Um cabo, um soldado e as entranhas da avaliação quadrienal da Capes
“A medida acolhida pelo MPF do Rio de Janeiro reclama uma solução há muito demandada por parte expressiva dos avaliados: assegurar o mínimo de previsibilidade e estabilidade no sistema nacional de avaliação”, defende José Gondra, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do CNPq e da Faperj
Em ação civil pública, o Ministério Público Federal (MPF) intimou a Capes a apresentar os critérios de avaliação empregados no quadriênio encerrado em 2020, cuja avaliação se encontrava em sua fase final. Os procuradores alegam, corretamente, que os critérios de avaliação foram alterados ao final do quadriênio, com efeitos retroativos, sem previsão de regimes de transição entre os dois modelos. Alegam, ainda, que a retroatividade dos parâmetros normativos, regulatórios e fiscalizatórios do complexo sistema nacional de pós-graduação, que envolve cerca de cinco mil programas de Mestrado e Doutorado, consiste em um expediente inadmissível no direito, na medida em que pegam de surpresa as instituições, pesquisadores e alunos; sem possibilitar revisão dos planejamentos e, consequentemente, dos resultados atingidos em termos de formação, pesquisa e comunicação qualificada.
Ao operar com estes argumentos, o MPF também invoca princípios básicos da teoria da avaliação, isto é, as regras e parâmetros de toda e qualquer avaliação, da sala de aula até as macroavaliações, precisam estar definidas antes do apito inicial, isto é, antes do jogo começar a ser jogado. Ao inverter maldosamente os princípios do direito e da pedagogia, os gestores da Capes certamente favorecem uns e prejudicam outros tantos. Os menos favorecidos constituem uma maioria que não cessa de aumentar, sobretudo em um cenário de crescente escassez de recursos para a pesquisa e formação pós-graduada.
No quadriênio encerrado em 2020, modificações drásticas foram operadas no sistema, como a medida genérica de considerar apenas quatro produtos por professor de cada programa. Não bastasse esta imposição, os programas foram responsabilizados pela indicação dos referidos produtos sem terem acesso a nenhum instrumento confiável para qualificar as revistas científicas, livros, eventos, exposições, vídeos e outra formas da comunicação especializada. Tenta-se impor, igualmente, formas de aferição baseada em indicadores elaborados, geridos e comercializados por empresas transnacionais, extremamente lucrativas, que dominam muitas ferramentas da difusão científica, quase naturalizadas, como a Clarivate, Sage, Scopus, Elsevier e Wiley, que disputam parte importante do orçamento mundial destinado a CT&I, da ordem de U$ 1,366 trilhões, segundo estimativas válidas para o ano de 2020.
Ao fazer isto, o sistema opera com a perversa lógica da homogeneização, procurando equiparar as histórias e funcionamentos de campos extremamente diversos, como a física, química, teologia, educação, agronomia, antropologia, engenharia, medicina e as artes.
Não se trata de defender a judicialização de qualquer matéria, a qualquer preço, menos ainda de defender que basta um soldado e um cabo para garantir o fechamento do Supremo Tribunal Federal. A medida acolhida pelo MPF do Rio de Janeiro reclama uma solução há muito demandada por parte expressiva dos avaliados: assegurar o mínimo de previsibilidade e estabilidade no sistema nacional de avaliação.
Como diz a juventude; demorô!
*O artigo expressa exclusivamente a opinião de seus autores