Materiais didáticos padronizados e provas unificadas transformarão a vida dos estudantes da rede pública de ensino do Distrito Federal?
Prof.ª Dr.ª Elisângela Gomes Dias
Em entrevista recente à Agência Brasília, o secretário de Educação do DF, Rafael Parente, anuncia sua proposta de “humanizar a gestão das escolas públicas”. Entre os projetos considerados como “inovadores” está a “elaboração de materiais didáticos próprios, elaborados por professores da rede pública do DF, a criação de bimestrais unificadas e a elaboração de atividades comuns de reforço pedagógico”.
Como é possível perceber, a qualidade do ensino agora vem atrelada com à promessa da inovação, mas a estratégia recorre à antiga máxima: para maior qualidade, padronização e mais exames, o que significa maior responsabilização da escola e dos/as professores/as. Trata-se de uma lógica confusa de um sistema globalmente deficiente, o qual sequestra a avaliação como o amuleto capaz de resolver a crise que abate a educação. A elaboração de material didático e atividades comuns de reforço escolar são tomadas como proposta milagrosa frente aos baixos índices de proficiência revelados pelo IDEB.
Esse modelo vem consolidando uma cultura de avaliação educacional em torno da teoria da responsabilização (accountability), em que metas são definidas em meio a ambivalências entre o saber e não saber, na perspectiva da substituição da heterogeneidade real por uma homogeneidade idealizada. O exame é considerado avaliação, por isso a preocupação está em torno do aprimoramento de técnicas de mensuração, em defesa da objetividade na busca de uma suposta neutralidade. Isto porque se acredita que as habilidades que compõem as matrizes dos testes, alinhadas a partir de um currículo considerado mínimo, mobilizam os professores para ensinarem nessa direção e, com isso, garantir a qualidade tão almejada, cujo produto será a formação de “cidadãos” competitivos e preparados para atender às necessidades do mercado.
Com isso, a sala de aula se torna um espaço de repetição e com pouco estímulo à criatividade e à circulação de novas ideias, pois a ênfase está no produto e não no processo. Portanto, o conceito de qualidade que se revela é pautado pela crença da homogeneização dos sujeitos, culturas e práticas, fixada pelo modelo hegemônico de escola que exclui os diferentes, nega a alteridade e segrega aqueles que não se adequam às normas estabelecidas em uma única racionalidade. Com efeito, será gerado um ethos competitivo que tende a supervalorizar indicadores estatísticos que desconsideram contextos e processos educativos e reduz a autonomia profissional, de modo a aumentar o poder coercitivo do Estado.
As propostas anunciadas, portanto, não são inovadoras. Ao contrário, mantêm uma visão conservadora de educação, servindo como mecanismo de controle, seletividade e que retoma o padrão rígido definido pela avaliação quantitativa, desencadeando práticas semelhantes. Importante enfatizar ainda que estas contrariam as concepções da própria rede pública, pautadas na psicologia histórico-cultural, na pedagogia histórico-crítica e na defesa da avaliação formativa (SEEDF, 2014. Pressupostos Teórico-Metodológicos do Currículo em Movimento).
Alertamos que a implementação das alternativas apresentadas pelo secretário de educação do DF, que destacamos, pode ser nociva para a própria qualidade da educação na medida em que tendem a fixar standards ou padrões como forma de monitorar os fluxos de qualificação de mão de obra, de triar a força de trabalho. Isto porque materiais e testes padronizados escondem aspectos importantes da finalidade da educação e orientam os gastos para as provas e não para o ensino. Abre-se espaço para o crescimento da indústria da avaliação e da tutoria, criando “fluxos” autorizados no interior do aparato educacional.
Há uma clara intenção política: melhorar a qualidade por meio do confronto de coletivos, o que diminui a dignidade dos docentes, mina a motivação intrínseca dos professores, torna os processos de ensino mais rígidos e destrói o clima em sala de aula, fragilizando a confiança e o vínculo entre estudante e professor.
A avaliação é mais abrangente que os resultados do IDEB ou de provas padronizadas, por isso é uma atividade que não tem um fim em si mesma e não é neutra. Seu propósito não pode ser selecionar, medir, julgar ou comparar, mas conhecer a realidade e o trabalho realizado para repensar, reorientar, replanejar, reorganizar, renovar e orientar a tomada de decisão.
Desse modo, defendemos que os critérios de avaliação precisam ser definidos de forma transparente e articulados com o projeto pedagógico da escola, coerentes com o contexto educativo e com sua história, pois somente aqueles que detêm o conhecimento da sua realidade podem envolver-se com suas demandas de forma efetiva, identificando seus limites e possibilidades.