JC Notícias, 19/11/2021

 

Alunos, não desistam do Enem!

“Lembrem-se de que egressos de escolas públicas ainda têm metade das vagas”, escreve Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política da USP, presidente da SBPC e ex-ministro da Educação, em artigo para a Folha de S. Paulo

Há muitas razões para vermos o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano com apreensão, e falarei delas no final deste artigo. Mas meu maior receio é que estudantes de escolas públicas fiquem desanimados e não prestem o exame por terem tido um ensino remoto emergencial, nestes quase dois anos, com vários defeitos.

Meu apelo aos alunos das instituições públicas: não desistam. Continua em vigor a Lei de Cotas, que reserva metade das vagas no ensino superior federal a quem fez o curso médio inteiro em escolas públicas. Isso significa que, mesmo que vocês tenham aprendido menos do que gostariam e mereceriam, metade dos lugares em qualquer curso —inclusive medicina, engenharia, direito— serão de vocês. Sua nota talvez não seja tão boa quanto a dos egressos de escolas particulares, que tiveram um bom ensino remoto emergencial, mas a lei é clara: 50% das vagas nas universidades e institutos federais são destinadas a quem cursou escolas públicas.

Um esclarecimento, aqui: há gente, ingênua ou de má-fé, que reclama das cotas “raciais” e diz que deveriam ser “sociais”. Mas elas já são: 50% das vagas vão para escolas públicas. Dentro dessa metade é que há vagas raciais ou étnicas, no mesmo porcentual da população de negros ou de indígenas que vivam no estado onde está a universidade em que você quer entrar. Isso implica que haverá mais lugares para negros na Bahia e menos no Rio Grande do Sul, mais para indígenas na Amazônia que no Sudeste, mas, antes de mais nada, que nenhum negro ou indígena terá direito a cotas se tiver cursado o ensino médio em redes particulares.

Há uma razão para metade das vagas irem para alunos de escolas públicas. Sabemos que na divisão entre escolas caras, particulares, e públicas subfinanciadas se reproduz a desigualdade social clamorosa e injusta que há em nosso país. Cotas são um meio eficaz de compensar essa desigualdade. Várias pesquisas mostram que alunos que entram por cotas em poucos anos se igualam em desempenho aos que vieram de escolas caras, ou até os superam em qualidade. Isso porque enfrentaram na vida dificuldades maiores do que os colegas mais abonados. Mostraram resiliência, dedicação, empenho. E assim conseguimos que muitos jovens com talento, que antes não era identificado nem promovido, estejam contribuindo para o nosso desenvolvimento econômico e social.

Vou explicar melhor. Com base no Enem, o aluno pode se inscrever no Sisu, o Sistema de Seleção Unificada, para o ensino superior federal. Com a nota do Enem, pode escolher qual faculdade federal ele quer. É no Sisu que as cotas funcionam. A nota dele não muda, mas, se veio da escola pública, tem metade das vagas. Qualquer que seja o prejuízo causado pela falta de orientação dos governos para o ensino remoto emergencial público, o aluno ingressará na metade de vagas para quem fez o curso médio público. Por isso é que ninguém deve desistir. As vagas continuam existindo.

E por que eu disse que este ano é particularmente ruim? Os jornais contaram muito da história. No último domingo (14), servidores do Inep, órgão do Ministério da Educação responsável pelo exame, disseram que o governo censurou questões da prova das quais não gostava.

Para além da ideologização do Enem assim efetuada, isso traz riscos de segurança. Quem garante que os censores não passaram as provas a conhecidos ou amigos? O Enem é elaborado com enorme rigor e sigilo, mas, se houve censura, esse cuidado se perde. Além disso, mais grave ainda, o MEC não assumiu a liderança que deveria ter tomado na definição do ensino remoto emergencial. Sabemos que há redes municipais e mesmo estaduais bastante carentes, que precisariam de banda larga e de tablets. Nada disso foi providenciado, nem o treinamento dos professores para um novo tipo de aula a que não estavam acostumados. E, finalmente, a redução do número de candidatos com isenção da taxa, que somente foi reposta depois de ordenada pelo Supremo Tribunal Federal. São falhas sérias.

Mas os alunos de escolas públicas continuam tendo metade das vagas. Vão atrás delas!

Folha de S. Paulo

Bolo do Freitas, 17/11/2021

 
CNE vai regulamentar a introdução do Ensino Híbrido, por Luiz Carlos de Freitas

O Ensino Híbrido será regulamentado pelo Conselho Nacional de Educação de forma a impulsionar seu uso nas redes de ensino. Concedeu magnânimos 10 dias de prazo para manifestações. Ele aparece no texto como uma metodologia de ensino, portanto fora dos limites de controle da Educação à Distância. Na visão do CNE, o ensino híbrido, ao […]

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Luiz Carlos de Freitas | 17/11/2021 às 8:44 AM | Tags: Desqualificação professor, Plataformas de aprendizagem on line, Reformadores empresariais, Tecnologia de Avaliação Embarcada | Categorias: Estreitamento Curricular, Links para pesquisas, MEC sob Bolsonaro, Responsabilização/accountability, Segregação/exclusão | URL: https://wp.me/p2YYSH-7Lj

Avaliação formativa e retorno 100% das aulas presenciais

 

Helder Gomes Rodrigues – Mestre em Linguística Aplicada, integrante do GEPA

Recentemente, a Secretaria de Estado de Educação do DF, assim como outras capitais do país, anunciou o retorno 100% presencial dos estudantes às atividades escolares. Desde o início do segundo semestre de 2021, as aulas presenciais no DF retornaram de forma escalonada, respeitando as diferentes etapas da educação básica. Como havia no período a obrigatoriedade de distanciamento entre os estudantes, as turmas tiveram que ser divididas. Dessa forma, os professores atendiam de maneira híbrida um grupo presencial e outro de forma remota. Esse revezamento dos estudantes vigorou até a decisão da SEDF de descontinuidade desse tipo de atendimento, passando todos os alunos a serem atendidos de forma presencial, exceto os casos de comorbidades.

Durante as lives e as apresentações da SEDF sobre o retorno presencial sem revezamento dos estudantes, uma afirmação que chama a atenção é a fala de que os estudantes podem entregar atividades em atraso para “ recuperar as aprendizagens”. Ora, como recuperar algo que não existiu? Na perspectiva de que a aprendizagem é uma construção, um processo em que a avaliação formativa se faz presente todo o tempo, não se pode falar de entregas de trabalhos e atividades ao final do bimestre ou ano letivo. Para que de fato a avaliação seja para as aprendizagens, é necessário que o professor acompanhe os estudantes durante a realização das atividades, com feedback constante e reorganização do planejamento, quando necessário, para atender as necessidades dos estudantes e não deixar ninguém para trás.

A ideia de “recuperação das aprendizagens” ao final do ano letivo soa como uma prática tradicional e somativa mascarada de avaliação formativa. De acordo com Villas Boas (2019,p.20), “todas as atividades realizadas são avaliadas na perspectiva formativa”. Para que essa avaliação seja viável, é necessário o envolvimento de alunos e professores durante o processo. Uma avaliação realizada apenas por meio de um instrumento e ao final do período letivo é limitada e não consegue abarcar a característica multifacetada da aprendizagem.

Enfatizamos a necessidade de adoção da avaliação formativa ou avaliação para as aprendizagens porque a própria SEDF afirma e reafirma em seus documentos ser esta a concepção de avaliação por ela adotada. Assim, cabe indagar sobre a coerência entre os documentos, os discursos e a prática da SEDF.

Nesse momento de retorno às aulas presenciais, a avaliação precisa superar a lógica de fim ou última etapa do processo. De acordo com Fernandes (2009), a avaliação formativa é centrada na melhoria das aprendizagens, devendo ser participativa e integrada aos processos de ensino e de aprendizagem. Nessa perspectiva, a avaliação formativa necessita desvincular-se de uma ação de mero cumprimento burocrático ou com objetivo de aprovação e reprovação. Aliás, essa dicotomia não deveria permear o olhar na avaliação nesse momento tão complexo e delicado de retorno às aulas em meio a uma pandemia. Precisamos mais que nunca de uma avaliação compromissada com a aprendizagem, essencialmente formativa.

Por fim, as secretarias de educação deveriam preocupar-se com o diagnóstico da realidade dos estudantes. Deveriam utilizar as informações da avaliação diagnóstica para discutir sobre o currículo, o planejamento e os objetivos de aprendizagem para então formular ações que perpassem esse período de um pouco mais de quarenta dias para terminar o ano letivo.

A pandemia não acabou. O futuro ainda é turvo e certamente trará consequências para a escola e para as aprendizagens dos estudantes que não poderão ser negligenciadas. Nesse sentido, podemos afirmar que a avaliação verdadeiramente formativa é atemporal. É também compromissada, ética e encorajadora e pode ser um caminho promissor rumo às aprendizagens.

Referências

FERNANDES, Domingos. Avaliar para aprender: fundamentos, práticas e políticas. São Paulo: UNESP, 2009.

VILLAS BOAS, Benigna M. de Freitas (org). Conversas sobre avaliação. Campinas: SP, Papirus,2019.

Hillman: crescem as EduTech, por Luiz Carlos de Freitas , no blog do Freitas – 01/11/2021

 
Hillman: crescem as EduTech por Luiz Carlos de Freitas

Na esteira de mais uma tempestade de revelações sobre as práticas implacáveis de poderosas empresas de tecnologia, Velislava Hillman, pesquisadora visitante da LSE, analisa o poder crescente das empresas de tecnologia da educação. “A arrogância das empresas de tecnologia não para com a manipulação social. Eles agora estão entrando na educação pública. Muitas empresas de […]

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Desafios da avaliação formativa no ensino remoto

 

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Coordenadora do Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA

Este texto foi escrito para ser usado em formato de podcast durante um curso sobre avaliação formativa desenvolvido pela  EAPE, no primeiro semestre de 2021

Vamos conversar sobre a avaliação formativa como a que contribui para a construção de aprendizagens por estudantes e professores. Sim, dos professores também, porque, para que os estudantes aprendam, temos de contar com as aprendizagens permanentes dos professores, que precisam estar em dia com os saberes do currículo, com as metodologias e tecnologias apropriadas, assim como com a avaliação que alavanca toda essa engrenagem. Os docentes aprendem muito com as interações realizadas em sala de aula e em toda a escola. Incluo a escola porque ela é lugar de aprendizagens, em todos os seus momentos e espaços. Por isso usamos a expressão avaliação das aprendizagens. Não apenas as aprendizagens previstas nos conteúdos curriculares, mas, também, as que resultam do convívio tão benéfico de todos. Pensemos: assim que o/a estudante chega à escola, passando pelo portão da entrada, dizendo ou não bom dia ou boa tarde ao funcionário ali presente, e sendo ou não por ele acolhido, está incorporando aprendizagens. E isso vai se desenrolando ao longo do dia e do tempo de permanência na instituição.

Aliás, proponho que passemos a falar de avaliação PARA as aprendizagens, o que significa concebê-la em constante movimento, rumo às aprendizagens, isto é, está sempre em ação. Não é um mero jogo de palavras. Estamos falando de um processo avaliativo e não de uma ação episódica.

A avaliação formativa é diferente da função somativa porque se desenvolve ao longo do trabalho pedagógico, por diferentes meios, enquanto a somativa ocorre em períodos definidos, para avaliar o que foi aprendido ao longo de um determinado tempo, como ao final de uma unidade ou de um semestre ou um ano e, geralmente, por meio de provas. Quando se adota a avaliação formativa, todas as atividades de aprendizagem são avaliativas, até mesmo a prova, que passa a ser uma atividade de aprendizagem. Na avaliação somativa a prova é um instrumento pontual de avaliação. A prova, então, pode ter propósito formativo ou somativo, dependendo dos seus objetivos.

A avaliação formativa se norteia pelos seguintes princípios: inclusão, intervenção, investigação, colaboração, continuidade e ética.

Ser inclusiva é sua marca. Dizer que a avaliação formativa é inclusiva é até um pleonasmo. Ser inclusiva significa que ela se compromete com a conquista das aprendizagens por todos os estudantes. Nenhum pode ficar para trás. Avaliação e aprendizagem são faces da mesma moeda, ou dito de outra forma, se interligam. Enquanto o processo de aprendizagem ocorre, a avaliação o acompanha para identificar se todos os estudantes estão aprendendo e o que lhes falta aprender. Pode-se dizer que a avaliação é a guardiã das aprendizagens. Por outro lado, enquanto a avaliação atua, aprendizagens não previstas poderão acontecer.

Mas, simplesmente conhecer o que os estudantes aprenderam e o que ainda não aprenderam não basta. Entra em cena a intervenção pedagógica, ao longo do processo.  Esqueçamos a recuperação de aprendizagem, porque não se recupera o que não foi aprendido. Além disso, costuma ser oferecida muito tempo depois e, geralmente, para se elevarem as notas. Não é este o espírito da avaliação formativa. As intervenções são realizadas pelo/a professor/a assim que as necessidades surgem. Este não é também um aspecto da inclusão? A não realização de intervenções pode deixar o estudante excluído das aprendizagens.  

Sendo inclusiva e interventiva, a avaliação formativa é, também, investigativa. O que ela investiga? Está atenta ao que vem dificultando ou impedindo o avanço das aprendizagens. Por isso, se diz que os professores são pesquisadores da sua própria atuação.  

Todo esse processo avaliativo requer colaboração entre docentes, estudantes, coordenadores pedagógicos, gestores e pais/responsáveis. O professor responsável pela turma ou pela disciplina não pode ficar desamparado. O trabalho coletivo apresenta melhores resultados quando é desenvolvido em grupo. Isso vale também para os estudantes: por meio de atividades realizadas em grupo muitas aprendizagens têm lugar e eles próprios exercitam a avaliação.

Por ser contínua, a avaliação formativa é aliada do professor e dos estudantes. Propicia a identificação das necessidades dos estudantes, facilitando o trabalho dos professores, que estão sempre em condições de apresentar aos pais a situação de aprendizagem de seus filhos. O mesmo acontece em reuniões com colegas e coordenadores pedagógicos, quando se discute o trabalho pedagógico em desenvolvimento. E mais: estão sempre formulando meios de promover as intervenções.

A ética é um princípio fundamental da avaliação. Na escola lidamos com gente em processo de aprendizagem. Não cabe a avaliação informal punitiva, segregadora, negativa e desencorajadora. Lembremo-nos de que atitudes de interesse e de disponibilidade para ajudar o/a estudante, assim como olhares de aceitação, fazem bem a qualquer um deles. Outro aspecto da ética consiste em não basearmos a avaliação em aspectos pessoais e familiares dos estudantes. Não se avalia a sua pessoa, mas o seu processo de aprendizagem. Os princípios anteriores (inclusão, intervenção, investigação, colaboração e continuidade) dão sustentação à ética.

A avaliação formativa dá uma grande contribuição ao trabalho dos professores, porque lhes mostra se devem continuar conforme o planejado ou se devem alterar e o quê.

Não nos esqueçamos do feedback. É um componente imprescindível à avaliação formativa. É um forte coadjuvante da inclusão. Para que os estudantes avancem, precisam receber constantes informações sobre seu progresso e as necessidades de melhoria.  Após a realização das atividades, merecem conhecer com que competência elas foram realizadas. Não bastam meias palavras, como: muito bem; ótimo; faça de novo; incompleto; parabéns. O que isso significa? Eles precisam saber em quais aspectos ainda não conseguiram avançar e como fazê-lo. O feedback não é feito por meio de notas. O que significa a nota 6? E a nota 9? Interessa saber o que ainda não foi aprendido. Aliás, é bom lembrar: ainda é uma palavra mágica quando se trata de avaliação formativa. Significa que, com orientação, todos avançarão.

Outro aspecto a considerar sobre o feedback: costuma ser confundido com devolutiva. Ele é mais do que isso: a simples devolução de provas ou a entrega de notas não significa que houve feedback.  

Será que assim entendida, a avaliação formativa pode ser praticada em aulas remotas? Sim, porque todas as atividades são avaliativas. Charles Hadji, professor francês, em seu livro Avaliação desmistificada, nos ensina que não há procedimentos/instrumentos próprios para a avaliação formativa. A intenção do professor é que a torna formativa.

Tenho preocupação com o fato de os estudantes, em situação de aulas remotas emergenciais, terem de receber notas e poderem ser reprovados. Qualquer tipo de classificação, como notas e reprovação, são questionáveis no trabalho pedagógico presencial. Em aulas remotas isso se agrava. Será que as experiências pelas quais estamos passando nos levarão a repensar a avaliação na escola?

Não defendo a aprovação automática. Não é disso que falo. Ao nos posicionarmos em favor das aprendizagens e de uma avaliação que a apoie, não podemos aceitar que os estudantes avancem nos anos escolares sem aprender. Estaríamos ferindo o princípio da inclusão, que não significa apenas estar dentro da escola, mas, também, ser beneficiado por ela. O abandono de recursos classificatórios possibilitará a organização de um autêntico trabalho pedagógico, isto é, voltado exclusivamente para a conquista das aprendizagens por todos.

Pensemos agora com carinho na avaliação formativa durante as aulas remotas emergenciais, em desenvolvimento no momento. Digo com carinho porque ela poderá ser de grande valia. Fomos pegos de surpresa e não nos preparamos para enfrentar tal situação. Como ponto de partida, pensemos nos seus princípios. Como fica a inclusão? Que providências tomar para que as aprendizagens de todos se efetivem? Sabemos que há um grande número de estudantes sem condições de acesso à internet e a um computador ou celular. Esta constatação já é um exemplo de exclusão. Como avaliar as aprendizagens dos que estão acompanhando as aulas, na perspectiva da inclusão? Por meio de quais atividades? Muitas vezes nos preocupamos com procedimentos avaliativos: as atividades desenvolvidas é que serão avaliadas. Cada professor/a criará as mais adequadas ao seu componente curricular. Uma atividade que poderá contribuir é a autoavaliação, se praticada devidamente, isto é, sem atribuição de nota pelo estudante e pelo professor, respeitando a individualidade dos estudantes, e sem divulgar as informações por eles fornecidas. Além disso, não será um meio de avaliação da pessoa do estudante. Que isso fique bem claro. Inicialmente, um roteiro poderá ser encaminhado pelo/a professor/a. Mas, o ideal é que, com o tempo, o estudante escreva livremente. Uma ocasião uma estudante do Curso de Pedagogia me disse que eu não deveria ler sua autoavaliação por ser de seu foro íntimo. Disse-lhe tratar-se de um recurso pedagógico no qual ela não deveria incluir informações que não pudessem ser lidas por mim. Vejam, é uma oportunidade de discutirmos com nossos estudantes o papel dos diferentes procedimentos de avaliação.

A observação é um dos meios que favorecem a avaliação formativa. Se a falta de convívio com os estudantes a torna limitada, o que pode ser observado e como, para que eles se sintam seguros e acompanhados?

Pensemos, também, nas singularidades da avaliação dos estudantes em cada etapa/modalidade de ensino/componente curricular. Além das atividades que desenvolvem, quais outras são específicas em cada situação? Por exemplo: o que é próprio da educação infantil, da socioeducação, da educação profissional, da EJA etc?

Como oferecer feedback em cada situação? Há informações gerais que podem ser dirigidas a todos. De que forma isso poderá ser feito? E as individuais?

Detectadas as necessidades dos diferentes estudantes, como oferecer as intervenções? Este é um grande desafio. Certamente, serão criadas maneiras condizentes com cada etapa/modalidade de ensino.

Atividades em pares são benéficas nesse momento porque promovem interação e colaboração. Os estudantes são criativos e têm facilidade de usar os recursos da internet. Podem atuar junto aos professores para o desenvolvimento de atividades interessantes.

Que tal a construção de portfólios pelos estudantes? É uma atividade dinâmica, criativa e prazerosa.

A construção de registros reflexivos também é apropriada. Constituem-se de anotações ou narrações sobre aprendizagens desenvolvidas, aspectos considerados relevantes, articulações entre os estudos realizados. Apresentam várias vantagens, dentre elas: como o nome indica, favorecem a reflexão; constituem oportunidade para a escrita; compartilham experiências; sistematizam observações recolhidas. Em cada situação eles cumprem objetivos próprios. Os registros podem ser feitos por estudantes de qualquer idade.

Registros reflexivos e autoavaliação se complementam. Um favorece o outro. Quando o portfólio é adotado, ambos poderão nele ser incluídos.   

O que os diferencia da autoavaliação é que esta permite aos estudantes avaliarem como estão aprendendo e até mesmo criarem seus próprios objetivos. É um recurso pontual de avaliação. Os registros reflexivos se referem aos saberes/conteúdos em desenvolvimento. Podem ter como referência um tema ou uma unidade. Possibilitam a organização, a formulação e a escrita de ideias.   

Antes de finalizarmos esta conversa, deixo uma reflexão: quando as aulas presenciais forem retomadas, o processo de aprendizagem e o de avaliação terão continuidade, não devendo simplesmente “fazer parte do passado” e serem esquecidos. É importante que não se crie um hiato. O processo de avaliação terá de ser retomado. Professores e estudantes estão trabalhando muito durante as aulas remotas. Não será um esforço perdido, mas um período que propiciará muitas análises e revisões. A escola não será a mesma depois disso. Muitas lições estão sendo aprendidas.

E para finalizar, faço uma sugestão aos colegas que estão atuando em aulas remotas: mantenham um registro geral de todo o processo avaliativo durante a pandemia. Como pesquisadores da sua prática, organizem um portfólio com tudo que forem coletando. Vocês terão um rico material para divulgação ou publicação. Estamos vivendo uma experiência inusitada. Coube a vocês serem os protagonistas de parte dessa história.      

JC Notícias – 27/09/2021

 

Um cabo, um soldado e as entranhas da avaliação quadrienal da Capes

“A medida acolhida pelo MPF do Rio de Janeiro reclama uma solução há muito demandada por parte expressiva dos avaliados: assegurar o mínimo de previsibilidade e estabilidade no sistema nacional de avaliação”, defende José Gondra, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do CNPq e da Faperj

Em ação civil pública, o Ministério Público Federal (MPF) intimou a Capes a apresentar os critérios de avaliação empregados no quadriênio encerrado em 2020, cuja avaliação se encontrava em sua fase final. Os procuradores alegam, corretamente, que os critérios de avaliação foram alterados ao final do quadriênio, com efeitos retroativos, sem previsão de regimes de transição entre os dois modelos. Alegam, ainda, que a retroatividade dos parâmetros normativos, regulatórios e fiscalizatórios do complexo sistema nacional de pós-graduação, que envolve cerca de cinco mil programas de Mestrado e Doutorado, consiste em um expediente inadmissível no direito, na medida em que pegam de surpresa as instituições, pesquisadores e alunos; sem possibilitar revisão dos planejamentos e, consequentemente, dos resultados atingidos em termos de formação, pesquisa e comunicação qualificada.

Ao operar com estes argumentos, o MPF também invoca princípios básicos da teoria da avaliação, isto é, as regras e parâmetros de toda e qualquer avaliação, da sala de aula até as macroavaliações, precisam estar definidas antes do apito inicial, isto é, antes do jogo começar a ser jogado. Ao inverter maldosamente os princípios do direito e da pedagogia, os gestores da Capes certamente favorecem uns e prejudicam outros tantos. Os menos favorecidos constituem uma maioria que não cessa de aumentar, sobretudo em um cenário de crescente escassez de recursos para a pesquisa e formação pós-graduada.

No quadriênio encerrado em 2020, modificações drásticas foram operadas no sistema, como a medida genérica de considerar apenas quatro produtos por professor de cada programa. Não bastasse esta imposição, os programas foram responsabilizados pela indicação dos referidos produtos sem terem acesso a nenhum instrumento confiável para qualificar as revistas científicas, livros, eventos, exposições, vídeos e outra formas da comunicação especializada. Tenta-se impor, igualmente, formas de aferição baseada em indicadores elaborados, geridos e comercializados por empresas transnacionais, extremamente lucrativas, que dominam muitas ferramentas da difusão científica, quase naturalizadas, como a Clarivate, Sage, Scopus, Elsevier e Wiley, que disputam parte importante do orçamento mundial destinado a CT&I, da ordem de U$ 1,366 trilhões, segundo estimativas válidas para o ano de 2020.

Ao fazer isto, o sistema opera com a perversa lógica da homogeneização, procurando equiparar as histórias e funcionamentos de campos extremamente diversos, como a física, química, teologia, educação, agronomia, antropologia, engenharia, medicina e as artes.

Não se trata de defender a judicialização de qualquer matéria, a qualquer preço, menos ainda de defender que basta um soldado e um cabo para garantir o fechamento do Supremo Tribunal Federal. A medida acolhida pelo MPF do Rio de Janeiro reclama uma solução há muito demandada por parte expressiva dos avaliados: assegurar o mínimo de previsibilidade e estabilidade no sistema nacional de avaliação.

Como diz a juventude; demorô!

*O artigo expressa exclusivamente a opinião de seus autores

JC Notícias – 24/09/2021

 

Em todo o mundo, 117 milhões de estudantes ainda estão fora da escola, alerta Unesco

Dados da organização indicam que, atualmente, 117 países têm escolas totalmente abertas, atendendo 35% do total da população mundial estudantil, enquanto 18 países permanecem com suas escolas fechadas, afetando 7,5% estudantes

Um ano e meio desde que a pandemia da covid-19 ocasionou o fechamento de escolas em todo o mundo, milhões de estudantes não voltaram às salas de aula. Informações da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) apontam que, atualmente, as escolas estão totalmente abertas em 117 países, com uma população total de 539 milhões de estudantes, da pré-escola até a educação secundária. Isso equivale a 35% do total da população mundial estudantil, comparados com os 16% que retornaram às aulas em setembro de 2020.

Com isso, 117 milhões de estudantes, que representam 7,5% do total da população estudantil, ainda estão sendo afetados pelo fechamento total das escolas em 18 países. Em setembro de 2020, o número de países com escolas parcialmente abertas caiu de 52 para 41.

As escolas permaneceram fechadas por um período total de 18 meses em cinco países, que respondem por 77 milhões de estudantes. Em todos os países que tiveram fechamentos prolongados de escolas, a educação foi fornecida por meio de uma combinação de aulas online, módulos impressos, bem como aulas por meio de TV e rádio.

Desde o início da pandemia, em todo o mundo, as escolas permaneceram completamente fechadas por uma média de 18 semanas (quatro meses e meio). Se forem considerados os fechamentos parciais (por localidade ou por nível educacional), a duração média dos fechamentos em todo o mundo é de 34 semanas (oito meses e meio), ou quase um ano acadêmico completo.

A Unesco e seus parceiros da Coalizão Global de Educação têm defendido a reabertura segura das escolas, insistindo que os fechamentos completos sejam usados apenas como último recurso.

“Nós sabemos que, quanto mais tempo as escolas permanecerem fechadas, mais dramático e potencialmente irreversível será o impacto sobre o bem-estar e a aprendizagem das crianças, especialmente para as mais vulneráveis e marginalizadas”, Stefania Giannini, diretora-geral adjunta do Setor de Educação da Unesco

Com certeza é encorajador que muitos governos estejam realizando todos os esforços para priorizar a reabertura de uma forma que seja segura para estudantes, professores e comunidades, mas nosso objetivo maior e mais urgente deve ser reabrir as escolas em todos os lugares, para todos os estudantes”, completou a diretora-geral adjunta da Unesco.

Perdas de aprendizagem

Interrupções prolongadas ou repetidas de aulas, assim como o fechamento das escolas, ocorridos durante os últimos dois anos acadêmicos, resultaram em perdas de aprendizagem e no aumento das taxas de evasão, afetando de maneira desproporcional os estudantes mais vulneráveis.

Na maioria dos países, as escolas adotaram alguns protocolos sanitários, como o uso de máscaras, o uso de desinfetantes para as mãos, a melhoria da ventilação e o distanciamento social, que também foram fundamentais para a reabertura das escolas no ano passado. Alguns países também introduziram a testagem em grande escala, bem como o fechamento temporário de salas de aula e escolas quando o coronavírus é detectado.

O aumento das taxas de vacinação entre a população em geral e entre os professores tem sido um fator-chave para a reabertura de escolas. Em 80 países foi dado certo grau de prioridade à vacinação de professores, o que permitiu que cerca de 42 milhões desses profissionais fossem vacinados. Em alguns países, a vacinação de estudantes com mais de 12 anos também é um fator determinante para a reabertura total das escolas.

No início das campanhas de vacinação, a Unesco and Education International pediram aos países que incluíssem os professores como grupo prioritário nos planos nacionais para conter a propagação do vírus, que protegessem professores e estudantes e que garantissem a aprendizagem sem interrupções.

Apoio e preparação

As ações corretivas para acelerar a recuperação das perdas de aprendizagem continuam sendo, em todo o mundo, um componente essencial das respostas nacionais do setor educacional à covid-19. Professores e educadores necessitam de apoio e preparação adequados.

A conectividade e a redução da exclusão digital também continuam a ser prioridades fundamentais na construção da resiliência dos sistemas educacionais, assim como no oferecimento de oportunidades de aprendizagem híbrida.

A Unesco, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Banco Mundial uniram forças sob a Missão: Recuperar a Educação 2021, para apoiar os governos a trazer todos os estudantes de volta à escola, executar programas para ajudá-los a recuperar a aprendizagem perdida, e treinar professores para lidar com as perdas de aprendizado e para incorporar as tecnologias digitais em seu ensino.

ONU Brasil

JC Notícias – 20/09/2021

 

“Por que celebrar o centenário de Paulo Freire?”

“Em tempos como o que estamos vivendo hoje, de retrocessos sociais e políticos e de um neoconservadorismo crescente, precisamos de referenciais como os de Paulo Freire, para nos ajudar a encontrar o melhor caminho de resistência e luta nessa travessia”, escreve Moacir Gadotti, professor aposentado da Faculdade de Educação da USP e presidente de honra do Instituto Paulo Freire para o Jornal da USP

Desde o ano passado, celebrações em torno dos cem anos de Paulo Freire estão sendo realizadas em diferentes partes do mundo. Alguns poderiam perguntar: por que celebrar o centenário de Paulo Freire? A pergunta procede, pois ele não gostava de homenagens. Costumava dizer, quando recebia homenagens, e foram muitas, que as recebia porque tinha certeza de que elas só aconteciam em função das causas que defendia.

Ele deixou marcas profundas em muitas pessoas e profissionais de diferentes áreas. Não apenas pelas suas ideias, mas, sobretudo, pelo seu compromisso ético-político. Entretanto, não deixou discípulos como seguidores de ideias.

Deixou mais do que isso. Deixou um espírito. “Para me seguir não devem me seguir”, dizia ele. Pedagogia do Oprimido teve grande repercussão porque expressava o que muita gente já tinha em mente em seus sonhos e utopias, um mundo de iguais e diferentes, e ressoou nos mais diversos ambientes. Sua filosofia educacional cruzou as fronteiras das disciplinas, das ciências e das artes para além da América Latina, criando raízes nos mais variados solos.

Para nós, do Instituto Paulo Freire, ele continua sendo a grande referência de uma educação como prática da liberdade e de uma educação popular. Muitas das mensagens recebidas no Instituto Paulo Freire, em São Paulo, logo depois do dia 2 de maio de 1997, data de seu falecimento, dizem textualmente: “Minha vida não seria a mesma se eu não tivesse lido a obra de Paulo Freire”; “O que ele escreveu ficará no meu coração e na minha mente”. Essas mensagens revelaram o impacto na vida de tantas pessoas de muitas partes do mundo.

Não há dúvida de que Paulo Freire deu uma grande contribuição à educação para a justiça social e à concepção dialética da educação. A pedagogia autoritária e seus teóricos combatem suas ideias justamente pelo seu caráter emancipatório e dialético. Seja como for, aceitemos ou não as suas contribuições pedagógicas, ele constitui um marco decisivo na história do pensamento pedagógico mundial.

As ideias de Paulo Freire continuam válidas não só porque precisamos ainda de mais democracia, mais cidadania e de mais justiça social, mas porque a escola e os sistemas educacionais encontram-se, hoje, frente a novos e grandes desafios. E ele tem muito a contribuir para a reinvenção da educação atual. Essa reinvenção da educação passa pela recuperação dos educadores como agentes e sujeitos do processo de ensino-aprendizagem e da prática educativa. A reinvenção da educação só pode ser obra de um esforço coletivo, colaborativo, plural, não sectário, pensando numa transição gradual para outras formas de conceber os sistemas educacionais, seu planejamento, sua gestão e monitoramento, seus parâmetros curriculares, se quisermos dar uma contribuição significativa para a construção de novas políticas públicas de educação.

Paulo Freire defendia o saber científico sem desprezar a validade do saber popular, do saber primeiro. Dizia que não podemos mudar a história sem conhecimentos, mas que tínhamos que educar o conhecimento para colocá-lo a serviço da transformação social. Educar o conhecimento pelo entendimento da politicidade do conhecimento; entender o sentido histórico e político do conhecimento.

A utopia é uma categoria central do pensamento de Paulo Freire. Por isso, ele se opôs diametralmente à educação neoliberal, pois o neoliberalismo “recusa o sonho e a utopia”, como afirma na sua Pedagogia da Autonomia. O neoliberalismo não só recusa o sonho e a utopia. Ele também recusa o saber dos docentes, reduzindo-os a meros repassadores de informações como máquinas de reprodução social, excluindo-os de qualquer participação no debate sobre os fins da educação. A educação neoliberal não se pergunta sobre as finalidades da educação, investindo toda a energia nos meios e, particularmente, na eficácia e na rentabilidade, quantificadas milimetricamente por um certo tipo de avaliação. Sabemos avaliar com perfeição, sem nos perguntar sobre o que estamos avaliando.

Para essa concepção de educação, os docentes não têm conhecimento científico; seu saber é inútil. Por isso, não precisam ser consultados. Eles só precisam conhecer receitas sem se perguntar por que ensinam isto e não aquilo. Eles só servem para aplicar novas tecnologias: a sala de aula perde sua centralidade e a relação professor-aluno entra em declínio em favor da relação aluno-computador.

Portanto, há razões para celebrar o centenário de Paulo Freire.

E, como nossa celebração não é uma pura homenagem, nossa proposta de celebração do centenário de Paulo Freire é, também, um convite para um compromisso com uma causa. Nossas celebrações têm um sentido estruturante, um sentido propositivo e prospectivo. Para nós, celebrar não é esperar que o amanhã chegue a nós. É fazer, desde já, o amanhã que desejamos ver realizado. Não é pura espera. É esperançar. Entendemos o centenário de Paulo Freire como um espaço-tempo de articulações, como um processo formativo e de mobilização com vistas à transformação da realidade.

A práxis de Paulo Freire opôs-se ao neoliberalismo e hoje, ao celebrar o centenário, estamos também nos contrapondo à ofensiva ideológica neoconservadora e fortalecendo o pensamento crítico freiriano, promovendo ações e projetos alternativos à mercantilização da educação.

Para nós, celebrar Paulo Freire é lutar para democratizar a escola e educar para e pela cidadania. Trata-se, portanto, de lutar por uma escola que forme o povo soberano, o povo que pode mudar o rumo da história, uma escola transformadora, uma escola que emancipa. Paulo Freire nos dizia que essa escola, a escola cidadã, era uma escola de companheiro, de comunidade, que vive a experiência tensa da democracia.

Por isso, saudamos com muito entusiasmo essas celebrações em torno do centenário de Freire. O que se destaca nelas é a defesa da educação pública e popular e a luta contra o neoliberalismo e a mercantilização da educação.

Em tempos como o que estamos vivendo hoje, de retrocessos sociais e políticos e de um neoconservadorismo crescente, precisamos de referenciais como os de Paulo Freire, para nos ajudar a encontrar o melhor caminho de resistência e luta nessa travessia.

Nossa resposta a esses tempos obscuros é celebrar Freire.

Jornal da USP

DIDÁTICA E AVALIAÇÃO NA FORMAÇÃO DE FORMADORES PARA A MAGISTRATURA

 

Por: Erisevelton Silva Lima

Pedagogo, Doutor em Educação pela Universidade de Brasília-UnB

Primeiras palavras

Nossas práticas avaliativas revelam nossas concepções e práticas de ensino. Tal assertiva parece óbvia e simples, todavia, não é. Historicamente somos fruto do que vivemos e entendemos como certo ou errado. Não é por acaso que dizemos que todo docente é o resultado dos professores que o ensinaram ao longo da vida. Mesmo aquele que nunca imaginaria tornar-se docente traz consigo, desde os primeiros momentos de atuação, em uma sala de aula presencial ou virtual, os modelos internalizados dos bons e dos maus docentes com quem conviveu. A questão é quando potencializar e quando inibir tais práticas e seus modelos.

As vivências nos cursos de formação de magistrados para a docência apresentaram-nos alguns questionamentos, cujas respostas podem auxiliar os antigos e os futuros professores, sejam eles atuantes na formação inicial, continuada e/ou no vitaliciamento, quais sejam: a). Existe algum modelo e didática consolidados para a formação de magistrados? b). Dentre os instrumentos e procedimentos avaliativos praticados, quais têm encontrado maiores ecos e adesões nos cursos de formação de magistrados para a docência?

Em primeiro luga,r é preciso considerar que sim, nossas práticas avaliativas revelam nossas adesões ou crenças sobre o que é válido para ensinar, aprender e avaliar.  Se para o docente aprender é memorizar, fatalmente seu foco avaliativo seguirá esse sentido. Agora, se para o professor a aprendizagem ou ensinagem (ANASTASIOU E ALVES, 2007) materializa-se por meio da capacidade de analisar, criticar e propor, suas práticas avaliativas reforçarão tais entendimentos. A ética, o humanismo e a interdisciplinaridade ganham destaque no programa de Formação de Formadores (FOFO) da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM – desenvolvido em todo o território nacional.

Em documento próprio, a ENFAM preconiza e demarca sua concepção de avaliação:

Assim compreendida, a avaliação é indissociável do ato de planejar; é categoria central e direcionadora das ações de formação da magistratura, à medida que é instrumento para orientar continuamente a tomada de decisão sobre o processo de ensino e de aprendizagem e de todo o trabalho pedagógico. Nessa ótica, propõe-se articular currículo e planejamento de maneira a orientar e redirecionar o espaço-tempo da formação, visando a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, na perspectiva de “ensinagem”, o ensino que gera a efetiva aprendizagem (…) – DIRETRIZES PEDAGÓGICAS DA ENFAM – APÊNDICE B, p. 04/2017).

Não se trata de uma abordagem estanque da integralidade que constitui o trabalho pedagógico: a avaliação apresenta-se antes, durante e no encerramento do processo de ensino, validando e revalidando as aprendizagens. Nos cursos de formação de formadores tais elementos estão presentes – dizemos isso em razão da nossa experiência acumulada por quase uma década atuando nesses cursos de Manaus-AM a Porto Alegre – RS. Em razão disso, apresentamos algumas reflexões sobre as práticas que constituem o modo de ensinar, aprender e avaliar desenvolvidos na formação para magistratura brasileira.

É possível sinalizar a existência de uma didática própria para a formação de formadores magistrados?

Durante as formações promovidas pelas diversas escolas judiciais e de magistratura, o Arco de Maguerez (BERBEL, 1998) tem tomado força e inspirado formadores e alunos durante o planejamento das aulas e dos cursos. Convém ressaltar que o Programa de Formação de Formadores em vigor, da ENFAM, estabelece três módulos para o que denomina de Nível 1:  imersão no campo pedagógico e na necessidade de formar formadores com foco na aula no módulo um; o planejamento de cursos no módulo dois; e oficinas que consolidem ou potencializem as práticas interdisciplinares de ensino, aprendizagem e avaliação, em seu terceiro e último módulo. Em razão disso, temos construído e sinalizado o caminho da didática para auxiliar os bacharéis em razão da sua nova função profissional:

  1. Problematização: Elemento que inaugura, estimula e abre o canal para o diálogo nas aulas ou cursos por meio de vídeos, aprendizagem baseada em problemas, estudos de caso, tempestade de ideias, simulações de audiências e outros.
  • Fundamentação e levantamento de hipóteses: O desenvolvimento da aula e dos cursos não prescinde ou abre mão de rico aprofundamento em temas jurídicos e interdisciplinares, para o que lançamos mão de técnicas como estudo de textos, grupos de verbalização- observação, Philips 66, simulações de audiências, estudos de caso e outros.
  • Síntese e proposições: A finalização das aulas ou cursos, embora tenham se beneficiado de várias estratégias avaliativas, procuram consolidar tais momentos por meio da avaliação por pares, rodas de conversas e registros reflexivos, dentre outros. A troca de experiências, o apoio aos novos magistrados por meio das vivências dos seus pares marcam a riqueza desses eventos. Cada aula e, por consequência, cada curso evocam a necessidade de refletir sobre as práticas e promover apoio para os novos integrantes em questões e temas nem sempre contemplados por meio dos certames de acesso à carreira.

Longe da ideia de esgotar o assunto ou formatar os cursos, afinal não é este nosso interesse, o movimento acima descrito vem ao encontro do que chamamos de método ativo, ou seja, a inegável necessidade do protagonismo dos estudantes. Esses encontros revelam-se mais exitosos quanto maior for esse protagonismo; ao professor cabe, cada vez mais, a postura de mediador. Propor estratégias de ensino, de aprendizagem e de avaliação, sob sua gestão, fortalece os preceitos de uma pedagogia ativa voltada para a emancipação/autonomia dos discentes. Seja no preparo de uma aula ou curso as etapas, anteriormente descritas, demonstram forte adesão daqueles que agora cuidam da formação direta e indireta dos magistrados e servidores.

É possível falar em unidade avaliativa nesses cursos/formações?

          A avaliação para as aprendizagens (VILLAS BOAS, 2014) ou avaliação formativa ganha força quanto maior for o entendimento de que uma técnica de ensino pode servir para ensinar, aprender e avaliar ao mesmo tempo; para que isso ocorra o olhar do professor precisa ser (re) orientado com vistas às aprendizagens de todos. Aí se encontra o papel da formação. Ao trabalhar com a turma por meio de seminário, estudo de caso, GVGO e/ou simulação de audiências, as interações possuem triplo sentido: servem para ensinar, aprender e avaliar, é fato. Mas isso só será possível caso o formador esteja preparado para perceber tais manifestações. O feedback encorajador, tanto dos formadores para as turmas como entre os pares, é outro elemento bastante discutido e fomentando nesses cursos, em todos os módulos. A negociação de indicadores e critérios de avaliação em todas as atividades promove e retroalimenta, gradualmente, as boas práticas avaliativas de maneira respeitosa e ética. Não é por acaso quem em todas as atividades propostas pelo formador, em diálogo com a turma, definem-se ou elegem-se o que desejam alcançar, como desejam alcançar e para que desejam tal alcance. Eis a função básica ou primeira do discurso e da prática avaliativa numa perspectiva formativa. A formação em avaliação tem servido para rediscutir e reinaugurar a prevalência de aspectos qualitativos sobre outros que se reduzam, meramente, a uma nota. Embora muitas escolas judiciais e de magistratura ainda façam uso da avaliação somativa, o uso das notas começa a ser questionado pelos próprios cursistas.

Considerações parciais

          A formação de formadores e os seus reflexos nos cursos de formação inicial, continuada e de vitaliciamento já produzem seus efeitos; os depoimentos daqueles que atuavam e dos novos que passam a ministrar aulas são otimistas e reveladores. Acreditamos que pesquisas que apontem o impacto dessas metodologias são o melhor caminho para o alinhamento das ações futuras de todas as escolas judiciais, de magistratura e da própria ENFAM.

          O estímulo da ENFAM, já normatizado, no sentido de que todas as escolas construam seus projetos político-pedagógicos ou suas propostas pedagógicas deve sedimentar e consolidar os princípios da ética, do humanismo e da interdisciplinaridade sobejamente defendidos por meio de metodologias ativas.

          A formação de magistrados para docência que atinge, por extensão, a formação dos demais servidores deve ser unificada. A distribuição de justiça ganhará mais força e coerência quanto maior for a unidade metodológica e transdisciplinar que comporá as atividades de formação desses profissionais de carreira.

          Finalizamos com relatos de juízes e juízas docentes que participaram dos cursos da Formação de Formadores (FOFO), profissionais que atuam na formação inicial, continuada e de vitaliciamento de magistrados e magistradas. Tais relatos foram retirados dos registros reflexivos por eles produzidos:

Nunca imaginei que os métodos ativos fossem tão úteis, utilizei do Philips 66 numa aula de técnica de prolação de sentença. Foi incrível como o tempo passou rápido e produzimos peças ricas e interessantes. (Juíza do Centro-Oeste)

Eu acabei mudando minhas aulas até na graduação. De início os alunos desconfiam, dizem que estamos sem querer dar aulas. Depois eles percebem que o protagonismo tira os mesmos do comodismo. Na formação inicial tenho usado muito da simulação de audiências como forma de avaliação pelos pares. Não tenho dúvida, estamos aprendendo mais. (Juiz do Nordeste)

No dia em que eu disse a eles que antes da avaliação eles e eu teríamos que definir os critérios e indicadores pelos quais nos guiaríamos (muitos ficaram surpresos). Fizemos isso numa aula em que simulamos uma audiência de custódia. Após realização da mesma, todos participaram apontando fragilidades e potencialidades nos papéis desempenhados. Isso foi muito importante para eu avaliar, não somente a técnica, mas a própria aprendizagem. (Juiz do Norte)

Eu era crítica contumaz das metodologias ativas, mas revi meus pré-conceitos durante minha atuação com juízes novos. Eles sabem muito, todas as leis, normas, dogmáticas pareciam estar na ponta da língua. Quando fiz um debate sobre crimes transfronteiriços usando o Philips 66 fiquei surpresa com a riqueza do debate e a troca de experiências. (Juíza do Sul)

Sempre inicio minhas aulas problematizando, as turmas são muito bem preparadas, fui discutir a utilização dos tratados internacionais nas decisões e o estudo de caso foi tão rico e importante, passamos da hora de sair e a turma não reclamou. (Juiz do Sudeste).

          REFERÊNCIAS

ANASTASIOU, L. das G. C; ALVES, L. P. Processos de ensinagem na universidade. Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 3. ed. Joinville: Univille, 2007.

BERBEL, N. A. N. Metodologia da problematização: experiências com questões de ensino superior. Londrina: EDUEL, 1998.

BRASIL, Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM, Diretrizes Pedagógicas – Apêndice – B, Brasília-DF, 2017.

VILLAS, B. M. F. Avaliação para a aprendizagem na formação de professores. Cadernos de Educação. Brasília, n. 26, p. 57-77, jan./jun. 2014.

JC Notícias – 14/09/2021

 

Presidente da SBPC e rapper abrem conferência do ciclo Universidade InComum

Evento online do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFSC discutiu a universidade e a reconstrução do Brasil democrático

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, e o rapper brasiliense GOG, foram os palestrantes da conferência de abertura do ciclo Universidade InComum, cujo tema é “A universidade e a reconstrução do Brasil democrático”. O encontro online foi realizado nesta segunda-feira, 13 de setembro, com transmissão pelo canal no YouTube do Centro de Filosofia e Ciências Humanas.

O ciclo Universidade InComum é uma iniciativa do CFH com apoio dos centros de Ciências da Educação (CED), Socioeconômico (CSE) e de Comunicação e Expressão (CCE). O próximo encontro será no dia 28 de setembro.

A palestra desta segunda-feira foi mediada pela professora Miriam Furtado Hartung, diretora do CFH, após apresentação feita pelo vice-diretor do Centro, Jacques Mick. De acordo com a professora Miriam, a ideia do ciclo se originou de uma inquietação sobre os efeitos das mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo e quanto ao lugar e ao papel da universidade no mundo que se desenha. “O que temos visto ao longo dos últimos anos é uma insidiosa tentativa de transformar as universidades públicas em organizações sujeitas a regras e perspectivas contábeis e gerenciais”.

Território distante

O rapper GOG, acrônimo de Genival Oliveira Gonçalves, lembrou que na sua infância e adolescência, “a universidade sempre foi um território distante”, embora ele fosse filho de professores. De acordo com ele, a expressão “ensino superior” colocava uma ideia de hierarquia e o livro era visto como autoridade.

Ao falar sobre a democracia, citou que trata-se de um conceito muito relativo, que depende do ponto de vista do observador. “Quando a gente fala em reconstrução democrática é porque o País foi democrático um dia. E quando a gente olha da ótica das periferias, do hip hop, das minorias que na realidade são maiorias, a gente se pergunta: que democracia?”

Fazendo uso de uma linguagem popular e poética, GOG fez vários questionamentos e reflexões durante a sua fala, tais como: “Eles falam em ‘editais’, mas nós vamos colocar a discussão de ‘é de todos’ e todas”; “A extensão da universidade precisa de intenção”; “Toda a manifestação humana é cultura”.

O músico também exortou a Universidade a “derrubar os seu muros” e aprimorar a interlocução com as comunidades e outros saberes. “Ela tem que ir na caça dessa cultura que muitas vezes é tratada como senso comum”. Segundo ele, o hip hop tem 30 anos e por muito tempo ficou invisível até para os movimentos sociais, sindicais e partidários identificados com a esquerda. “Nós criamos toda uma estrutura à margem do próprio campo que se diz progressista”, afirmou.

Responsabilidade social

O presidente da SBPC apontou em sua fala a grande mudança que ocorreu com a expansão do ensino superior brasileiro e a adoção de políticas de ações afirmativas. Janine Ribeiro disse que também não simpatizava com a expressão ensino superior. “Ensino está para a educação como a informação está para a formação. Na informação aprendemos algo sobre um objeto e isso não nos transforma. Educação significa não apenas um acréscimo de conhecimento sobre objetos, mas uma mudança na formação do sujeito”.

Ao defender a política de ações afirmativas, o presidente da SBPC lembrou que 50% das vagas nas universidades públicas são destinadas a quem fez o ensino médio inteiramente em escolas públicas. Ressaltou que as cotas são sobretudo cotas sociais e não raciais. “Isso é importante dizer porque muita gente sai dizendo que as cotas são raciais, são racistas, criam desigualdade artificial no Brasil, punem os brancos pobres”. As ações afirmativas provocaram uma mudança de perfil nas universidades e fizeram com que o Brasil deixasse de ser uma sociedade elitista no acesso à educação superior.

A questão agora é como dar sequência a esse processo de inclusão. Para fazer frente ao grande prejuízo que alunos de escolas públicas tiveram com a adoção do ensino remoto emergencial durante a pandemia de covid-19 – pela maior dificuldade de acesso a equipamentos, pacotes de dados e até mesmo nos ambientes residenciais pouco adequados – Janine Ribeiro afirma que é preciso investimento de recursos públicos. Já existe uma lei aprovada pelo Congresso que prevê utilização de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para isso, que no entanto ainda não está sendo cumprida.

As universidades, segundo o professor, também precisam voltar o seu foco para cursos que apoiem o desenvolvimento socioeconômico e científico no Brasil. “É preciso aumentar a produção, o PIB brasileiro, e para isso certas profissões técnicas são muito importantes”, afirmou. Outra área que merece atenção é o meio ambiente, “algo que é ao mesmo tempo uma riqueza e que está profundamente ameaçado no Brasil”.

O Brasil tem cerca de 20% da biodiversidade mundial, e boa parte dessa diversidade está na Amazônia. “A Amazônia não é um estoque para destruição”. De acordo com o cientista, uma árvore centenária que é derrubada para extração da madeira, no Brasil, em outros países é um objeto de estudos científicos. “Uma árvore com centenas de anos é um banco de dados da história do clima”, exemplificou.

Por fim, o presidente da SBPC destacou a importância da defesa das universidades públicas, que são o principal lócus de produção científica no Brasil. Essa defesa não deve ficar restrita à gratuidade da universidade pública, embora esse seja um ponto reconhecidamente importante. “Universidade pública não é apenas universidade gratuita; é universidade que tem compromisso com a coisa pública, com o desenvolvimento da sociedade”.

O caráter público das universidades deve se refletir também na formação dos seus estudantes. “Nós devemos formar nossos alunos para que eles não ‘privatizem’ seus diplomas”, disse o professor, explicando que os profissionais formados devem ver a sua formação não como uma mera forma de ganhar dinheiro, mas como um compromisso com a sociedade que bancou seus estudos através dos impostos pagos por todos. “É importante para as universidades públicas deixar claro para seus estudantes que eles têm um compromisso público, uma responsabilidade social”.

UFSC