VALOR ECONÔMICO
23/03/2014
Grandes testes corromperam sistema educacional tradicional, diz Nobel
Por Luciano Máximo | Valor
BRASÍLIA – Ministros da Educação, formuladores de políticas públicas e especialistas em ensino de vários países se reúnem em São Paulo amanhã e terça-feira para ouvir o economista James Heckman, prêmio Nobel de Economia, falar sobre um tema que está no radar das políticas educacionais de governos do mundo inteiro: a importância de medir e avaliar habilidades não cognitivas ou socioemocionais – como liderança, abertura a novas experiências, otimismo, perseverança – e seus impactos na qualidade do ensino, usando modelagens econômicas e técnicas psicométricas.
No seminário “Educar para as competências do século XXI”, organizado pelo Ministério da Educação (MEC) e Instituto Ayrton Senna (IAS), Heckman e seu assistente na Universidade de Chicago Tim Kautz vão apresentar um trabalho acadêmico encomendado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que pretende mostrar que avaliações educacionais de larga escala, como o Pisa e a Prova Brasil, por exemplo, aplicadas hoje em vários países para medir a qualidade do ensino, têm um potencial limitado.
No sábado à noite, antes de embarcar para o Brasil, Heckman foi enfático ao dizer ao Valor que os atuais instrumentos para aferir bom desempenho escolar corromperam os sistemas educacionais como um todo. “Quando dissemos que os testes educacionais eram a coisa mais importante para orientar as políticas educacionais, as crianças e os professores ficaram só focados em ensinar e aprender com base nesses testes. As grandes avaliações corromperam o sistema educacional tradicional. O que nós queremos mostrar é quais são as habilidades que mais importam para a vida, então muito melhor do que ficar dando pontos pelo conhecimento em inglês, português ou matemática é avaliar como o comportamento e a motivação da criança impactam nesses conhecimentos”, afirma Heckman.
Na entrevista a seguir, feita por telefone, o prêmio Nobel de economia em 2000 também disse que não defende o fim das avaliações educacionais como elas são hoje, mas que seja restaurado um equilíbrio entre as medições e interpretações das habilidades não cognitivas e cognitivas (memória, capacidade de racionalizar e interpretar) na condução das políticas educacionais.
Além da participação de Heckman, outro destaque do seminário é a apresentação, por pesquisadores do IAS, de resultados de um teste-piloto que mostra a relação entre habilidades não cognitivas e desempenho escolar feito com alunos da rede estadual do Rio de Janeiro no fim de 2013.
Valor: O que o trabalho que o sr. e o pesquisador Tim Kautz vão apresentar em São Paulo traz de novidades?
James Heckman: Irá mostrar basicamente 1: como medimos as habilidades não cognitivas e que impactos elas trazem ao longo da vida; e 2: como certas intervenções sociais podem melhorar habilidades cognitivas e não cognitivas na escola, principalmente durante a primeira infância. Foi um pedido da OCDE. Eles sabem que habilidades não cognitivas são muito importantes para compor as notas do Pisa [Programme for International Students Assessment], mas elas não estão sendo consideradas no teste. Nós mostramos que elas podem ser medidas, o Rio de Janeiro está mostrando isso.
Valor: A OCDE pretende mudar o Pisa? Além das notas de línguas, matemática e redação, quer incluir testes de comportamento para medir a influência das competências ditas socioemocionais no desempenho escolar?
JH: O Brasil está na frente do jogo com a experiência do Rio, por isso está ajudando a OCDE nessa experiência. A OCDE está fixada na avaliação do Pisa e na conferência deve confirmar que o teste não deve ser tão limitado na perspectiva de composição de suas notas.
Valor: Como avaliações desse tipo, que relacionam habilidades não congnitivas com aprendizado, podem ajudar a melhorar as políticas educacionais e o ensino?
JH: Hoje estamos avaliando a qualidade da educação com base nas notas do Pisa. O que nós queremos mostrar é quais são as habilidades que mais importam para a vida do estudante. Isso define uma melhor maneira de acompanhá-lo, saber quem precisa de ajuda e, talvez, evitar que muitos fiquem para trás. Então, muito melhor do que ficar dando pontos pelo conhecimento em inglês, português ou matemática é avaliar como o comportamento e a motivação da criança impactam no conhecimento.
Valor: Renovar a educação a esse ponto implica uma revolução dos modelos que conhecemos hoje?
JH: Se você olhar para a educação americana há 50 anos não é uma revolução. Basicamente as escolas americanas ensinavam como construir o caráter do estudante. A maioria delas costumava transmitir valores como cooperação, moral, a importância de frequentar a escola. Isso não é uma revolução, talvez seja uma revolução dentro da revolução: as escolas não devem estar focadas somente em um único aspecto de sucesso do estudantes, aquele medido pelos testes, agora há mais evidências para saber como valores contribuem para a educação.
Valor: Mas isso não implicaria uma série de mudanças? Preparação de professores, currículo…
JH: A abordagem tradicional da educação sempre foi a de encorajar a criança, mostrar valores, ensinar toda uma gama de habilidades. O que deve acontecer é que devemos nos voltar para esse esquema. O que aconteceu é que quando dissemos que os testes educacionais eram a coisa mais importante para orientar as políticas educacionais, as crianças e os professores ficaram só focados em ensinar e aprender com base nesses testes. As grandes avaliações corromperam o sistema educacional tradicional. Valorizar competências socioemocionais na escola é mais como um retorno ao Jardim do Éden do que uma revolução, é realmente voltar anos no tempo para melhorar as políticas educacionais. É importante dizer que nós podemos medir essas competências e nós sabemos que elas são importantes. Não é uma revolução porque é o que professores sempre fizeram, ensinar o básico em termos de conhecimento, mas também valores.
Valor: O sr. está defendendo o fim das avaliações educacionais de larga escala?
JH: Não, ambas [avaliações] são importantes. Não é preciso ir de um extremo a outro, mas o mais importante aqui é restaurar um equilíbrio. O que aconteceu é que nós passamos a focar tanto nas habilidades cognitivas e deixamos outras habilidades que são importantes para trás.
Valor: Usando o Pisa como exemplo, é possível integrar um teste tradicional que mede conhecimento com um que avalia habilidades não cognitivas?
JH: Há um quadro que mostra que determinada criança é boa em matemática, talvez não tão boa em português. Se incluirmos aí outro aspecto, podemos saber talvez que essa criança tem problemas em cooperar com seus colegas de classe, mas é muito perseverante. Saber essas coisas é uma estratégia que você dá para o professor. Você está dizendo para ele: essa criança é um pouco deficiente aqui, tem bons resultados nesse outro aspecto. A partir disso, você cria um alvo para levar a criança a um outro nível. Isso representa um sistema educacional mais efetivo do que simplesmente focar um problema relacionado à nota de uma disciplina.
Valor: Governos precisariam gastar mais para ter um modelo educacional orientado pelo resultado dessas novas avaliações?
JH: Não. É uma questão de enfatizar o que é ensinado aos professores nas faculdades de pedagogia, nas licenciaturas, e como recompensá-los pelo seu trabalho. O professor devia pensar em como produzir a criança como um todo, o ser humano como um todo. Eu não acho que seja preciso mais dinheiro para isso, de forma alguma.
Valor: O Brasil é um país desigual, os professores são mal remunerados. É comum ouvir de professores que, além de ensinar, eles também têm que ser meio psicólogos, tratar dos problemas familiares dos alunos, cuidar do aluno que chega com fome na escola. Dar aulas olhando para essas novas habilidades não significa mais trabalho para os professores?
JH: Bom, é preciso pensar o que faz, de fato, uma educação ser efetiva. Talvez seja preciso enfatizar o que os professores faziam no passado, que era a boa maneira de ensinar. Isso tem que ser reconsiderado. Ensinar é uma forma de ser pai e mãe, de preparar para a vida, não sei se uma forma de ser psicólogo também, mas professor tem que ouvir muito as crianças. Eu me solidarizo com esses professores dos quais você fala, embora não conheça seus salários. Mas o que eu posso dizer é que uma educação efetiva é muito diferente daquela que só foca em escrever, ler e contar. Educação só será melhor se os professores souberem trabalhar com outras habilidades, como a motivação das crianças.
Valor: Seu trabalho é geralmente criticado por focar em resultados econômicos. Mesmo as pesquisas sobre primeira infância e habilidades não cognitivas têm como foco o fator produtividade e o retorno econômico do indivíduo para a sociedade. Como responde a isso?
JH: É um erro. Estava na Itália no mês passado e recebi críticas parecidas. De acordo com dados americanos, nós estimamos uma taxa de retorno de 7% a 10% por ano em termos de valores econômicos para a formação escolar. Mas isso subestima uma taxa total de retorno de uma pessoa com melhor formação escolar que tem mais chances de desenvolver melhores condições de saúde, tem mais chance de desenvolver melhor sua autoconfiança, melhorar uma grande gama de relações que podem ser quantificadas. E nós estamos quantificando isso aqui em Chicago. Eu acho que essas críticas são um equívoco sobre a importância dos resultados econômicos, que não estão sozinhos, tentamos unir resultados econômicos com um conjunto de valores. Por exemplo: estimular o desenvolvimento na primeira infância tem grandes efeitos em saúde, ajuda a reduzir substancialmente o risco de diabetes, incidência de doenças cardíacas no futuro.
Valor: Os governos estão mais atentos a temas como esses que serão discutidos no seminário em São Paulo?
JH: O seminário é um exemplo da preocupação de governos com o tema. Há três meses, conversei com os ministros da Educação do Reino Unido e da Noruega, que se mostraram muito abertos para o assunto. Há um diálogo público em andamento, mas leva tempo fazer essas ideias avançarem.
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