Luiz Carlos de Freitas
Texto publicado no blog Avaliação Educacional – Blog do Freitas, em 27/12/2013
Publicado neste blog com autorização do autor
A relação pobreza/mau desempenho é bastante conhecida e investigada ao redor do mundo. Em geral, os pesquisadores concordam em que elas são variáveis associadas. Em geral, novamente, mau desempenho acompanha a pobreza e vice-versa. Dito de outra forma, quanto maior é a pobreza, maior é a probabilidade de insucesso escolar.
Os reformadores empresariais reconhecem isso. Mas… pensam que a escola pode suplantar a pobreza com a sua ação eficaz. Daí sua ênfase na figura do professor como aquele que vai ajudar a superar a condição da criança. Baseiam-se em experiências exitosas isoladas as quais elevam à categoria de comprovação de sua tese.
Os reformadores empresariais são por excelência, liberais. Qualquer um que estudou esta proposta social sabe que ela propõe que todos tenham apenas igualdade de oportunidades. Não pode ir além disso. Não está em seu ideário a igualdade de resultados – nem mesmo acadêmicos, quanto mais econômico-sociais. A palavra chave da ideologia liberal chama-se: esforço pessoal. Isso conduziria ao sucesso. Transliterado para a ação da escola, professores deveriam ser bons estimuladores e motivadores de seus estudantes para que eles, apoiados em esforço pessoal, fossem então bem sucedidos. Claro: como as pessoas não são iguais, também os resultados não seriam iguais. Mas… tiveram oportunidade.
A curva normal é a representação perfeita da ideologia liberal: 20% abaixo da média; 60% em torno da média, e 20% acima da média – ou algo próximo disso. O “desvio padrão” posiciona cada um no seu lugar (positiva ou negativamente em relação à média). Através deste conceito, a vida é compreendida como uma dedução “normal” destas distâncias que situa as pessoas em suas variadas posições acadêmicas, econômicas e sociais, produto de seu esforço pessoal.
Os liberais são os detentores do poder econômico e social em nossa sociedade. Advogam em causa própria. De sua posição de bem sucedidos, contemplam os demais não tão bem sucedidos e os medem pelo seu próprio “esforço pessoal”. Quanto de fato foi esforço pessoal próprio é esclarecido pela obra de variados autores da sociologia, incluindo Bourdieu.
Curiosamente, é em nome da curva normal – que orienta a elaboração dos testes padronizados aplicados nas escolas – que os liberais avaliam a atuação das redes de ensino e emitem seus vereditos expressos nos ranqueamentos. Como bem explica Diane Ravitch abaixo, a curva normal não é indutora de equidade pela sua própria natureza. Como também já apontou Bloom há 42 anos, ela não é uma boa representação do fenômeno educacional, pois o que se quer é igualdade de resultados, ou seja, algo começando com 100% acima do ponto médio, aumentando positivamente e gradativamente a cada desvio padrão, com concentração na ponta extrema, após algum tempo. 95% das crianças que estão na escola podem aprender tudo se lhes dermos o tempo que precisam e os meios adequados. A ideia dos ciclos de formação tem este embrião em sua base.
Esta é a exigência que falta aos liberais e aos reformadores empresariais. A eficácia que pregam é a da curva normal. Não serve. Pois ela distribui os desempenhos e é ela que está na base dos testes padronizados utilizados. Em educação, não há curva normal. Todos devem aprender tudo a seu tempo.
Mas voltando à questão da relação pobreza/desempenho, é interessante ver abaixo a resposta de Diane Ravitch a esta questão, respondendo a um leitor de seu Blog:
“Primeiro, ele se opõe à minha afirmação de que a pobreza é o mais importante preditor de mau desempenho escolar, mesmo que ela seja empiricamente precisa. Ele afirma que estou dando desculpas para o mau ensino e que eu estou dizendo que não podemos melhorar as escolas até eliminar a pobreza. Mas, no meu livro, eu deixo claro que devemos tanto reduzir a pobreza como melhorar as escolas, não escolher um antes do outro. Ele diz que os professores não podem reduzir a pobreza, não podem reduzir o tamanho das turmas, não podem controlar quem inclui aulas de artes, e não têm controle sobre as circunstâncias externas. Isso é verdade, mas ele não parece perceber que o meu livro não foi escrito como um guia para o professor, mas como um guia para a política nacional e estadual. Os formuladores de políticas podem controlar o tamanho das turmas; podem controlar os recursos; podem tomar decisões para melhorar a vida das crianças e ajudar as famílias a sair da pobreza, ou podem dar de ombros e dizer “deixe que as escolas façam isso.” Não há nenhum país do mundo onde a reforma da escola acabou com a pobreza, e nem a reforma da escola vai acabar com isso aqui. Ele não parece entender que eu estou tentando abrir as mentes dos congressistas, senadores, funcionários de gabinete, governadores e Legislativos Estaduais; que eu quero que eles tomem medidas para melhorar a vida das crianças e das famílias, e eu quero que eles entendam que eles não devem cortar os postos de trabalho dos bibliotecários e enfermeiros e aumentar o tamanho das turmas, e que eles não devem amarrar a remuneração dos professores a resultados de testes. Concordo em que os professores fazem uma diferença enorme na vida das crianças, mas eu quero que ele reconheça que o jogo está contra as crianças pobres. É marcado pelas circunstâncias, e é marcado pela dependência obsessiva de nossas escolas por testes padronizados. Testes padronizados são baseados na curva normal. A curva normal não produz igualdade de oportunidades educacionais. Ela favorece a vantagem sobre os mais desfavorecidos. Nós, como sociedade, temos a obrigação de fazer algo sobre isso.”
Portanto, se de fato queremos combater a reprovação, se queremos favorecer a equidade, temos que começar por uma crítica a um conceito estatístico que não se adequa ao fenômeno educativo: a própria curva normal que está na base dos testes padronizados. Não dá para ser contra a reprovação do aluno e ser ao mesmo tempo a favor dos testes padronizadas com ranqueamento de escolas e distribuição de bônus. O ranqueamento de escolas é só uma extensão da mesma lógica do ranqueamento dos estudantes (dentro ou fora da sala de aula), pretensamente negado por quem prega a não reprovação do aluno, mas defende os ranqueamentos de escola e professores regados a bônus. Testes padronizados só devem ser amostrais e para orientar a política pública e não para avaliar escolas, professores e alunos.
Não lidamos com sacas de café, plantio de batata ou produção de pregos. Lidamos com a formação humana a qual deve ser a mais elevada para todos e não elevada “em média”. Esta é a exigência que temos que ter e não a exigência de escalas de proficiência que oficializam a falta de equidade. Não queremos a “garantia de aprender o básico” para depois talvez aprender o “não básico”, mas que é, de fato, o definidor do sucesso na sociedade. Não queremos o discurso da equidade associado às escalas de proficiência que acolhem a não equidade acadêmica. Não basta ser contra a reprovação e a favor do ranqueamento em escalas. Aprovar escalonadamente é ocultar o não ensino no discurso da não reprovação. Não queremos substituir a nota de 0-10 pela localização do aluno em escalas de proficiência igualmente segregadoras. Nossa curva é outra.
Pobreza/reprovação/desempenho estão associados. Por que não colocarmos metas anuais para a redução da pobreza? Melhor ainda, por que não um ranqueamento de municípios e estados pela pobreza (não falo do IDH) seguido de uma Lei de Responsabilidade Social que obrigue o cumprimento destas metas?