A fé nas avaliações

 
Por Luiz Carlos de Freitas, no blog do Freitas, em 29/10/2020

A mentalidade meritocrática que assola os meios educacionais encontra dificuldade para, em tempos de pandemia, lidar com a questão da avaliação. Determina esta mentalidade que as avaliações devem continuar, mesmo neste caos pandêmico, pois qualquer outra forma seria apoiar a implementação da “promoção automática”. A fé nas avaliações padronizadas é difícil de ser aplacada. É […]

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Luiz Carlos de Freitas | 29/10/2020 às 9:26 AM | Tags: Pandemia, política com evidência, Reformadores empresariais, Resistência, Revisões NEPC | Categorias: Ideb, Links para pesquisas, MEC sob Bolsonaro, Pastor Milton no MEC, Responsabilização/accountability, SAEB, Saresp, Segregação/exclusão | URL: https://wp.me/p2YYSH-7vo

Pandemia dá chance ao Brasil para reavivar seu sistema educacional, diz diretor da OCDE

 

JC Notícias, 27/10/2020

Para Andreas Schleicher, sociedade enxergou nova face da escola e deve cobrar seu fortalecimento

Ainda que a suspensão das aulas presenciais por causa do novo coronavírus tenha impacto negativo na educação, Andreas Schleicher, uma das maiores autoridades em avaliação do ensino do mundo, diz acreditar que a pandemia pode ter trazido uma nova chance ao país.

Para o diretor de educação da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), depois de um período de acomodação com os resultados educacionais, o Brasil tem a oportunidade de reavivar os investimentos e políticas para a área.

“Com a pandemia, as famílias enxergaram uma face das escolas que muitas vezes ficava escondida: seu papel social, emocional. Acredito que isso possa resultar em um ambiente mais colaborativo entre escola e famílias e, consequentemente, em uma maior cobrança dos pais por melhorias na educação”, disse à Folha.

Veja o texto na íntegra: Folha de S. Paulo

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A relação entre o avaliador e o avaliado: territórios de poder?

 

Por: Erisevelton Silva Lima (Professor e gestor escolar na SEEDF, formador credenciado pela ENFAM, Doutor em Educação pela Universidade de Brasília-UnB)[1]

A avaliação e o clima que se instaura em torno dela sempre foram alvos de críticas e receios quase sempre naturalizados por aqueles que avaliam. Enquanto isso, do outro lado da mesa, os sujeitos avaliados ficam expostos, indefesos e muitas vezes oprimidos por causa da relação verticalizada de poder demarcadora daquele instante e dos seus efeitos. Freitas (2009) nos lembra que a avaliação abre ou fecha portas, isso parece simples e natural, mas não é. O que evoco para esta discussão diz respeito à postura do avaliador que a meu ver será, sempre, uma questão ética (nem mais, nem menos). Por causa disso, trago para nossa reflexão a linha tênue que separa o sentido de autoridade da prática do autoritarismo quando o assunto é o poder que está implícito no ato de avaliar.

 Ao enfrentarmos o conceito estruturalista do poder trazido por Foucault (2008), nem minimizamos nem ampliamos os efeitos do que produz a avaliação. O professor e o aluno só o são na escola e nas suas dependências, onde as atividades são, quase sempre, demarcadas por datas, prazos e outros penduricalhos institucionais. A vida e seu cotidiano não só invertem os papéis, como destituem-nos deles; na verdade, inauguram outros nem sempre adornados pelo efeito do direito, da norma ou da regra. Mesmo assim, encarar a avaliação, seu uso e suas intencionalidades pode reverberar nas nossas maiores inquietudes no campo relacional da escola e das suas teias sutis quando o assunto é fazer obedecer. Atualmente, avaliar o avaliador ainda é terreno complexo e comprometedor sobre o qual paixões e disputas parecem não ter fim. Se a avaliação não pode ser um fim em si mesma, isto deveria valer para os sujeitos que avaliam, normalmente representados por chefes, professores ou alguma forma de autoridade, concordam?

A bem da verdade, ninguém coloca uma roupa nova e bonita e aguarda felicíssimo o momento de uma suposta avaliação, pode ser que após o resultado o faça, do contrário parece mais um rito de dor e sofrimento do qual não se pode fugir, caso queira transpor um estado ou condição. As mitologias nos trazem inúmeros exemplos do que pode acontecer com quem não corresponde ao desejo do avaliador ou perguntador, qual seja: decifra-me ou te devoro. As lógicas que invadem essa relação são inequívocas, representam poder e o uso que se pode fazer dele. A reprovação, em nosso caso, por mais “lógica” que seja, é a esfinge da vez e da hora. Não vamos discutir sua validade, apenas consideremos sua existência e o poder que dela emana. Arendt (2010), por exemplo, lembra-nos que a violência se converte numa estratégia ou metodologia que visa a garantia do domínio. E a escola, via de regra, usa de tal artefato para assegurar seus fins, se eles são bons ou ruins o tempo testemunhará. A esta altura alguns podem perguntar-me: poderia ser diferente? Poderia ser menos sofrida esta relação?

A resposta é sim, pode e deve ser diferente e menos sofrida. O avaliado não precisa ser exposto, o tratamento formal e informal que dispensamos pode e deve ser respeitoso. Os instrumentos não podem conter erros e armadilhas, as reais intenções e interesses dessa avaliação devem ser pautadas pela ética e pelo humanismo. Mesmo quando a avaliação se destina a selecionar pessoas para um cargo ou emprego, não precisa depreciar, diminuir ou expor os avaliados. Conduzir processos avaliativos de maneira acolhedora e transparente ajuda, inclusive, na aceitação dos resultados, quando nos sentimos injustiçados quanto à forma, dificilmente aceitaremos os resultados. Van Yperen (1998), em um estudo com profissionais da área de saúde, constatou que quanto mais baixos forem os níveis de informação e equidade dispensados aos sujeitos, maiores serão as incidências de estresse e exaustão emocional, seja no trabalho ou numa relação de poder, como ocorre com a avaliação. Por fim, o território, como bem definiu Santos (1996), não se impõe ou define pela materialidade de uma gleba ou cerca que o institui, são as relações simbólicas e as práticas materiais que legitimam certas apropriações. No caso da avaliação ou do uso que dela se faz, pode reificar os sujeitos transformando o campo do saber e do poder em “terrenos” áridos e instransponíveis. Se a escola existe para garantir as aprendizagens de todos, estaria o uso dos processos avaliativos na contramão da função social da escola? Respondam-me vocês.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

FREITAS, Luiz Carlos de (et al). Avaliação Educacional: caminhando pela contramão. Vozes, 2009.

FOUCAULT, Michel. Micro Física do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2008.

VAN YPEREN, N. W. (1998). Informational support, equity and burnout: The moderating effect of self-efficacy. Journal of Occupational and Organizational Psychology71, 29-33. 


[1] Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal – SEEDF, Escola Nacional de Aperfeiçoamento e Formação de Magistrados – ENFAM

Letramento em avaliação na formação inicial de professores – O lugar da avaliação nas licenciaturas

 

Helder Gomes

O conceito de letramento em avaliação é bastante atual e importante para a formação de professores nos diferentes cursos de licenciatura. Considerando que a avaliação é uma prática social, faz todo sentido falar sobre letramento em avaliação. A palavra letramento nesse sentido vai além da habilidade de leitura e escrita, é o uso efetivo dessas habilidades para atender as exigências sociais (KIRSCH e JUNGEBLUT 1990). De acordo com Soares (2017), o vocábulo letramento é de uso recente na educação e nas ciências linguísticas. Seu uso, segundo a autora, tem inicio na década de 80.

A palavra letramento utilizada no Brasil é uma tradução da palavra inglesa literacy, já na literatura no português de Portugal que trata sobre o termo, principalmente na área da educação, utiliza-se o termo literacia. De acordo com Soares (2017), a palavra letramento foi utilizada em língua portuguesa primeiramente por Mary Kato no ano de 1986, mas foi em 1988 que Leda Verdiani Tfouni introduziu a palavra no campo da educação por meio de seu livro “adultos não alfabetizados: o avesso do avesso”.

 Na contemporaneidade, o termo letramento tem sido utilizado em vários contextos como, por exemplo, letramento digital ou tecnológico, letramento científico, letramento em avaliação, letramento crítico entre outros. Trata-se de um conceito expandido que se refere não só à aplicação na prática cotidiana dos conhecimentos sobre determinada área ou campo, mas traz também a questão da conscientização. (SCARAMUCCI, 2016)

 Para exemplificar, podemos afirmar que nos dias atuais falamos mais do que nunca sobre letramento digital ou tecnológico de estudantes e professores. A pandemia do novo coronavírus trouxe uma nova realidade em todos os campos da vida humana. Na educação, a alta incidência do ensino remoto trouxe a necessidade imediata de apoderação, por parte dos estudantes e dos professores, de saberes para a utilização de recursos digitais, plataformas entre outros, além de vocabulário, conceitos e características próprias desse contexto. Nesse momento, podemos dizer que, durante a pandemia, professores e alunos estão cada vez mais letrados digitalmente. 

Trazendo para o campo da avaliação, podemos dizer que ser letrado em avaliação é desenvolver saberes sobre a natureza e premissas da avaliação, além de suas funções e finalidades, e conseguir contextualizar esses saberes nas práticas cotidianas avaliativas. Inbar-Lourie (2008) traz o entendimento de que o letramento em avaliação requer uma visão holística, integrada, contextualizada e dinâmica da avaliação. Embora tenha tratado do letramento em avaliação no contexto de línguas, sua definição de letramento em avaliação pode ser transportada para outras áreas do conhecimento.

A clareza sobre o conceito de letramento em avaliação é um primeiro passo importante na formação de professores, mas, para o entendimento desse conceito, é necessário falar sobre avaliação nos cursos de formação de professores. O fomento às discussões sobre avaliação propicia um maior letramento dos docentes.  Quanto mais se discute sobre avaliação na formação inicial de professores, quanto mais se reflete sobre esse tema, mais possibilidade de letramento. Por sua vez, professores mais letrados são capazes de produzir melhores instrumentos avaliativos, possuem mais clareza sobre o porquê da avaliação e suas consequências sociais.

Na sociedade brasileira ainda há pouco letramento em avaliação, o que acarreta posturas e sentimentos como o medo ou pavor de ser avaliado de um lado e de outro a avaliação como um momento de acerto de contas, o que são deturpações do ato que verdadeiramente é avaliar. Professores letrados em avaliação podem mudar esse quadro, por meio de práticas conscientes que não sejam punitivas, ameaçadoras, constrangedoras e excludentes. Stiggins (2004) afirma que a mudança do papel da avaliação está relacionada com a função social da escola e destaca ainda que a avaliação formativa é o caminho para a superação da avaliação excludente.

 Dessa forma, é preciso que o letramento em avaliação do professor leve em consideração a avaliação formativa, pois esse tipo de avaliação é inclusivo, diagnóstico, integrado ao trabalho pedagógico e tem como foco as aprendizagens. De acordo com Villas boas (2002), a avaliação formativa é aquela que se insere no trabalho pedagógico e que visa à aprendizagem de todos os alunos. Infelizmente, a avaliação formativa, componente caro e essencial para o letramento em avaliação docente, ainda não é uma realidade nas graduações/licenciaturas. Há pelo menos duas décadas, Perrenoud (1999) afirmou que a formação de professores trata muito pouco sobre avaliação e menos ainda sobre avaliação formativa.

 Essa mesma afirmação pode ser repetida hoje. Formamos pouco para a avaliação e menos ainda para a avaliação formativa. Podemos acrescentar que as avaliações praticadas nos cursos de licenciatura também deveriam ser formativa, seria uma maneira de os estudantes vivenciarem essa prática na formação inicial de forma concreta, certamente propiciaria uma materialização do conceito e da concepção de avaliação formativa.

O professor letrado pode letrar pais e estudantes esclarecendo os processos avaliativos e envolvendo todos na avaliação, deixando de ser esta de domínio exclusivo do professor. É importante salientar que todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem podem e devem ser letrados em avaliação, considerando as diferentes necessidades. Essa idéia em que todos participam da avaliação e são, portanto, avaliados e avaliam guarda semelha com os princípios da avaliação formativa.

Segundo Stiggins (1991), existem níveis diferentes de letramento em avaliação considerando os sujeitos envolvidos nos processos avaliativos. Dessa forma, o letramento em avaliação do docente difere-se do letramento em avaliação dos pais e estudantes. Nesse sentido, faz parte do letramento em avaliação do professor a capacidade de adaptar a linguagem e dosar a terminologia ao tratar de avaliação com pais e estudantes.

Mas, o que é preciso para o letramento em avaliação do professor em formação que vai atuar na educação básica?

Stiggins (1991) propõe três ações para que o letramento em avaliação alcance os diferentes atores (pais, estudantes, professores, gestores). São elas: 1. Compreensão aprofundada do significado de ser letrado em avaliação; 2. Diferenciação sobre níveis de letramento; 3. Cursos específicos que tratem sobre letramento em avaliação. A terceira ação proposta por Stiggins precisa ser incorporada pelos cursos de formação de professores nas universidades brasileiras a fim de minimizar as lacunas ou até mesmo a ausência de letramento em avaliação dos professores que saem das universidades e ingressam na vida profissional.

Se quisermos mudanças no cenário educacional de nosso país, precisamos investir no letramento em avaliação dos professores, uma vez que a avaliação tem grande potencial para provocar modificações no ensino. Segundo Scaramucci (1997), na avaliação reside grande parte dos problemas do ensino, mas também na avaliação está grande parte das soluções. Dessa forma, para tentar resolver ou melhorar a avaliação, é preciso conhecê-la e refletir sobre sua importância e impactos.

Os docentes necessitam precisamente definir com clareza o conceito de avaliação para não cair nas armadilhas, confusões ou mitos, conforme nomeia Hoffman (2017a), que envolvem a avaliação. Esses equívocos estão presentes quando avaliar é sinônimo de medida ou de aplicação de prova, ou ainda avaliar é meramente um mecanismo burocrático e definidor de quem é aprovado ou reprovado, ou seja, para não ser enredado por esses equívocos, é preciso compreender bem as questões teóricas, práticas, políticas e sociais da avaliação.

É preciso ainda que o futuro professor reflita sobre a quem interessa a avaliação classificatória, punitiva e excludente. Faz-se necessária a compreensão de que junto com essa avaliação há uma visão de educação e sociedade que precisa ser vista e entendida pelo professor. Nesse sentido, o processo de letramento em avaliação do docente precisa levá-lo a refletir sobre como construir e utilizar instrumentos avaliativos, bem como analisar os dados produzidos por esses instrumentos e deve capacitá-lo a agir tomando decisões em direção às aprendizagens dos estudantes, consciente de seu papel.

 Para isso, é urgente que, nas licenciaturas, superemos a lógica de deixar a avaliação para o fim da fila, a última etapa, quase sempre desvinculada da organização do trabalho pedagógico. Nos estágios obrigatórios dos cursos de licenciatura, quase sempre, fala-se da aula, dos objetivos, dos recursos, mas a avaliação fica por último e tão mal colocada na maratona do “planejar aulas” que quase sempre nem se fala dela. Essa lógica precisa ser alterada. Qualquer planejamento escolar deve incluir a avaliação. Os futuros docentes precisam aprender a pensar na avaliação no primeiro momento do ato de planejar.

Ao pensar em mudanças, é preciso refletir sobre velhas práticas avaliativas que são executadas mesmo em momentos novos. Em meio à maior crise sanitária que assola a escola neste século, a grande preocupação está no produto. Isso é evidente na discussão em torno da famigerada dicotomia aprovar/reprovar. Nesse momento, a escola deveria estar construindo um grande pacto em prol da aprendizagem, imbuída na criação de mecanismos, inclusive avaliativos, para que no momento em que houver condições de realização de um trabalho escolar pleno, as aprendizagens não sejam negligenciadas, aceleradas ou “niveladas”.

Dessa forma, é necessário que seja trazido para discussão com os docentes em formação, não somente neste momento crítico, mas permanentemente, que na avaliação escolar a obsessão pelo resultado não pode obscurecer a importância do processo (FICHER, 2010).

Faz parte do letramento em avaliação do professor a compreensão dos diferentes níveis de avaliação. Segundo Freitas (2009), os níveis de avaliação são três: Avaliação da Aprendizagem, Avaliação Institucional e Avaliação de Redes ou Sistemas de Ensino. Assim, os professores letrados precisam estar capacitados para reconhecer e diferenciar uma avaliação de processo de uma avaliação de produto, ou ainda as características de uma avaliação para a aprendizagem e de uma avaliação de larga escala, ou ainda de um exame de entrada ou seleção.

Embora alguns pontos muito relevantes sobre conhecimentos técnicos da área de avaliação tenham sido levantados neste texto, o letramento em avaliação do professor não pode estar revestido apenas da dimensão técnica, principalmente porque estamos falando de avaliar pessoas, e a dimensão humana é essencial. Não se trata de não abordar as questões técnicas inerentes à avaliação na formação de professores, apenas se faz necessário esclarecer que não é preciso que os cursos de licenciatura aprofundem em uma formação voltada para a docimologia.

  É preciso salientar que o professor, no contexto escolar, pode dominar muitas técnicas e métodos avaliativos e pode também preparar instrumentos de avaliação impecáveis, porém, se esses instrumentos não estiverem a serviço da aprendizagem, de nada adianta. De acordo com Black e Wilian (2010, p. 88) “a avaliação, como ocorre nas escolas, está longe de um problema meramente técnico. Pelo contrário, é profundamente social e pessoal”

A esse respeito, Saul (1995), em uma perspectiva emancipatória da avaliação, alerta sobre a influência positivista norte-americana nas práticas de avaliação no cenário brasileiro. Contrário a essa idéia exacerbadamente técnica da avaliação, precisamos entender que quem avalia precisa conhecer o avaliado, precisa respeitar suas características individuais.

 É necessário internalizar as sábias palavras de Luckesi (2007) em que afirma que a avaliação é um ato amoroso, corroborado por Hoffman (2017b), que afirma que a avaliação precisa ser encorajadora. A sensibilidade para o incentivo e o acolhimento vão além das técnicas e métodos de avaliação. Essa percepção do outro nos processos avaliativos é mais um aspecto que necessita ser desenvolvido como um componente do letramento em avaliação dos futuros professores.

É sabido que nenhuma formação inicial conseguirá abarcar todos os aspectos profissionais do estudante em formação. No que refere à avaliação, não é possível e nem deve ser o objetivo esgotar o tema. Porém é fundamental que os licenciados deixem a universidade dotados da capacidade de compreender, refletir e debater sobre avaliação e que prossigam com essa postura profissional reflexiva em sua formação continuada, desenvolvendo-se com a discussão com seus pares, teorizando a experiência prática do trabalho pedagógico, além da participação em cursos de formação que tratem sobre temáticas relacionadas à avaliação.  Essa postura é que vai permitir o avanço em seu nível de letramento em avaliação, aprimorando e expandido o processo iniciado na formação inicial.

Precisamos mais que nunca discutir com os professores em formação que, embora grande parte de suas vidas e de suas experiências escolares tenha sido marcada pela presença de provas nas avaliações, existe vida após as provas e é possível inclusive avaliar sem elas e contribuir mais efetivamente para a aprendizagem dos estudantes e, parafraseando Hadji (2001), é preciso que os professores deem provas de coragem para que a avaliação seja, de fato, formativa. Coragem necessária para superar ou desconstruir modelos e práticas de avaliação que servem a outros interesses que não a aprendizagem.

Na formação inicial de professores temos um momento ímpar para contrastar práticas de avaliação, evocando a consciência dos docentes em formação para que não apenas reproduzam avaliações que foram praticadas com eles e que estão em suas memórias, mas que tenham uma postura crítica e inquietante frente às práticas avaliativas, podendo implementar mudanças e aprimoramentos.

Nesse sentido, o letramento em avaliação pode ser um grande impulsionador das mudanças nas práticas docentes tanto no que se refere ao ensino como à avaliação, porque os dois elementos estão em união.  Por isso a necessidade de se abordar avaliação nas licenciaturas, não como um apêndice, mas como uma disciplina ou um laboratório com carga horária compatível com a importância e complexidade que o tema requer.

Por ser algo relativamente novo, complexo e abrangente, o letramento em avaliação no contexto de formação inicial ainda necessita ser mais debatido, a fim de tentar delimitar o que é essencial para o letramento em avaliação do professor em formação inicial. Assim, para início das ações, é preciso de antemão garantir o espaço específico e efetivo para que a avaliação seja tratada nos cursos de licenciatura.

 É importante destacar que essa formação precisa ficar nas mãos de professores da área de avaliação. Uma vez garantidos o espaço e os docentes habilitados, podemos ampliar os estudos e prioridades do letramento em avaliação do professor em formação inicial nos cursos de licenciatura.

Referências:

BLACK, P. e WILIAN,D. Inside the black box: raising standarsds through classroom assessment. Phi Delta Kappan, Vol. 80, nº 02, 2010.

FISCHER, B.T.D. Avaliação da aprendizagem: a obsessão pelo resultado pode obscurecer a importância do processo. In: Werle; F.O.C. (org.). Avaliação em larga escala. Oikos, Liber, Brasilia -DF, 2010.

FREITAS, L. C. et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

HADJI, C. Avaliação desmistificada. Porto Alegre, Artmed, 2001.

HOFFMANN, J. Avaliação: mito e desafio: uma perspectiva construtivista. 45. ed. rev. Porto Alegre: Mediação, 2017a.

___________. Avaliar para promover. As setas do caminho. Porto Alegre, Mediação, 16ª edição, 2017b.

INBAR-LOURIE, O. Language assessment culture. In E. SHOHAMY; N. HORNBERGER (Eds.). Encyclopedia of language and education: Language testing and assessment. v. 7, New York, NY: Springer, 2008. p. 285–300.

KIRSCH, I., GUTHRIE, J.T. The concept and measurement of functional literacy. Reading Research Quarterly ,v. 13,n.4, 1997-1978

LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 18. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2006.

PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999

SAUL, A. M. Avaliação emancipatória: desafios à teoria e à prática de avaliação e reformulação de currículo. 3.ed. São Paulo: Cortez, 1995.

SCARAMUCCI, Matilde Virgínia Ricardi. Letramento em avaliação (em contexto de línguas): contribuições para a linguística aplicada, educação e sociedade. In: JORDÃO, Clarissa Menezes (Org.) A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas, SP: Pontes Editores, 2016. p. 141-165.

___________, Avaliação: mecanismo propulsor de mudanças no ensino/aprendizagem de língua estrangeira. Contexturas, v. 4, p. 115-124, 1998.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3ª edição, Belo Horizonte, Autêntica editora, 2017.

STIGGINS, Rick. Assessment literacy. Phi Delta Kappan, v.72, p. 534-539, 1991.

STIGGINS, Rick. New assessment beliefs for a new school mission. Phi Delta Kappan, v. 86, n. 1, p. 22-27. 2004.

VILLAS BOAS, B.M.de F. Construindo a avaliação formativa em uma escola de educação infantil e fundamental. In: VILLAS BOAS, B.M.de F. (org.). Avaliação políticas e práticas. Campinas, SP: Papirus, 2002.

Nem voltar agora, nem se acomodar: a escola precisa se redescobrir para mudar

 

Erisevelton Silva Lima

Erisevelton Silva Lima é Pedagogo, Mestre e Doutor em Educação (UnB), atua em gestão de escola de educação básica no DF. Professor da SEDF. Pesquisador (GEPA) e formador na área de avaliação e organização do trabalho pedagógico.

              O modelo escolar vigente traz consigo elementos políticos, ideológicos e da logística inaugurada no século XVIII, quando a estrutura fabril inculcou em nossas vidas um módus operandi forte e quase imutável. Não é por acaso que as comparações com a fábrica, com o presídio e com o sanatório continuam em vigor, mesmo com a “inovação” de fazermos aulas por meio da internet.

            Se resgatarmos as formas mais e menos centralizadoras de ensinar ratificadas, no caso brasileiro, pelas legislações educacionais, a essência do saber/memória (Lei n. 4.024/61), do fazer/tecnicista (Lei n. 5.692/71) e do saber/ser (Lei n. 9.394/96) titubeiam em meio ao núcleo duro da escola, que insiste em tentar separar quem ensina de quem aprende. Com a tsunami viral do Covid19, estamos diante da inevitável necessidade de mudança para continuarmos existindo. A educação escolar pública viu ruir, sem devaneios,  as crenças e os mitos alimentados nessa última década, ou seja, nem todos possuem Internet, nem todos sabem lidar com ensino remoto e, muito menos, com a Educação a Distância (EaD) e para concluir, nem todos possuem um smartphone ou computador. E quando possuem, não raramente, a quantidade de equipamentos não atende toda a família em seus horários pertinentes.

            Nossos antecessores como Comênius, Piaget e Freire dariam risadas ao estilo Monalisa para nossa estupefata novela pedagógica que já tem tons e roteiros mexicanos. A mesma que insiste em obter resultados diferentes fazendo sempre as mesmas coisas (Einstein sempre presente). Para piorar, o rei está nu e faz gestos obscenos, além do que Alice descobriu que o Gato era o verdadeiro educador, não dava respostas, fazia excelentes perguntas. Por outro lado, Henri Wallon e Vigotsky gargalhariam com nossa falta de consciência de que sem afeto e sem o outro não conseguimos sequer nos comunicar, quanto mais aprender.

            A boa nova, mesmo sem a vacina, é que o darwinismo pedagógico é possível, isso não quer dizer com ausência de algum sofrimento. O pacto pela qualidade negociada defendido por Ana Bondioli esmurrou as portas dos governantes e sindicados para criarmos outras formas de cooperação e financiamento, até porque a tal da responsabilização em nosso país sempre pendeu para o lado do mais fraco e, nesse caso, para professores, escolas e famílias de baixa renda. O que temos pela frente? O que pode tornar nossas aulas e nossas escolas melhores? Quem faz o quê?

            Para início das respostas (perdoem a ousadia), temos todos que assumir nossas fragilidades conceituais e metodológicas, sem esquecer nosso medo/pânico de sermos avaliados. Em seguida, devemos abrir ou reabrir o diálogo com a sociedade para elegermos, juntos, novos indicadores de qualidade (sem vitimismo e sem rotular culpados). O protagonismo dos nossos estudantes em todas as faixas etárias é fundamental.  Enquanto isso, sindicatos, governos e profissionais da educação precisam buscar suas representações políticas para que pactuemos metas e estratégias viáveis para todas as redes de ensino. Por último, cabe lembrar que esse percurso deve transcorrer sem armadilhas jurídicas e dilatações de prazos que não ajudarão em nada o momento atual e o vindouro.

            Enfim, aprendi que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB ou quaisquer outros índices de nada servirão se não forem para tornar nossas escolas bonitas, confortáveis, seguras, bem equipadas e nossos docentes e gestores bem formados. E, claro, se faltar Internet e equipamentos para fazerem fluir o projeto político-pedagógico e a organização curricular, todos os esforços podem cair por terra (estamos no século XXI).

            Nas primeiras aulas de Pedagogia entendi que nem todos os problemas educacionais são pedagógicos, já disseram. Por causa disso insistirei em lembrar que escola não se faz, somente, com doações e boa vontade. É fato que uma coisa não prescinde da outra, mas chega de tratar a educação como gasto, ela é o mais sensato dos investimentos, o Brasil pouco aprendeu sobre isso. Ainda há tempo! Estamos vivos!

Dever de casa, avaliação e pandemia: reflexões

 

Enílvia R. Morato Soares

            No início desta década, quando assumi o compromisso de pesquisar o dever de casa no contexto da avaliação das aprendizagens, jamais imaginei que, 10 anos depois, uma crise sanitária mundial reforçaria como nunca a necessidade de reflexões sobre a temática. Isso porque a quarentena imposta a estudantes e professores em função da pandemia aproximou como nunca o par dialético dever de casa/avaliação.

            Diferentes lives que tratam da avaliação no ensino remoto contam com depoimentos de professores preocupados com a veracidade das informações avaliadas, uma vez que estão sendo realizadas longe de sua supervisão. Isso significa que a maior parte das atividades de aula hoje é de deveres de casa.

            Essa realidade me trouxe à tona preocupações expressas pela principal interlocutora de minha pesquisa, uma professora que à época atuava no 3º ano do ensino do ensino fundamental. Em uma de suas declarações, essa docente admitiu não dar muito valor às tarefas realizadas pelos estudantes em casa em função da desconfiança que tinha em relação à autoria das respostas às questões propostas. Ela assim se posicionou:

O dever de casa não é muito verídico, porque ele [o aluno] não estava na minha presença e eu não sei se ele fez só. Algumas tarefas eu mando: “Eu quero que faça sozinho”. Eu procuro trabalhar sempre essa questão da honestidade. Eu sempre pergunto: “Fez sozinho? Precisou de ajuda?” Algumas crianças, eu vejo que elas fazem sozinha sempre. Tem vez que eu identifico letra diferente… na tarefa deles.

Depoimentos de alguns pais colaboradores da pesquisa indicaram que as dúvidas da professora não eram infundadas. A maioria deles admitiu não consentir que os filhos levassem, para a escola, o dever de casa com erros ou incompleto. Esse contexto acabava influenciando o trabalho pedagógico desenvolvido pela professora, uma vez que o dever de casa continuava sendo utilizado diariamente sem, no entanto, contribuir para indicar aprendizagens conquistadas e ainda não conquistadas, a fim de que medidas fossem adotadas para que todos progredissem. Em outras palavras, o dever de casa não era parte de um processo avaliativo formativo, constituindo, em grande medida, uma perda de tempo.

Não se pode negar o valor da observação sistemática do desempenho dos estudantes para que a avaliação se desenvolva numa perspectiva formativa. Não há como negar também que a proximidade física entre professor e estudantes favorece sobremaneira o olhar atento do observador. No entanto, avaliar com o propósito de promover aprendizagens agrega princípios que não desconsideram a possibilidade de que, mesmo distantes, professores, estudantes e familiares se utilizem das tarefas realizadas em casa e sem o acompanhamento do professor para avaliar visando conquistar continuamente novas aprendizagens.

A ética é um desses princípios. Avaliar com ética pressupõe o compromisso político de promover aprendizagens. Isso implica respeito aos estudantes e às produções que apresentam, bem como aos seus familiares, num movimento que envolve diálogo e efetiva participação de todos. Um contrato didático construído coletivamente é parte desse processo e acordos referentes à avaliação e às tarefas realizadas fora da escola devem ser parte dele. Nesse cenário, não cabem atitudes de hierarquização, marginalização ou punição de estudantes. Assim conduzida, a avaliação se pauta por relações solidárias que visam o bem comum.  A desconfiança perde, assim, a razão de existir.

Para que tal realidade se estabeleça, faz-se necessária a superação de entendimentos ainda bastante presentes em nosso meio, que vinculam a avalição a resultado e não a processo. A ideia de que os estudantes precisam, ao final de uma determinada quantidade de estudos, comprovar que aprenderam e que essa comprovação é individual e desprovida do uso de qualquer recurso, além de seu próprio raciocínio e/ou sua memória, induz a comportamentos que visam burlar a vigilância que professores exercem sobre os estudantes a fim de evitar tais atitudes. A famosa “cola” é uma dessas formas que reforçam concepções que tomam a avaliação como meio de controle e fiscalização.  

Compreender a avaliação como aliada e não como um risco pode contribuir para dissipar dúvidas quanto à sinceridade dos estudantes e de seus familiares na feitura das tarefas realizadas sem o acompanhamento do professor. Em tempos de ensino remoto essa necessidade se acentua.

Não é hora de aprovar nem de reprovar estudantes

 

Benigna Villas Boas

A Circular n.º 240/2020 – SEE/SUBEB,  de 12 de setembro de 2020, da Subsecretaria de Educação Básica, da Secretaria de Educação do DF, trata da reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia da Covid-19.

A referida circular determina que os/as estudantes que não frequentaram as aulas nos 20 dias letivos presenciais, não acessaram a plataforma ou outros meios, nem foram atendidos por meio de materiais impressos, a partir do dia 13/7/2020, tenham como resultado final registrado no Diário de Classe “Reprovado/Não Apto (NA)”. Isso significa que esses(as) estudantes não estarão aptos a progredir para a etapa/segmento/ semestre/módulo seguinte.

Os (as) estudantes que frequentaram os dias letivos presenciais ou acessaram a plataforma ou outros meios ou que foram atendidos por meio de materiais impressos, a partir do dia 13/7/2020, independentemente do número de dias ou acessos/vezes, terão como resultado final, registrado no Diário de Classe, “Aprovado/Apto (A)”, ou seja, estarão aptos a progredir para a etapa/segmento/semestre/módulo seguinte.

A circular orienta, ainda, que a organização do trabalho pedagógico no semestre seguinte leve em conta a “progressão continuada das aprendizagens”, ou seja, o “planejamento das atividades terá como prática inicial os conhecimentos prévios e os objetivos de aprendizagens alcançados por cada estudante.

A Secretaria de Educação esquece que ela mesma, por meio de suas diretrizes, assumiu o desenvolvimento da avaliação formativa em suas escolas, com vistas à construção das aprendizagens por todos os estudantes. Nesse momento único que estamos vivendo, não cabe aprovar nem reprovar estudantes. Não cabe rotular nem classificar. Não sabemos quando as escolas voltarão a desenvolver o trabalho tal como vinham fazendo. Por isso, não cabe tomar decisões precipitadas. Os documentos de registro escolar podem esperar.

Os estudantes e suas famílias estão fragilizados e precisam de apoio. Não estão em condições de receber vereditos. Cuidemos das aprendizagens possíveis de serem construídas, sem instalar mais angústias e apreensões. Cabe à escola ser educadora e não, destruidora. A avaliação tem uma história de opressão. Não deixemos que esse sentimento tome conta dos estudantes e seus pais/responsáveis.

A escola terá de reorganizar seu trabalho quando voltar a receber todos os estudantes. Antes disso, toda decisão será prematura e angustiante. Esqueçamos a burocracia.

Saibamos tirar lições da pandemia que assola o mundo e o Brasil.

Avaliação em tempos de ensino remoto: do desespero à transformação

 

                                                                       Por: Erisevelton Silva Lima

Professor da SEEDF, doutor em educação pela Universidade de Brasília – UnB, membro do GEPA.

            No decorrer deste ano letivo transformado pela necessidade do ensino remoto na rede pública de ensino do DF, o tema avaliação mexeu com as vidas e as mentes da maioria dos docentes. A instabilidade foi tamanha que logo inferi se tratar da necessidade de formação em avaliação e, não somente, dificuldades com as tecnologias.

João Cabral de Melo Neto, em sua obra ímpar, Morte e vida severina, assim traduziu: “Lúcido não por cultura, medido, mas não por ciência: sua lucidez vem da fome e a medida, da carência”. Sendo assim, o momento é singular e importante para investirmos na tarefa de promover a formação permanente e, nesse caso, balizada pelas reais necessidades das escolas e dos educadores. Ocorreu-me, também, que, no auge dessa pandemia, o percurso didático de muitos docentes foi traçado sem incorporar, desde o início, a avaliação; o indicador disso foi a quantidade de convites para participar de ‘live’, exatamente quando se aproximava o final do primeiro bimestre na rede pública local. Nos anos iniciais, a temática de como preencher o Registro de Avaliação, conhecido por RAv, liderou todos os chamados para acudir escolas e regionais de ensino; importante lembrar que na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental não existe o uso de notas ou boletins nas escolas públicas do DF; são utilizados relatórios bimestrais para os anos iniciais e semestrais, para a educação infantil. Todavia, a sua feitura deveria ser diária, por meio dos apontamentos dos docentes em seus diários de classe e das estratégias individuais de como preferem registrar as evidências de aprendizagens dos estudantes.

         Quando a questão afligiu as escolas dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, os pedidos de socorro de como avaliar e como realizar o conselho de classe foram quase uma unanimidade. No tocante ao conselho de classe, acredito que perceberam que não era mais possível repetirem reuniões desencorajadoras marcadas pela avaliação informal dos estudantes e das suas famílias. É como se a “caixa preta” do conselho de classe fosse aberta e, para espanto de todos, ela estivesse vazia.

Outro fato interessante foi a percepção de que no contexto desta pandemia e do ensino remoto, assim como as aulas, todas as reuniões coletivas e de planejamento deixaram de ser privadas, tornaram-se públicas, querendo nós ou não. Vejo isso como algo positivo e de forte apelo à mudança. O conselho de classe é a instância que pode agregar as discussões sobre os três níveis da avaliação e, portanto, a depender da condução da equipe gestora, pode ser mais ou menos produtivo (LIMA, 2012).

Na intenção de trazer para este texto minhas percepções sobre tais momentos, retirei das “lives” de que participei as perguntas e colocações mais repetidas. Para termos ideia do tamanho do desejo dos profissionais da educação sobre o tema que desenvolvemos na “live” sobre como avaliar e preencher o relatório de avaliação para os anos iniciais, eu e professora Vânia Leila Nogueira, em 04 de agosto de 2020, fomos surpreendidos por cerca de oito mil visualizações no Youtube. Algo incrível, não acham?

Vejam no quadro a seguir trechos das falas e perguntas mais recorrentes surgidas nesses encontros virtuais com regionais de ensino inteiras, escolas e docentes da educação básica:

PERGUNTAS E RELATOS DOS DOCENTES NAS LIVES

ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTALANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL E ENSINO MÉDIO
Como avaliar e registrar a avaliação de estudantes que não acessam a plataforma?Como fazer o conselho de classe se ainda não conseguimos concluir as avaliações dos estudantes?
Que estratégias utilizar para avaliar os estudantes que estão desaparecidos dos grupos de WhatsApp e não entregam tarefas impressas?O que fazer quando os docentes se negam a lançar frequência dos estudantes baseados nas tarefas?
Como avaliar na plataforma nesse ensino remoto?Como conduzir um conselho de classe no ambiente virtual?
O que fazer para avaliar quando desconfiamos que não são as crianças que estão respondendo as atividades propostas na plataforma ou nas atividades impressas que retiram na escola?Como organizar um conselho de classe quando não temos o que tratar nele (notas dos alunos)?
Não consigo avaliar, na verdade não consigo nem ensinar, eu me preparei para educação presencial, estou perdida.O desespero bateu, e agora, todo mundo pode ver nossa aula e tudo que passamos, será que vão valorizar mais nossa profissão?

Fonte: Dados retirados pelo autor dos comentários realizados pelos docentes nos vídeos no Youtube

Percebam que as dúvidas não seriam sanadas com a simples fala de que deveriam transpor para a plataforma ou aplicativos as práticas já utilizadas no ensino presencial, por um lado isso pareceu-me positivo. Quanto à questão da ética e da avaliação, veio à tona e foi reforçada pela desconfiança dos docentes sobre quem realizava as tarefas dos seus alunos. A orientação sugerida foi a de que fizessem um contrato didático com os estudantes e seus familiares, que pactuassem sobre a qualidade e a valorização dos esforços das escolas que tentam em meio a tudo isso garantir a educação pública para todos. O conselho de classe passou a ser visto sob dois ângulos: o dos alunos que participam de alguma forma (plataforma, grupos de WhatsApp, tarefas impressas recolhidas na escola) e daqueles que não respondem seus professores em nenhuma das estratégias citadas anteriormente. Seguindo a lógica do replanejamento, sugeri que refizessem a organização curricular proposta no início do ano, quando a escola acreditava que o ano letivo seria presencial, todavia, que somassem esforços com as Coordenações Regionais de Ensino para que não desistissem da busca ativa proposta para os casos dos alunos que não conseguimos localizar de início. As escolas dos anos finais e do ensino médio começaram a envolver os estudantes nos conselhos de classe e nas estratégias de avaliação, o que vejo como algo muito positivo. A criação de formulários eletrônicos e a participação em enquetes e pesquisas deram voz a muitos discentes e seus familiares. O protagonismo estudantil é a solução e não o problema, especialmente para essas escolas com adolescentes e jovens. Eles estão se organizando, buscando os colegas, apoiando seus pares que se encontram em dificuldades conceituais e ou de manuseio tecnológico. Ainda não temos dados reais sobre tudo isso, mas o campo para a pesquisa e para aprendermos é rico e desafiador

A escola está se transformando, os males trazidos pela pandemia têm clamado por mudanças em todos os sentidos, a instituição viu seu modus operandi esgotado e, mesmo sentindo-se vigiada e nua, a organização do seutrabalho pedagógico está sofrendo profundas transformações que não sabemos ao certo em que resultarão, mas, otimista que sou, acredito que nossas escolas serão melhores quando esse mal passar. Parafraseando o título do livro de Benigna Villas Boas, agora é a pandemia e não somente a avaliação que está virando pelo avesso. Sigamos!

REFERÊNCIAS

LIMA, Erisevelton Silva. O Diretor e as avaliações praticadas na escola. Editora Kiron, Brasília-DF, 2012.

MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina e outros poemas.  Editora Alfaguara, 2010.

VILLAS BOAS, Virando a escola do avesso por meio da avaliação. Campinas-SP, Ed Papirus, 2008.

IDEB e a “qualidade” da educação básica: para além do fetiche e da nota

 

Edileuza Fernandes da Silva, da Universidade de Brasília, e Cátia Maria Machado da Costa Pereira, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep


A cada dois anos a comunidade educacional brasileira acompanha com expectativas a divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). No dia 15 de setembro deste tumultuado ano letivo de 2020, em meio à
pandemia de Covid-19 que levou à suspensão de atividades escolares presenciais de milhares de estudantes, mais uma vez, entre expectativas e frustrações vimos representantes de governos, entidades representativas dos profissionais da
educação, universidades, gestores escolares, organizações sociais e veículos de impressa, ocupados com análises explicativas acerca do “sucesso” e do “fracasso” de redes de ensino e de escolas. Acerca de uma “qualidade” medida com a régua da nota.

Nessas análises emergem questões como: A quem atribuir a responsabilidade pelos resultados? O que foi realizado concretamente pelas redes de ensino e escolas para o alcance ou avanço do desempenho das escolas e redes? Quais os impactos da estrutura física e material das escolas, das condições de trabalho docente, formação, carreira,
salário no Ideb?

Pouco se fala sobre a ausência de políticas públicas para o cumprimento da meta 7 do Plano Nacional, Municipais e Distrital de Educação: fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais até 2021: anos iniciais do
ensino fundamental – 6,0; anos finais – 5,5; e, ensino médio – 5,2. A nota é vista como um fim em si mesmo, um fetiche,pois aspectos subjetivos são analisados objetivamente ou até, desconsiderados, como: as diversidades do sistema educacional; as particularidades das redes de ensino; as diferenças regionais; os projetos de escolas; as culturas; valores
e princípios que embasam os processos educativos.

Objetivamente o Ideb é um indicador educacional que combina o desempenho dos estudantes na avaliação e o fluxo escolar, resultando em valor apresentado em escala de 0 a 10, que ambiciona refletir a qualidade educacional brasileira. O Ideb foi criado para medir a qualidade do ensino ofertado e estabelecer metas para a sua melhoria. O cálculo articula informações do Censo Escolar (fluxo escolar – aprovação/reprovação) com as médias de desempenho dos estudantes (proficiências/aprendizagens) aferidas pelas Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc).
O valor escalonado do Ideb lido de forma isolada, descontextualizada, acarreta atendimento limitado. É preciso analisar, questionar, criticar, refletir sobre o que ele quer dizer, explorá-lo qualitativamente. É primordial compreender os meandros do Ideb e, principalmente, que a sua leitura seja feita articulada com os contextos e as realidades intra e extraescolares.

O resultado do Ideb precisa ser lido integrado ao desempenho escolar e triangulado com outros dados, outras informações gerados por meio de outros instrumentos/processos como: a autoavaliação que a escola faz de seu trabalho/projeto pedagógico; a análise dos resultados dos estudantes a partir de avaliação de sala de aula; as avaliações diagnósticas da realidade escolar, dos estudantes e da própria escola; as avaliações feitas em conselhos de classe, coordenações pedagógicas, entre outras. Só assim, poderemos tirar proveito do resultado do Ideb para a reorganização das redes de ensino e das escolas – a avaliação gera ação.

O Ideb fornece informações que podem orientar ações como por exemplo, provocar a comunidade escolar a construir um diagnóstico das especificidades de sua realidade escolar, conhecer suas condições materiais, orientar revisão do projeto pedagógico da escola, apontar rumos, traçar suas próprias metas e estratégias, e definir intervenções
alicerçadas na gestão democrática e na autonomia, condições para pactuar propostas para cobrar de gestores públicos investimentos e recursos que proporcionem a melhoria da qualidade referenciada também nos sujeitos sociais. Às redes, o Ideb também oferece informações para subsidiar a elaboração de políticas públicas educacionais
voltadas à valorização dos profissionais da educação, formação continuada, financiamento da educação, projetos pedagógicos e curriculares, entre outras.

Assim, para além do fetiche das notas, do ranqueamento e da classificação, o Ideb gerará ações voltadas à melhoria da qualidade da educação básica. Porque não começarmos pela implementação do Plano Nacional de Educação?

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Texto elaborado pela professora Edileuza Fernandes Silva da Faculdade de Educação da UnB/PPGE e Cátia Maria
Machado da Costa Pereira – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep.