O mundo empresarial se movimenta para “facilitar” a implementação da Base Nacional Comum Curricular

O mundo empresarial se movimenta para “facilitar” a implementação da Base Nacional Comum Curricular

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

 

Antes mesmo de os sistemas de ensino se organizarem para discutir a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o mundo empresarial já constituiu parcerias para atividades lucrativas. A terceira versão da Base foi divulgada em abril de 2017 e deve se tornar obrigatória até o final deste mesmo ano. A fase de implementação tem início após a homologação do documento pelo MEC, o que deve ocorrer no segundo semestre deste ano para a Educação Infantil e Ensino Fundamental. Para o Ensino Médio será em 2018. A implementação envolve várias ações pelos estados e municípios, com apoio do Mec.

No dia 17 de maio deste ano, a Fundação Lemann e a Omidyar inauguraram parceria para fomentar “o trabalho de empreendedores – especialmente brasileiros – comprometidos com educação e dispostos a desenvolver soluções tecnológicas que facilitem a implementação da Base Nacional Comum Curricular” (www.fundacaolemann.org.br/omidyar-network/?). A expressão “especialmente brasileiros” indica que haverá outros, de outras nacionalidades.

A divulgação da notícia pelas duas empresas declara que, “para a Base ser efetiva e ajudar com avanços reais na aprendizagem, sua implementação demanda muito trabalho de professores, gestores, secretarias de educação, municípios e estados”. Por esse motivo, o diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, profetiza que os educadores, gestores escolares, pais e responsáveis enfrentarão desafios para trazê-la para dentro da escola e que o investimento que sua empresa pretende fazer em tecnologias poderá ajudá-los a garantir o acesso a uma educação de qualidade para todos. Será que essa qualidade tão almejada precisa ser gestada fora da escola e por empresários? O que ele quer dizer com “trazer a Base para dentro da escola?” É tarefa deles? Qual o lugar dos educadores profissionais nesse processo? Subestima-se o papel desses educadores nesse processo.

Juntas, as duas empresas investirão, em um ano, 3 milhões de dólares para “buscar e apoiar empreendedores e projetos que facilitem a implementação da Base por meio de tecnologia”. Acrescenta a reportagem: “As soluções podem ter impacto direto na sala de aula e servir para professores e alunos, mas também podem apoiar a gestão escolar, elaboração de currículos, rotina de secretarias de educação, envolvimento dos pais e responsáveis, entre outros”. Percebe-se que a intenção dessas empresas vai além do divulgado anteriormente: parecem querer assumir toda a escola. Esse tipo de ação interessa ao nosso país?

Quem já lhes garantiu a compra dessa tecnologia? Onde buscarão os empreendedores? Educadores profissionais brasileiros participarão das atividades? Estas respostas têm de ser oferecidas com clareza.

Eliza Erikson, da Omidyar Network, salienta: “Há uma grande oportunidade em investir em ferramentas inovadoras que melhorarão os resultados de aprendizagem no Brasil”. O objetivo da Base é melhorar resultados? Penso que não. Eles são consequência das aprendizagens dos estudantes.

Outra representante da Omidyar Network, Amy Klement, anuncia que “… vamos primeiro entender quais são os problemas reais de professores e alunos. Depois, buscaremos tecnologias que ajudem em seus desafios”. Nossas escolas e nossos professores e gestores já sabem quais são suas necessidades. Fiquemos atentos: enquanto grupos externos à escola já estão “pensando” a Base, os professores e gestores não podem ficar aguardando o desenrolar dos acontecimentos.

 

Por que não oferecer as melhores condições a todas as escolas do país para desenvolverem a Base? Trazer empreendedores para impor seus projetos e depois se afastarem, como já aconteceu em outras situações, não nos trará benefícios.

A publicação consultada, em seu final, faz uma absurda propaganda: “Se você é empreendedor ou uma organização voltada para a inovação e está pensando ou trabalhando com uma tecnologia que possa ajudar no processo de implementação da Base, em breve teremos novidades de como poderá contribuir com esse projeto. Continue acompanhando nossos canais para saber as novidades destas parcerias”.

Isto é simplesmente estarrecedor. Serviços estão sendo vendidos em favor da implementação da Base. Nossas escolas e professores precisam acompanhar criticamente tais intenções e rejeitar as que têm o propósito de dar lucro a essas organizações.

As escolas e os professores sempre foram vítimas das três características básicas da organização capitalista do processo de trabalho: divisão entre trabalho manual e intelectual, fragmentação/desqualificação do trabalho; controle hierárquico. Mais uma vez essas características se impõem.

Nada contra a tecnologia. Incontestavelmente, sua contribuição pode ser valiosa. Porém, ela é um meio e não um fim. Por que lhe dar ênfase antes mesmo de a Base ser implementada? O momento é de professores e gestores se reunirem para compreendê-la e darem início, eles próprios, à reorganização curricular. Outra necessidade urgente é o trabalho com docentes de cursos de licenciatura para que a formação dos futuros professores inclua as necessidades das escolas de educação básica. Pesquisas têm demonstrado que esses cursos estão distantes da realidade educacional.

O lugar de destaque conferido à tecnologia, com investimento financeiro tão alto, correndo o risco de as ações serem descontextualizadas, por meio da intervenção de empreendedores desvinculados da área educacional, nos dá a impressão de favorecimento.

Precisamos reunir forças para combater iniciativas que retirem a autonomia pedagógica e de gestão das escolas. O professor não pode perder seu lugar de protagonista para ser figurante.

 

 

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