“O que prova que a organização em ciclos é melhor que seriação e não significa apenas diminuir os números de reprovação no sexto e no oitavo anos?”

“O que prova que a organização em ciclos é melhor que seriação e não significa apenas diminuir os números de reprovação no sexto e no oitavo anos?”

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

A pergunta acima foi feita por uma professora da rede pública de ensino do DF, muito comprometida com o trabalho que desenvolve. Como o DF mantém a organização da escolaridade em ciclos há algum tempo e suas escolas receberam documentos orientadores da sua implementação, fui consultá-los para entender a razão da pergunta da professora. Não encontrei a resposta para sua dúvida. Fiquei preocupada. Ela deveria constar das orientações. Tento aqui refletir sobre o tema.  

Os dados numéricos do desempenho dos estudantes, advindos de vários formatos, como provas, não “provam” por si sós que a organização da escolaridade em ciclos é melhor do que a seriação, assim como aprovação não é um indicador de que eles são os salvadores da pátria. Dados são importantes, mas não suficientes. É responsabilidade da escola acompanhar as aprendizagens de cada estudante e obter informações seguras de que ele aprendeu o necessário para a continuidade do seu percurso de estudos. Cabe-lhe, também, fazer o mesmo em relação ao que ele ainda não aprendeu, para que invista em intervenções direcionadas às suas necessidades, o mais rapidamente possível, tendo sempre em mente os objetivos de aprendizagens.

O diferencial da organização da escolaridade em ciclos é o tempo considerado em blocos interligados e não em séries fechadas e isoladas, de modo que fique garantida a continuidade de estudos entre eles, até que as aprendizagens se efetivem. Historicamente, quando trabalhamos com séries, concluída cada uma delas, em caso de aprovação, todos os estudantes iniciam a seguinte segundo a programação prevista, sem que se leve em consideração se cada um aprendeu o que era previsto pela anterior. Os reprovados que “repetem” a série, geralmente, refazem tudo. Não lhes é dada a chance de progredirem sem precisar rever o que já foi aprendido. Teoricamente, todos caminham juntos e se amoldam ao tempo que lhes é oferecido. Não é esta a proposta dos ciclos, que requerem que o tempo destinado às aprendizagens seja elástico, isto é, atenda ao ritmo de cada estudante e garanta que ele não passe pelo dissabor da reprovação. Inserida nessa organização está a progressão continuada, pela qual o estudante avança assim que demonstra ter aprendido o necessário para ir em frente. Não se trata de promoção automática. Aprendizagem é a palavra-chave.

Os ciclos possibilitam que as aprendizagens ocorram com mais segurança, sem atropelos e sem a angústia da “aprovação” ou “reprovação” ao final do ano. Estas palavras nem precisariam existir. O que o estudante não aprendeu em um ano ou em um período poderá aprender no seguinte. Tudo isso é muito bonito de dizer. Porém, sem que os gestores em nível central, intermediário e local, professores, pais/responsáveis e estudantes compreendam os reais objetivos dessa organização e sua dinâmica e sem o empenho de todos estes sujeitos nada mudará. É um processo construído por meio da participação de todos.

O que garantirá o seu êxito é o processo avaliativo alinhado a essa concepção de ciclo, isto é, comprometido com as aprendizagens de cada estudante. A avaliação é que dá o tom da transformação. Para isso sua concepção abandona o caráter classificatório anual, assumindo sua função formativa, a que acompanha as aprendizagens do dia a dia, garante que elas ocorram, leva em conta as especificidades das diferentes atividades e as necessidades de cada estudante. Segundo essa lógica, o avanço dos estudantes ganha nova conotação, retirando da nota o papel central que vem ocupando. Importa que haja aprendizagem.

Dizer que o que se quer com os ciclos é a diminuição dos índices de reprovação não é uma justificativa convincente nem adequada. Prefiro dizer que eles criam as condições para que as aprendizagens estejam ao alcance de todos os estudantes. E isso somente a escola pode oferecer e constatar. O que pode “provar” as vantagens dos ciclos em relação às séries está dentro dela. O avanço ininterrupto dos estudantes durante o tempo escolar é uma decorrência dessa engrenagem. Para que isso aconteça, a lógica do trabalho pedagógico da escola é outra: cabe-lhe assumir a função de pesquisadora da própria prática. Pesquisadores externos, como pós-graduandos e outros, podem dar sua contribuição. Contudo, a escola é que vive o seu dia a dia e tem os meios para investigar o seu trabalho continuamente. É uma atividade que precisa ser incorporada por ela. Por isso, lanço o desafio: que a escola construa seu projeto de pesquisa sobre os benefícios da organização da escolaridade em ciclos, o desenvolva e registre todo o processo. Tudo isso de forma colaborativa. Um dos benefícios será a reunião de dados quantitativos e qualitativos que possibilitem a análise da sua organização em ciclos. Dessa maneira ela própria chegará a conclusões seguras e completas sobre a questão que dá título a estas reflexões.

 

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