Publicado em 06/03/2015 por Luiz Carlos de Freitas no blog do Freitas
Rogério Cerqueira Leite escreve hoje (6-03-15) na Folha de São Paulo sobre “Lixo acadêmico, causas e prevenção”. Para ele, “critérios que levam em conta citações em artigos acadêmicos ensejaram artifícios para ludibriar sistemas de avaliação”.
Ele não é contra tais critérios, e credita os problemas a algumas causas que identifica como: “1. O pagamento de “pedágio” [que] se estabelece quando um pesquisador consegue, por mérito ou oportunismo, apoderar-se de um meio de produzir dados. Com o que afluem outros pesquisadores ao seu laboratório e, como pagamento, incluem em artigos o nome do “dono da bola”; 2. “O compadrio” (…) ou seja, “o acordo de cavalheiros entre membros de grupos para compartilhar autorias. O número de publicações e de citações é assim multiplicado”; e 3. O “franciscanismo” (dar para receber), intra ou inter, dependendo se a burla ocorre entre membros de uma ou de mais instituições.”
O diagnóstico está correto. Mas ele não reflete sobre as causas. A produção de lixo aumentou sob comando das agências de financiamento de pesquisas que priorizam a quantidade em detrimento da qualidade.
A solução que sugere é:
“Por exemplo: limitar o número de autores admitidos como tal em cada artigo, digamos a três ou quatro, ou alternativamente, adotar um índice em que o número de citações seja dividido pelo número de autores; referendar apenas artigos com um número mínimo de citações, digamos dez; caracterizar e identificar casos de “franciscanismo” e “compadrio”, o que é relativamente fácil.”
Finalmente, credita o êxito de tais medidas a que os “caciques” tenham vontade política.
Infelizmente, é um pouco mais difícil do que isso. A sugestão de limitar o número de autores de uma publicação poderá ser contornada por outras manobras, por exemplo, mais parcelarização ou partição da publicação de resultados, limitados ao número máximo de autores permitidos, entre outras “criatividades”.
O que o renomado professor identifica é o famoso “gaming” do gato e o rato. Coloca-se um critério associado a uma vantagem e aparece uma burla. Muda-se ou endurece-se o critério, aparece outra burla. E assim sucessivamente. O que modula a burla é o acesso às vantagens associadas aos critérios.
Não há nenhuma surpresa nisso. Campbell, como já dissemos por aqui, explica.
O que fazer? Primeiro, parar com esta “corrida para nenhum lugar”, atrás unicamente de números e rankings. E, o principal, não condicionar vantagens sociais ou econômicas aos rankings. O que está fracassando não é o critério mas sim, o enfoque: a ideia liberal de que prêmios e castigos associados a índices melhoram a qualidade da educação.
Pertenço a uma geração que não se sentia (e não se sente) compelida a publicar a qualquer preço, pois tinha ela mesma seu controle: a vergonha de dizer algo irrelevante ou de apresentar-se como parasita de orientandos e colegas… Tal controle “interno” foi substituído por um controle externo predatório da CAPES: seis artigos publicados em um período de três anos. Não é usual pesquisadores que tenham, ao longo de toda sua vida acadêmica, duas comunicações por ano “sérias” e “inéditas” a ponto de serem divulgadas – ano a ano ininterruptamente.
Por contraposição, minha geração entendia que certas ideias necessitavam ser repetidas. Em muitos casos, a repetição em uma área como as ciências sociais era parte de uma “guerra política” de afirmação conceitual e de posições, com o intuito de firmar entendimentos. Hoje, isso é chamado de “autoplágio”.
Minha posição continua sendo a mesma: só devemos escrever quando sentimos que temos algo a comunicar que seja relevante para a comunidade. Isso não inclui a produção dos orientandos como regra. Ciência não se faz como se fosse uma linha de produção.
Por outro lado, algumas ideias podem e devem ser repetidas para formar opinião pública. Considero, neste caso, que as minhas ideias são minhas e eu as repito quanto quiser. Quem não gostar que não publique ou não leia.