JUSTIÇA, AVALIAÇÃO E REPROVAÇÃO: O PODER DE PUNIR

 

JUSTIÇA, AVALIAÇÃO E REPROVAÇÃO: O PODER DE PUNIR

Profa. Dra. Enílvia R. Morato Soares

Ao determinar a reversão da decisão de uma escola pública do DF em aprovar 18 estudantes da Educação de Jovens e Adultos que deixaram uma prova em branco, a justiça:

  • Interfere em decisões de cunho pedagógico que não são de sua competência, por não contar com profissionais formados para esse fim.
  • Confere a um único instrumento avaliativo o poder de classificar e selecionar estudantes, estabelecendo sua não condição de prosseguir nos estudos e desconsiderando todas as demais práticas avaliativas que o estudante vivenciou.
  • Desqualifica o trabalho dos professores e demais profissionais que decidiram pela aprovação dos estudantes, desconsiderando o fato de que, por estarem convivendo cotidianamente e possuírem formação específica para o exercício do cargo, são eles os mais aptos a tomar tal resolução.
  • Extrai, do profissional docente, a autonomia necessária para o desenvolvimento de seu trabalho.
  • Desconsidera a condição de sujeitos historicamente excluídos do direito à educação – muitas vezes em decorrência de reiteradas reprovações – característica dos estudantes da EJA, e a necessidade de atendê-los de forma diversa, respeitando suas especificidades e realidades.
  • Contraria o Regimento Escolar da Rede pública de Ensino, que defende que:
    • “A função formativa da avaliação é o princípio das práticas avaliativas em toda a Rede pública de Ensino”;
    • o valor atribuído a testes/provas não pode ultrapassar 50% da nota final de cada componente curricular;
    • é de competência do Conselho Escolar “deliberar sobre os casos de aprovação, reprovação e avanço de estudos”.
  • Contraria orientações pedagógicas da SEEDF, como as Diretrizes de Avaliação, que estabelecem que:
    • Devem ser adotados diferentes instrumentos e procedimentos de avaliação com objetivo de, por meio da avaliação formativa, promover o avanço dos estudantes, citando: a avaliação por pares, prova, portfólio ou webfófio, registros reflexivos, seminários, pesquisas, trabalhos em pequenos; grupos, autoavaliação e outros.
    • “avaliar não é aplicar um instrumento, isoladamente, e dele se servir como o único parâmetro por parte do avaliador”;
    • a avaliação que serve para punir e/ou excluir as pessoas revela sua face mais cruel, pois diz respeito à questão de poder.
  • Contraria a própria LDB 9394/96, que determina que a avaliação deve ser “contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais”.

Esforços até hoje envidados no sentido de promover uma avaliação voltada à promoção de aprendizagens parecem esvair-se diante de fatos como esse, que, infelizmente, não se apresenta de modo isolado. A decisão judicial aqui analisada constitui só mais um capítulo da história de retrocessos que a educação do DF e do Brasil tem vivenciado nos últimos tempos, quando diferentes medidas vêm sendo adotadas visando o desmonte da escola pública e essa parece ser só mais uma delas.

Compreender que tais medidas são intencionais e que atendem ao paradigma da “educação como privilégio” (JACOMINI, 2010), é necessário e urgente para que movimentos de resistência se instaurem no âmbito das escolas, das políticas educacionais e de toda a sociedade!

Referências:

BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília-DF: 1996.

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Diretrizes de Avaliação Educacional – Aprendizagem, Institucional e em Larga Escala. Subsecretaria de Educação Básica. Brasília-DF, 2014-2016.

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Regimento Escolar da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. Brasília-DF, 2019.

JACOMINI, Márcia Aparecida. Educar sem reprovar.   São Paulo: Cortez, 2010.

 

 

 

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