JC Notícias – 24/07/2018
Pela liberdade para ensinar e aprender
“Escola sem Partido e com religião?” foi tema de conferência no primeiro dia de atividades da 70ª Reunião Anual da SBPC
Em 2016, Alagoas aprovou a Lei 7.800/2016, criando a chamada “Escola Livre” e se tornando o primeiro Estado brasileiro que aprovou a proposta “Escola sem Partido”. Pouco tempo depois, por uma decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, a lei estadual foi suspensa. No texto que justificava a decisão, o ministro afirmou: “A liberdade de ensinar é um mecanismo essencial para provocar o aluno e estimulá-lo a produzir seus próprios pontos de vista”. Para o professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Antônio da Cunha, as tentativas de impor uma Escola sem Partido fazem parte de algo maior, de um movimento de contenção e que, a despeito de derrotas como a de Alagoas, tem crescido nas três esferas da federação. Cunha conduziu uma das conferências que abriram o primeiro dia de atividades da 70ª Reunião Anual da SBPC, que acontece na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), em Maceió, de 22 a 28 de julho.
O movimento Escola sem Partido começou em 2004, quando o procurador Miguel Nagib passou a defender a existência de uma lei “contra o abuso da liberdade de ensinar”. Pouco depois começaram a surgir projetos de leis visando oficializar essas ideias. “O movimento expressa forte autoritarismo, que se revela, por exemplo, na sugestão de atribuir ao Ministério da Educação (MEC) o papel de receber denúncias anônimas sobre professores que estiverem violando a lei. A ligação com algumas religiões e a defesa do liberalismo na esfera econômica também são características do movimento”, apontou Cunha.
A supressão da ideologia de gênero e até mesmo da orientação sexual nas escolas são aspectos do movimento que têm gerado forte rejeição, ao mesmo tempo em que, ganham adesão de municípios e estados que adotam leis baseadas nesses princípios em seus planos de educação. “Trata-se de um movimento concreto, com forte apoio de alguns setores da sociedade e que coloca em risco importantes conquistas para a cidadania que tivemos com a Constituição de 1988”, disse Maria Lygia Quartim de Moraes, socióloga da Universidade de Campinas (Unicamp), ainda na apresentação da conferência.
“O que alimenta esse movimento?”, questionou Cunha. Para ele convivemos com um medo de uma série de mudanças culturais em curso no Brasil, que inclui uma redução do poder parental, por exemplo. “O Escola sem Partido é um tipo de ideologia que pretende atribuir ao professor o papel que os pais gostariam de ter em casa e que não têm mais”, disse. Movimentos feministas e LGBT também têm ganhado visibilidade, defendendo novos papéis e arranjos familiares. “Essas mudanças são vistas como ameaças para a família e para a sociedade. Esse movimento se alimenta desse medo”, pontuou Cunha.
Projetos que buscam instituir a volta das aulas de educação moral e cívica e a obrigatoriedade de aulas de religião são tentativas do movimento para conter essas mudanças: “pernas de um corpo que anda”, afirmou Cunha. Ele coordena o Grupo de Trabalho (GT) Estado Laico, da SBPC. Em 2017, esse GT encaminhou uma carta a autoridades em que declarava a rejeição veemente da entidade aos projetos de lei com propostas de uma Escola sem Partido.
Também nesta segunda-feira ocorreu o lançamento do livro “Embates em torno do Estado Laico”, que reúne os resultados das reflexões do GT e apresenta debates sobre as consequências de abandonar o Estado Laico para a ciência, a política, o ensino, a saúde e para as pesquisas na área de biomedicina. O livro pode ser baixado gratuitamente no site da SBPC, na área de publicações, neste link.
Estado Laico
Uma das características de um Estado Laico é ser imparcial em matéria de religião, respeitando todas as crenças, suas práticas e instituições, desde que não atentem contra a ordem pública. Também respeita o direito de não se ter crença alguma e até se opor publicamente a elas. De acordo com Cunha, o Estado laico não favorece nem dificulta a difusão de ideias, sejam elas religiosas, indiferentes à religião ou contrárias a ela. No entanto, em um regime de laicidade não se pode admitir que instituições religiosas imponham que leis sejam aprovadas ou vetadas, nem que políticas públicas sejam vetadas por causa delas. No Brasil, a Constituição Federal não é explícita sobre a laicidade, mas seu artigo 5º prevê a liberdade de crença religiosa aos cidadãos, além da proteção e respeito às manifestações religiosas.
Patrícia Mariuzzo – Jornal da Ciência