Leda Regina Bitencourt da Silva
“Dever de casa”, “Tarefa de casa” ou simplesmente “Para casa” são expressões comumente usadas para designar atividades escolares realizadas pelos estudantes fora do horário de aulas, em geral no espaço doméstico.
A presença do processo de escolarização ou complementação em casa está presente desde o século XVII, quando os pais discutiam a vantagem de mandar as crianças para uma escola distante ou ficar em casa e fazer as tarefas escolares com um preceptor (Ariès, 2021). Naturalizado ao longo dos tempos por grande parte da sociedade, incluindo profissionais da educação, o dever de casa tem, mais recentemente, causado inquietações e constituído foco de estudo por parte de pesquisadores e estudiosos da avaliação (Villas Boas e Soares, 2013).
Estamos em 2022, ainda enfrentando a pandemia do coronavírus. No momento em que a maioria das escolas brasileiras está retomando o trabalho presencial, é importante refletir sobre o dever de casa no contexto do trabalho pedagógico que privilegia a função formativa da avaliação, por ser a que impulsiona as aprendizagens de todos os estudantes. Dentre os recursos a serem utilizados está o dever de casa, cuja prática necessita ser repensada, como indicam os resultados da pesquisa conduzida por Villas Boas e Soares (2013).
Segundo as autoras acima mencionadas, “na perspectiva da avaliação formativa, o dever de casa é compreendido como parte do trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula” (p. 49). Apoiando-se em Vatterott (2010), apontam aspectos a serem observados: possuir propósitos claros para o professor, a escola, os pais e os estudantes; fornecer aos professores feedback que permita a reorganização do trabalho escolar; incluir atividades que apresentem evidências de aprendizagem, não consumam tempo demasiado dos estudantes e possibilitem a criação dos sentimentos de pertencimento e de competência. É necessário que os docentes reconheçam a importância das atividades desenvolvidas em casa e a que propósitos se destinam. O dever de casa realizado mecanicamente, para cumprimento de exigência da escola, é perda de tempo. Significa subestimar a inteligência dos estudantes.
Além dos aspectos acima, cabe refletir: em quais situações o dever de casa contribui para a ampliação das aprendizagens? Sua adoção é conveniente em escolas de tempo integral? São questões a serem discutidas pelos professores, equipe pedagógica, estudantes e pais/responsáveis. Estes últimos devem participar da tomada de decisões e não apenas serem informados sobre elas.
Observados os cuidados acima descritos, o dever de casa pode constituir um dos recursos que se aliam à avaliação formativa para que se investiguem as necessidades de aprendizagem dos estudantes. A cada necessidade verificada cabe uma intervenção imediata, para que o trabalho prossiga sem percalços.
A “correção” do dever de casa não pode ser um “acerto de contas” entre professor e estudantes. Em algumas situações, ela ocorre no início da aula, oralmente ou por meio da escrita no quadro, quando o professor chama um estudante por vez para dar “a resposta certa”, quando todos os olhares se voltam para ele. Este é um momento de avaliação do qual toda a turma participa, quando não se pode expor o estudante à avaliação informal constrangedora nem desencorajadora. Segundo os princípios da avaliação formativa, o clima da sala de aula sempre convida ao apoio às aprendizagens. Nenhuma ação que coloque o estudante em situação de desconforto é aceita. Cabe ao professor criar esse ambiente na sala de aula.
REFERÊNCIAS
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. – 2. ed. – [Reimp.]. Rio de Janeiro: LTC, 2021.
VATTEROTT, C. Five Hallmarks of good homework. Educational leadership. Alexandria, Vancouver, september, 2010.
VILAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. SOARES, Enílvia Rocha Morato. Dever de casa e avaliação. – 1ª ed. – Araraquara, SP: Junqueira&Marin, 2013.