Os mais inteligentes do mundo: por Amanda Ripley
Publicado em 19/10/2014 por Luiz Carlos de Freitas no blog do Freitas
Recebi o novo livro da jornalista investigativa da revista Time Amanda Ripley “As crianças mais inteligentes do mundo e como elas chagaram lá” traduzido pela Editora Três Estrelas no Brasil e publicado neste mês. O original da jornalista americana é de 2013. Como se vê, alguém já o traduziu, enquanto o excelente livro de Diane Ravitch “Reinado do Erro” aguarda interessados em traduzí-lo.
O release diz: “ impressionada com os resultados medíocres dos Estados Unidos no teste mundial do PISA (…) Ripley decidiu descobrir por que alguns países tinham obtido notas superiores às da nação mais rica do mundo.”
Em um ano, ela pesquisou, então, o sistema de ensino de três novas superpotências da educação – Finlândia, Polônia e Coreia do Sul. A autora não pretende ser conclusiva e apenas descreve seus encontros e observações, mas ao final não resiste e faz algumas recomendações, algumas até úteis. A questão é que não é ciência, é jornalismo investigativo.
Primeiro, o critério para localizar as “crianças mais inteligentes” do mundo é ter se destacado no PISA. Não sei por que devemos acreditar que um jovem que faz “x” em perguntas de um teste, mesmo fazendo o “x” no lugar certo, deva ser considerado o mais inteligente do mundo.
Segundo, testes são imprecisos, medem amostras de desempenho e não devem ser utilizados isoladamente como único critério de decisão. Em especial se queremos encontrar os mais inteligentes do mundo.
Terceiro, a autora não tem familiaridade com delineamentos de estudos comparativos entre nações. Passa por alto a questão cultural.
Enfim, o texto vale como cultura geral que ilustra os sistemas visitados, mas não pode receber status de um trabalho científico. Certamente a autora não pretendeu dar este status ao seu livro, mas é muito provável que outros por aqui, menos avisados, vão querer lhe atribuir tal status.
A questão central com este livro é que ele falha na partida, ou seja, no método de escolha dos alunos mais inteligentes do mundo. A partir daí, todo o esforço adicional fica comprometido, ainda que possa ser uma leitura interessante.
Alfie Kohn vai mais fundo e expõe os pressupostos equivocados usados. Segundo ele são:
“1. A América precisa desesperadamente voltar-se para outros países para encontrar soluções, porque o desempenho dos nossos alunos é “medíocre”.
2. A melhor maneira de julgar o sucesso ou o fracasso escolar é olhar para os resultados dos testes padronizados. Altas pontuações são boas; pontuações baixas são ruins – e ponto final. E altas pontuações são definidas em termos de soma zero: a questão não é chegar a um certo nível, mas ultrapassar os alunos de outros países.
3. O objetivo principal das escolas é transmitir às crianças o “conhecimento e habilidades para competir na economia global.” (Esta declaração, na verdade, é composta por duas premissas: que a educação deve ser entendida principalmente em termos econômicos, e – assim como acontece com os resultados dos testes – o objetivo não é ter sucesso, mas triunfar sobre os outros.)
4. Da mesma forma, do ponto de vista do aluno, a principal razão para aprender é que isso é um pré-requisito para fazer mais dinheiro depois de graduado.
5. Um ingrediente chave do sucesso é a “persistência” – saber “o que [se sente] ao falhar, trabalhar mais e fazer melhor.”
Mas, colocar as crianças em uma “roda de hamster,” com pressão “implacável e excessiva” para ter sucesso a qualquer custo, pode ter custos humanos trágicos – por exemplo, na Coréia do Sul -, mas isso é considerado preferível às pressões que se consideram menos intensamente experimentadas por estudantes americanos.”
Esta é a visão educacional que está se tornando dominante, na medida em que se transfere para a área educacional a visão empresarial.
Juntamente com esta tendência também aparece a ênfase nas “competências socioemocionais”. Não é um fenômeno isolado. Entre o empreendedorismo e o conservadorismo moral, a escola vai tornando-se um espaço para moldar o caráter conservador/liberal, uma espécie de renovação da ética protestante (como explica Alfir Kohn aqui). Estamos assistindo a recuperação da aliança conservadora/liberal, base do neoliberalismo dos anos 90.
O CNE – Conselho Nacional de Educação – discute no Brasil se implanta como parte do currículo a aprendizagem das competências socioemocionais.
O movimento, no entanto, é mais amplo, inclui a própria reelaboração de todo o currículo nacional unificado – como os americanos estão fazendo – e, claro, um novo sistema de avaliação nacional.
O elemento central das políticas dos reformadores empresariais é o controle do processo e sua padronização. A tentativa de planejar as competências socioemocionais inclui a necessidade de aumentar o grau de controle sobre o comportamento dos estudantes – tal como a teoria da responsabilização, o apostilamento, as políticas de bônus, a privatização e outras tentam fazer com o comportamento do professor.
Em jogo está a disputa pelo controle da escola.