O PODER EMANCIPADOR DA AVALIAÇÃO

                               O PODER EMANCIPADOR DA AVALIAÇÃO

Enílvia Rocha Morato Soares

Doutora em Educação pela UnB

Integrante do Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA

           

Parece ser senso comum associar avaliação a poder. Quando acontece no campo educacional, diz-se que o poder da avaliação está centrado no avaliador que, na maioria das vezes é o professor e ou demais profissionais da educação que atuam na escola, podendo eles decidirem sobre o destino escolar dos estudantes. Assim entendida, a avaliação se desvela mecanismo que confere, a quem avalia, poder suficiente para julgar e definir quem está apto a prosseguir, ou seja, quem terá o direito de continuar aprendendo. Aos considerados inaptos, resta a alternativa de redobrar esforços para tentar, sob condições semelhantes (conteúdos trabalhados da mesma forma como quando não foram aprendidos) ou ainda piores (em menor tempo e paralelo ao ensino de novos conteúdos), aprender o que não foi aprendido ou, pelo menos, não foi percebido como tal pelo avaliador.

O poder de classificar e selecionar estudantes por meio da avaliação acontece quando a relação avaliador/avaliado se pauta na verticalidade, semelhante ao que se estabelece na relação dominador/dominado. Essa ruptura, que situa em diferentes patamares sujeitos com objetivos comuns (ou que deveriam ser comuns), destitui a avaliação de seu principal poder: o de contribuir para a emancipação.

Quando a prática avaliativa segue acompanhada do compromisso de promover a autonomia dos sujeitos e, mais amplamente, a emancipação humana, é da avaliação formativa que estamos falando. Nessa perspectiva, avaliação e aprendizagem se fundem em meio a um processo educativo que se concretiza como meio de humanização e libertação.  A avaliação se reveste, nesse caso, do poder de estender a todos o direito legal e inalienável de aprender.

Em uma sociedade como a nossa, em que processos seletivos acontecem, em grande medida, por meio de testes homogeneizados aplicados em larga escala que são insistentemente e erroneamente chamados de avaliação, a tarefa de articular avaliação e construção de aprendizagens emancipadoras constitui um desafio que precisa ser enfrentado, sob pena de vermos reforçado o atual, desigual e injusto modelo social.

Avaliar para aprender, aprender para formar, formar para emancipar. Esse é o movimento que possibilita educar para compreender o mundo e nele atuar com consciência crítica necessária para modificá-lo.  Mas como empoderar a avaliação de modo a canalizá-la nessa direção?

Ética, diálogo e compromisso político são princípios norteadores desse processo. O respeito e a parceria entre avaliador e avaliado, bem como a consciência do papel inclusivo da educação escolar, presentes na avaliação regida por esses princípios, podem dar o tom emancipador à avaliação. Vale lembrar que, nesse caso, todos (estudantes e seus familiares, professores e demais profissionais da escola) são avaliadores e, também, avaliados. Todos avaliam porque participam do processo e, por isso, têm a contribuir. Todos são avaliados porque têm sempre algo a aprender e progredir. São relações horizontalizadas em que a avaliação ganha relevância, independentemente de onde parta e a quem se dirija, desde que esteja imbuída do propósito de promover avanços e gerar benefícios a todos.

O trabalho é, como se vê, coletivo. Daí a importância de que a perspectiva emancipadora possibilitada pela avaliação formativa seja fruto de reflexões realizadas pelo grupo e integre o Projeto Político-Pedagógico da escola, firmando, assim, o compromisso de todos na busca por melhor conhecer e praticar esse modo de avaliar.

Analisar conquistas e desafios para, daí, centrar esforços na melhoria do trabalho e, em decorrência, na conquista de aprendizagens que possibilitem emancipar, constitui caminho seguro para pôr em prática a avaliação formativa. Quando realizadas por todos os envolvidos, essas análises são enriquecidas por olhares que permitem visualizá-lo a partir de diferentes ângulos, ou seja, em sua totalidade.

O poder da avaliação que forma e emancipa é, portanto, contrário ao poder da avalição que pune e premia, classifica e seleciona. Uma avaliação guiada pela intenção de promover aprendizagens é solidária e fraterna. A competitividade e a individualidade perdem espaço para a cooperação e a parceria.  O sentimento de união predomina uma vez que o sucesso de um beneficia a todos. É o social em detrimento do pessoal.

Emancipar por meio da avaliação coincide com a luta em favor dos menos favorecidos. Acreditar que todos podem e devem aprender passa por iniciativas que incluem o olhar atento sobre o trabalho desenvolvido em sala de aula e na escola, bem como o seu redirecionamento sempre que necessário, a fim de que os saberes veiculados nesses espaços sejam acessíveis a todos, indistintamente. É o poder emancipador da avaliação na contramão das desigualdades que inferiorizam e subordinam sujeitos, contribuindo para que a exploração do homem pelo homem se reproduza e se perpetue.

 

 

 

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