadas está se tornando cada vez mais progressista, introduzindo processo avaliativo mais dinâmico, estimulando a criatividade, o trabalho colaborativo e incluindo atividades sociais em seu currículo, a escola pública, no DF, para resolver o problema da indisciplina e da violência, impõe hábitos militares aos seus estudantes. Essa forma obsoleta de atuação está impedindo que um bom número deles deixe de ter educação de qualidade social.
Não somos contrárias às escolares militares, criadas com o propósito de assim o serem. Em um regime democrático, cabe às famílias fazerem escolhas. O que não é admissível é transformar escolas públicas em instituições semelhantes às militares, que têm orientação própria. Também não é razoável deixar os estudantes dessas escolas sem opção: se lá estão matriculados, forçosamente aprenderão as regras do jogo.
A militarização de escolas ou a adoção de “Gestão Compartilhada” com militares é uma cilada e não vai resolver as dificuldades pelas quais passam essas instituições. As escolas necessitam de condições e meios para tornarem-se atrativas, inovadoras, estimulantes e, consequentemente, prazerosas. Além disso, os estudantes devem ser incluídos na tomada de decisões, para que desenvolvam o espírito de pertencimento. Chegar à escola e receber tudo pronto não condiz com a formação de cidadãos responsáveis e críticos.
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. SP: Paz e Terra, 1998.
Perrenoud, Philippe. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Portugal: Porto Editora, 1995.
[1] Informações extraídas do site da SEEDF. Disponível em: http://www.se.df.gov.br/fique-por-dentro-do-projeto-piloto-escola-de-gestao-compartilhada/. Acesso em 20 jun 2019.
[2] Informações extraídas do site da SEEDF. Disponível em: http://www.se.df.gov.br/fique-por-dentro-do-projeto-piloto-escola-de-gestao-compartilhada/. Acesso em 20 jun. 2019.
Leitura reflexiva imprescindível para o atual momento político educacional que estamos vivendo na rede pública do DF.