O PROGRAMA DE RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: LIMITES E RETROCESSOS

O PROGRAMA DE RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: LIMITES E RETROCESSOS

Profa. Dra. Sílvia Lúcia Soares

O Programa que trata da Residência Pedagógica (PRP) e da suposta modernização do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) nos editais capes n. 6 e 7/2018, no contexto da formação de professores da educação básica, reforça, mais uma vez, o autoritarismo e o centralismo característico das políticas neoliberais, como também o caráter personalístico dos gestores que ocupam atualmente cargos no Ministério da Educação (MEC).

O referido Programa constitui-se em uma das ações que integram a Política Nacional de Formação de Professores e tem por objetivo induzir o aperfeiçoamento do estágio curricular supervisionado nos cursos de licenciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola de educação básica, a partir da segunda metade de seu curso. Enquanto o Pibid volta-se para alunos que estejam na primeira metade do curso de licenciatura em instituições de ensino superior pública, o programa de Residência Pedagógica contempla os alunos de licenciatura que estejam na segunda metade do curso. No edital da capes reforça-se que o aluno selecionado nesse programa será acompanhado por um professor da escola com experiência na mesma área de ensino do licenciando e, concomitantemente, por um docente de instituição de educação superior na qual está matriculado.

No entanto, por trás da aparente transparência e clareza de propósitos apresentados, percebe-se uma lógica subreptícia que merece ser analisada. Algumas entidades de pesquisa do campo da formação de professores do meio educacional (ANPEd, ANFOPE, CNTE, FORUNDIR, ANPAE, CEDES e FINIDUCA) se posicionam contrárias à padronização e controle impostos pelo Programa de Residência Pedagógica e sua associação com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), alegando que tal fato visa prioritariamente a adequação da formação aos exames de avaliação em larga escala, por exemplo: o PISA. Ademais, para essas entidades, é perceptível o atrelamento da formação com a BNCC que, nessa perspectiva, torna-se o eixo norteador do processo formativo do docente. Para as entidades, a vinculação da formação à BNCC obriga as instituições de ensino superior a readequar seus currículos e adequá-los à concepção reducionista e retrógada que fundamenta sua concepção de currículo, conhecimento, docente e escola. Na verdade, em suas entrelinhas, reforça ser um fazer pedagógico desvinculado do contexto sócio histórico cultural que o circunda.

Outro ponto questionado refere-se à autonomia universitária que passa a ser desrespeitada, visto que os projetos pedagógicos das instituições de ensino são desconsiderados, assim como a resolução CNE/CP n. 2/2015 que representou a construção de um projeto de formação, pactuado entre os diversos setores representativos do campo de formação de professores, quando se definiram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada de Professores no Brasil.

Todas essas insatisfações compuseram o documento: “A Política de Formação de Professores no Brasil de 2018: uma análise dos editais CAPES de Residência Pedagógica e PIBID” apresentado na ocasião da audiência pública da Comissão Bicameral do CNE (Conselho Nacional de Educação), que trata da Formação Inicial e Continuada de Professores em articulação com a comissão de Gestão Democrática, realizada no dia 9 de abril de 2018. Na ocasião, duas questões foram debatidas: o impacto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na formação inicial e continuada dos profissionais da educação e o impacto da implantação da Resolução CNE/CP nº 2/2015 nas dinâmicas operacionais das instituições de educação superior.

No encontro, o conjunto das entidades reafirmou a posição anteriormente externada, reforçando que a submissão da formação de professores à Base Nacional Comum Curricular acarreta um reducionismo perverso para a formação de professores e uma afronta à autonomia universitária. Também foi consenso entre as entidades que os programas não têm nada de novo, sendo inclusive considerados como retrocesso político-pedagógico, ao retornar à antiga fórmula do estágio numa perspectiva tecnicista da formação: imersão, observação e aplicação como pode ser observado no Edital Capes nº 06/2018:

 

[…] a residência pedagógica terá o total de 440 horas de atividades distribuídas d seguinte forma: 60 horas destinadas à ambientação na escola; 320 horas de imersão, 2 sendo 100 de regência, que incluirá o planejamento e execução de pelo menos uma intervenção pedagógica; e 60 horas destinadas à elaboração de relatório final, avaliação e socialização de atividades (BRASIL, 2018, p. 1).

 

Observa-se nessa organização a inserção pontual do estudante na prática escolar, além de uma evidente hierarquização e dicotomia entre a teoria e a prática, com prevalência do pragmatismo e o comprometimento da reflexibilidade na constituição dos docentes. Percebe-se nas entrelinhas do Programa a tentativa de regulação do MEC sobre a formação, ao retirar o controle das ações do processo dos IES e transferi-lo para a CAPES que passa, inclusive, a monitorar a distribuição de bolsas.

Além da manifestação das entidades representativas a respeito do programa, muitos docentes têm se posicionado contrários às intencionalidades a ele subjacentes, conforme depoimentos colhidos no site https://novaescola.org.br/conteudo/7130/qual-a-diferenca-entre-o-pibid-e-a-nova-residencia-pedagogica-do-mec, do dia 16 de novembro de 2017. Podemos observar que alguns professores ressaltam que a escola básica é um espaço de formação de professores e que o Programa de Residência Pedagógica quer transformá-la em um espaço de aplicação, visto a evidente desarticulação entre a teoria e a prática, ao considerar que nos cursos de formação há de considerar primeiramente os aspectos teóricos e, posteriormente, sua aplicação.

Para outros, há evidências de redução de custos com a formação docente, pois o que ocorre é a substituição de um Programa abrangente por outro mais restrito, uma vez que cada programa terá em torno de 45 mil bolsas, sendo que apenas o PIBID contava com cerca de 70 mil bolsistas. Ademais, temos ainda aqueles que ressaltam a visão financista, para além da redução de custos, prevê a substituição de professores pelos estagiários o que caracteriza o emprego de força de trabalho despreparada e consequentemente a mão de obra barata. Alegam também que os estagiários assumirão turmas nas escolas públicas dos diversos municípios com reduzidíssimos salários ou até nenhum, evitando contratação de pessoal formado e ou especializados.

Por fim, mais uma vez, constata-se as diferenças básicas que sempre perpassaram as propostas de formação de professores na instância real e na oficial, uma vez que são fundadas em projetos políticos e perspectivas históricas diferentes. Na primeira, prevalece os interesses governamentais ao defender que a formação seja tratada como elemento impulsionador e realizador das reformas políticas e econômicas, enquanto a segunda, formada pela entidade representativa dos profissionais da educação, atrela a formação à transformação da própria escola, da educação e da sociedade.

Estamos vivendo momentos de retrocesso histórico e regressão social e democrática, seja pela Medida Provisória 746, que prevê a reforma do ensino médio, seja a PEC do Teto dos Gastos Públicos, que vai reduzir diretamente os investimentos em saúde e também em educação. Além do mais, convivemos com ataques constantes dos setores conservadores que se manifestam por meio da proibição e recolhimento de livros didáticos, da retaliação à liberdade de expressão do docente e da equivocada proposta das escolas em partido, entre outros.

Nesse cenário de desesperança, temos agora que resistir ao retorno da profissionalização do educador sob um modelo pragmático, com características nítidas do tecnicismo, sob a concepção epistemológica da prática. Atenção, tais fatos demonstram que precisamos retomar a discussão da formação de professores no Brasil, indo às raízes das questões políticas que a configuram e que são, ao mesmo tempo, impeditivas da construção de projetos, visto que a formação do educador não é um processo de transmissão, mas de apropriação no movimento do real em que os fatos sociais se constroem.

 

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