O QUE (NÃO) REVELA O ENEM?

O QUE (NÃO) REVELA O ENEM?

Profa. Dra. Elisângela Teixeira Gomes Dias

Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é um teste de caráter voluntário, oferecido anualmente aos estudantes que estão concluindo ou que já concluíram o ensino médio, e tem diferentes funções. Além de ser utilizado como forma de seleção unificada nos processos seletivos das universidades públicas federais e como requisito para obtenção de bolsas de estudos integrais ou parciais em cursos de graduação ou cursos sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni), este ano passou a possibilitar ou não o acesso do estudante ao Financiamento Estudantil – FIES. Pode ser utilizado ainda para fins de certificação de conclusão do ensino médio, ou mesmo como um instrumento de autoavaliação para quem deseja saber como está seu desempenho considerando o conjunto dos alunos.

O que revelam os dados gerados neste exame? Como são publicizados, interpretados e difundidos? Não temos a intenção de analisar em profundidade tais questionamentos, mas levantamos o debate em torno de alguns aspectos.

  • O ranking entre as escolas públicas e particulares: o “primeiro lugar” pode ser uma farsa

 

Algumas pesquisas têm revelado que centenas de escolas bem colocadas no ranking do Enem em todo o país, em especial as particulares, realizam diferentes “manobras” para obter o resultado e, com isso, atrair mais estudantes. Destacamos alguns destes artifícios, que são geralmente utilizados de forma combinada: i) aumentar o valor da mensalidade para atrair famílias de maior capital econômico, as quais tendem a ter também maior capital cultural; ii) muitas escolas hoje mantêm dois CNPJ (com nomes parecidos) para fazer a matrícula dos alunos que acertam mais questões nos simulados que organizam em um e, no outro, daqueles com menor desempenho ou que tenham alguma necessidade especial; iii) distribuem bolsas para os alunos de outras escolas que acertam muitas questões em seus simulados abertos, incluindo os que estudam em escolas públicas.

Em 2013, por exemplo, a escola que se autointitulou a primeira colocada no ENEM ocupou, ao mesmo tempo, a 1ª e a 569ª posição no ranking que a imprensa faz com os resultados.  Mateus Prado (2014, s/p.) fez o seguinte alerta “faz 5 anos que a escola usa do mesmo expediente (fingir ser outra escola para ficar em primeiro lugar no ENEM) e ninguém toma nenhuma providência”. Outra escola privada no Rio de Janeiro, acrescenta o colunista: “conseguiu ser ao mesmo tempo a 3ª melhor escola e a 2105ª do ENEM 2013, e isto passando por escola 1010, escola 1034, escola 1549. É obvio e ululante, estas escolas foram criadas somente para aparecer entre as primeiras colocadas no ENEM. Mandaram pra “lá” quem acerta mais questões entre seus centenas, ou até milhares de alunos, e criaram uma ilusão de que possuem as melhores escolas do Brasil”.

Escalonam-se escolas pelo desempenho e a educação fica, portanto, nas mãos dos empresários. Com efeito, difunde-se a falsa máxima de que escola pública de educação básica é de baixa qualidade, enquanto a escola particular é sinônimo de qualidade total.

Mesmo atualmente a mídia fazendo o comparativo de modo distinto entre escolas públicas e particulares, há no coletivo social esse reforço. Além disso, as escolas bem colocadas enfatizam esta visão e propagam uma série de ações desenvolvidas e que devem ser seguidas pelas escolas de “baixa qualidade”, como se fosse uma resposta direta. Isolam-se algumas variáveis, como formação docente e uso constante de simulados, e não há uma análise contextualizada e crítica frente à aparente realidade.

Em entrevista recente para a Folha de São Paulo, o Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, admite: “O mérito maior vem das escolas públicas, simples, que conseguem bons resultados, mesmo com alunos pobres. Não das escolas que selecionam alunos, excluem os que têm problemas ou bons estudantes de outras escolas para o 3º ano do ensino médio (quando o ENEM vales para a nota do colégio).

E o mais importante: não há como comparar escolas a partir de uma única medida ao final de um período. O que seria possível é o cálculo de “valor agregado” pela escola, caso o sistema brasileiro avaliasse o desempenho do estudante no momento de ingresso na escola e depois medisse o final utilizando uma metodologia que permitisse este tipo de comparabilidade. Essa metodologia existe, mas não é a utilizada pelo INEP.

Comparar escolas é um indicador precário. Cabe então indagar: o que queremos para a formação de nossos jovens? Quais os efeitos colaterais do excesso de provas utilizadas no interior das escolas a fim de preparar os alunos para o vestibular? Essas e outras questões estão, certamente, na pauta do dia!

 

  • As notas do ENEM são todas muito baixas

 

A nota do ENEM é dada em uma escala de desvio padrão. O que isso significa? Que 450 não é 45% e 700 não é 70%. Além disso, considerando a nota média de 500 pontos e desvio 100, mesmo o aluno que erre todas as questões do teste nunca terá o resultado zerado. Portanto, identifica-se onde estão os alunos, em geral, com melhores condições sócio econômicas.

Ademais, um dos parâmetros da TRI, tecnologia que é a base das medições em testes usados no país, é o chamado “chute”. Como a correção pela TRI leva em conta a dificuldade das questões e a coerência no conjunto das respostas e não o total de acertos no teste, quando o aluno “chuta” ele pode ser penalizado no computo geral da pontuação.

A média nacional, considerando este modo de análise, é baixa para todas as escolas, tanto públicas como particulares. E, sem ampliar o leque de medidas, ficamos restritos aos testes de competências e gastamos muita energia e recursos com o que é tangencial.

Há ainda o fato de o ENEM ser composto de quatro provas objetivas (ciências humanas, ciências da natureza, linguagens e matemática) e a redação, mas a divulgação é somente de duas notas, a da prova objetiva (180 questões) e a nota final que inclui a redação. Ao fazer isso, tira-se o foco do desempenho dos alunos em cada uma das áreas avaliadas e a atenção passa a ser voltada para a nota final, o que direciona para o ranqueamento entre as escolas e retira de cena o que realmente importa analisar: o que os estudantes estão aprendendo?

Um fato é certo: o ENEM revela e a desigualdade social reproduzida ao longo do próprio sistema educacional.

Em suma: confunde-se neste país notas altas em testes com qualidade da educação, mas há vários fatores que revelam que avaliar para comparar não é uma boa proposta. Em relação ao ENEM, o que precisamos é ter mais estudos, com modelos interpretativos diferentes, que forcem a abertura de espaço na mídia, mostrando o que se pode dizer de fato sobre os resultados. Do modo em que é organizado, atualmente, o ENEM é somente um exame de seleção.

REFERÊNCIA

Prado, Mateus. Desvendando o Enem. Blogs. Disponível em: <http://educacao.estadao.com.br/blogs/mateus-prado/campea-do-enem-e-ao-mesmo-tempo-a-escola-1-e-a-escola-569-do-brasil>. Acesso em jan./2015

Folha de São Paulo, 9 de agosto de 2015. Escola maior tende a ser melhor para a formação, diz ministro. Disponível em: http://www.1.folha.uol.com.br. Acesso em 09/08/2015

 

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