“Pais dão nota que vale pontos no colégio”
Rose Meire Oliveira
Ao deparar-me com a reportagem “Pais dão nota que vale pontos no colégio”, publicada pelo jornal “O Estadão” em 18/09/18, alguns aspectos me trouxeram inquietações, entre eles, a escola atrelar bom comportamento dos estudantes em casa, como fator de melhoria para a composição de nota e desempenho escolar, incentivando os pais/responsáveis atribuírem notas para as atividades realizadas diariamente pelos filhos.
Reduzir o processo avaliativo à meritocracia de forma tão perniciosa, com o argumento de a escola ajudar os pais a disciplinarem seus filhos, por meio de notas atribuídas ao comportamento, é no mínimo algo que desumaniza as relações interpessoais estabelecidas entre os sujeitos no âmbito familiar e escolar: pais e filhos, professores e estudantes, respectivamente.
Quando a escola se vale de critérios subjetivos atribuídos pelos pais para avaliar as atitudes comportamentais dos filhos e dos pontos conferidos por ela, aos estudantes, relacionados à participação em sala de aula, caderno, provas e trabalhos, desconsiderando os diferentes contextos familiares, os aspectos psicológicos, emocionais e socioculturais, que envolvem as relações sociais e constituem o ser humano, revelam uma cultura avaliativa que se preocupa apenas com os resultados. Esse processo avaliativo destituído de valores éticos e sociais humanizados, além de sinalizar uma ideologia capitalista materializada na proposição do colégio, concebe a nota como mercadoria de troca, preocupando-se em formar os estudantes para atender às exigências do mercado de trabalho.
Nesse sentido, a avaliação realizada em sala de aula assume caráter não formativo, compreendendo aspectos cognitivos, disciplinares e comportamentais. Essa prática escolar de alguma forma mercantiliza o conhecimento, reduzindo sua utilidade a um processo de troca (FREITAS, 1995), no qual o estudante não estuda para aprender, mas para obter notas e/ou satisfazer a vontade dos pais/responsáveis, assumindo postura de submissão ao poder e de evitamento de problemas familiares e escolares, além de sentimentos aversivos provocados pela prática equivocada do processo avaliativo.
Outro aspecto para refletirmos e que sem dúvida causa certa estranheza, é a diretora do colégio afirmar que a estratégia de os pais avaliarem as atividades de vida diária dos estudantes não é apenas um método de recompensa para a criança, mas uma forma de inserir a família no processo educacional e, ainda, afirma: “É fazer com que o pai se torne mais participativo”, argumentando que não cabe apenas à escola atribuir notas.
Essa asserção é questionável, pois existem diferentes formas de participação da família no processo educativo dos filhos junto à instituição de ensino, desde que dadas as oportunidades de envolvimento efetivo na organização do trabalho da escola. Portanto, não compete aos pais assumirem a responsabilidade de atribuir nota ao comportamento do(s) filho(s) por meio de qualquer instrumento formal, elaborado pela escola, como mecanismo de melhoria da aprendizagem dos estudantes.
Cabe à escola, ao invés de preocupar-se com o comportamento dos filhos/estudantes no contexto familiar, garantir as aprendizagens dos estudantes por meio de processo formativo no qual a mudança positiva das atitudes comportamentais e a obtenção de notas satisfatórias, aparentemente tão almejadas pelos pais dessa escola, reflete um trabalho escolar consistente e significativo para o desenvolvimento e formação do sujeito aprendente. Assim, a aprendizagem deixa de ter sinônimo de obtenção de notas e passa a ser expressão emancipadora do sujeito pelo conhecimento, protagonismo e autonomia.
Referência
FREITAS, Luiz Carlos de. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. Campinas, SP: Papirus, 1995.
https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,pais-dao-nota-que-vale-pontos-no-colegio,70002507041. Acesso em 30 de set. 2018