Entidades criticam declaração de ministro da Educação sobre crianças com deficiência criarem “dificuldades” em sala de aula
“Além de eticamente repugnante, a declaração ignora todo conhecimento científico produzido sobre os benefícios educacionais de um ensino inclusivo que promova diversidade”, afirmam no documento
O Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou nota sobre a declaração do ministro da Educação de que “alunos com deficiência atrapalham” o aprendizado de outros estudantes. A afirmação foi feita durante entrevista à TV Brasil na semana passada. Segundo o documento publicado pelo grupo, além de eticamente repugnante, a declaração ignora todo conhecimento científico produzido sobre os benefícios educacionais de um ensino inclusivo que promova a diversidade.
“O Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade não só manifesta o seu repúdio à manifestação preconceituosa e perversa do Ministro da Educação, como chama a atenção para a sua responsabilidade na implementação e concretização de direitos constitucionais, e não por sua destruição”.
O Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade da SBPC, em parceria com o Observatório do Conhecimento e o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), lançam amanhã, 19 de agosto, uma pesquisa para rastrear casos, ouvindo docentes e pesquisadores de instituições de ensino superior de todo o País.
Veja a nota na íntegra:
Nota do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade e da SBPC sobre a declaração do Ministro da Educação
O Ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou em vídeo na TV Brasil que “alunos com deficiência atrapalham”. Além de eticamente repugnante, a declaração ignora todo conhecimento científico produzido sobre os benefícios educacionais de um ensino inclusivo que promova diversidade. Nesse sentido, dá causa a crime de responsabilidade, como se deduz do art. 7º, item 9, da Lei 1.079/50.
A Constituição de 1988, em seu artigo 205, estabelece como objetivos da educação o “pleno desenvolvimento da pessoa”, o “preparo para o exercício da cidadania” e a “qualificação para o trabalho”. Essa ordem de preferência tem implicação significativa: os educandos devem ser necessariamente preparados para a vida coletiva na sua diversidade, pois essa é, em si, fonte de conhecimento recíproco e possibilita a construção de uma noção compartilhada de “bem comum”.
Em momento posterior à sua gênese, e por conta do disposto no artigo 5º, § 3º1, a Constituição também passou a contar com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Os princípios que a orientam são, entre outros, os seguintes: (a) o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; (b) a não discriminação; (c) a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; (d) o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; (e) a igualdade de oportunidades e (f) a acessibilidade.
A Convenção e a Constituição de 1988 incorporam mudança significativa na concepção relativa a pessoas com deficiência que, antes delas, eram meramente consideradas como receptoras de assistência e não como sujeito de direitos. O foco da discussão sobre deficiência passou assim a centrar-se nas barreiras que, existentes na sociedade, impedem as pessoas com deficiência de nela incluírem-se em igualdade de condições. Nesse regime de direitos, a Convenção confere certamente um espaço estratégico à educação, consignando, no artigo 24.1, que, “para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida”. Também estipula que “as pessoas com deficiência não podem ser excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência” (artigo 24.2.a) e que devem receber “o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação” (artigo 24.2.b).
O Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência elaborou o Comentário Geral nº 4, a respeito da interpretação do artigo 24 da Convenção2 , afirmando o direito das pessoas com deficiência a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, que abranja pré-escola, ensino fundamental, médio e superior, treinamento vocacional e educação continuada, atividades extracurriculares e sociais, para todos os estudantes, incluindo as pessoas com deficiência, sem discriminação e em igualdade de condições com os demais. A Lei Brasileira de Inclusão – Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 –, que entrou em vigor em janeiro de 2016, consolidou, expressamente, em seu art. 28, o direito das pessoas com deficiência à educação inclusiva. O Supremo Tribunal Federal contou com um julgamento fundamental para a reafirmação dos pressupostos da educação inclusiva na ADI 5357, e, mais recentemente, referendou medida cautelar na ADI 6590, suspendendo a eficácia do Decreto 10.502/2020, que buscava instituir espaços segregados para a educação de pessoas com deficiência.
O Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade não só manifesta o seu repúdio à manifestação preconceituosa e perversa do Ministro da Educação, como chama a atenção para a sua responsabilidade na implementação e concretização de direitos constitucionais, e não por sua destruição.
São Paulo, 18 de agosto de 2021
Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade.
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Jornal da Ciência